Em
semanas marcadas por sinais públicos de afastamento com Jair Bolsonaro (PSL), o
governador de São Paulo, João Doria, voltou na última sexta-feira a disparar indiretas
contra o presidente. "Nossa preocupação é fazer um governo múltiplo, não
isolado ou autoritário", disse na China, ao ser questionado sobre um
possível projeto presidencial para 2022.
Um
dia antes, o governador já havia repreendido Bolsonaro por falas envolvendo
tortura e desaparecidos políticos da ditadura. "A história não se apaga
com decretos e declarações", disparou. O próprio palco das falas, na
China, já é outra demarcação curiosa - até agora, Bolsonaro tem se afastado da
potência oriental em prol de um alinhamento maior com os EUA.
Dito
isso, engana-se quem pensa que é a esquerda, alvo permanente da guerra cultural
tocada pelo Planalto, que é hoje a ameaça real ao projeto do bolsonarismo a
longo prazo. Cada vez mais queridinho do mercado e da classe média, o
"direitoso" Doria é hoje o político brasileiro que mais se movimenta
com intenções claras de puxar o tapete do clã presidencial nas urnas.
Afinal
de contas, quem da esquerda tem, a preço de hoje, holofotes e dimensão política
para bater frente a frente com o presidente no debate público? Líder máximo da
tendência no Brasil, Lula (PT) segue preso e sem sinais de deixar o cárcere,
Ciro Gomes (PDT) não parece ter musculatura para bater uma campanha na escala
nacional, e Fernando Haddad (PT), apesar de saído forte das urnas, parece não
possuir nem tempo nem interesse de manter o tensionamento com o bolsonarismo,
fazendo apenas intervenções pontuais via redes sociais.
A
dança segue
Doria,
por outro lado, demonstra a cada dia interesse maior em entrar nesse
"filão". "Bolsonaro é um patriota, mas o PSDB não tem e não terá
alinhamento com o Bolsonaro. Nem alinhamento nem coalizão", deixou claro o
governador na última semana, nos mesmos dias em que subiu o tom pela
transferência de Lula para uma prisão de São Paulo.
Algum
bolsonarista mais radical pode dizer, ao ouvir o argumento, algo na linha de
"e Doria lá é de direita?". O negócio é que é exatamente nisso que o
tucano mira. A estratégia é, ao mesmo tempo em que se afasta das polêmicas mais
desnecessárias do presidente, mantém a dureza contra petistas - discurso que
agrada boa parte do eleitorado do PSL.
De
sobra, Doria evita a associação com a ala mais extremista de apoiadores do presidente,
o que pode trazer para o seu barco apoios de segmentos mais progressistas que,
para tirar Bolsonaro do Planalto, topariam qualquer alternativa. Algo muito
próximo do que ocorreu na França em 2017, quando boa parte da esquerda votou no
liberal Emmanuel Macron apenas para evitar a alçada da extremista Marine Le Pen
ao comando do País.
Dar
tempo ao tempo
Ainda
é, contudo muito cedo para garantir que a disputa de 2022 será travada entre
Bolsonaro(ou algum fiel seguidor de sua cartilha) e João Doria. Com tanta coisa
em jogo e tantas reviravoltas nos últimos anos, é impossível prever com
exatidão como estará o cenário político do País até as próximas eleições
municipais, em 2020. Imagine então 2022.
Ainda
assim, já fica cada vez mais claro que a escalada bolsonarista contra a
esquerda e os esquerdistas pode em breve ser ampliada para outros pontos do
espectro político. A direita de Doria já fez seus movimentos.
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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