5 de agosto de 2019

De que "absurdo" Camilo fala? por Carlos Mazza


Em rara manifestação de cunho 100% político, Camilo Santana (PT) usou das redes sociais na última semana para disparar contra o que classificou como "falas e ações que beiram a insanidade" e que "parecem buscar a banalização do absurdo". 

Vindo em meio a semanas "inspiradas" de Jair Bolsonaro (PSL) para declarações, o puxão de orelha teve o presidente como alvo óbvio. Como Camilo vem há meses tentando equilibrar suas óbvias divergências ideológicas com Bolsonaro e sua necessidade pelo apoio financeiro do Planalto, o "desabafo" teve repercussão grande e surpreendeu desde a imprensa até aliados do governo.

O curioso é que, se pretendiam contestar declarações recentes do presidente da República (como defesa do trabalho infantil ou da ditadura), críticas de Camilo servem muito bem também para uma parcela expressiva de sua base no comando do Ceará. 

Quem tem acompanhado a política local sabe bem que, sobretudo nos últimos anos, os discursos de parlamentares na Câmara Municipal de Fortaleza e na Assembleia Legislativa deram guinada expressiva rumo a um pensamento próximo do bolsonarismo, inclusive entre aliados do governador do PT.

Como boa parte dos deputados governistas têm focado hoje discursos em questões "objetivas" (como o andamento de obras e projetos, mudanças na legislação, busca por recursos ou até de pautas de interesse exclusivamente regional), o debate político mais "ideológico" da base aliada tem ficado bastante marcado por pautas conservadoras, em opiniões bem próximas do que Camilo se refere como "absurdo" (há exceções, claro). A preço de hoje, tem gente muito mais à direita de André Fernandes (PSL) ou Delegado Cavalcante (PSL), por exemplo, dentro da própria base de sustentação do petista.

Ditadura, infância e tudo mais

Vamos supor que, ao condenar a "banalização do absurdo", Camilo falava sobre os sempre presentes eufemismos do presidente para os já comprovados crimes (como tortura e desaparecimento de adversários políticos) cometidos pela ditadura militar. Ditadura, aliás, que perseguiu, torturou e prendeu sem chance de defesa ou devido processo Eudoro Santana, o pai do governador. Se for por isso, defesa semelhante é das mais comuns entre seus aliados, como por exemplo a deputada e pastora Dra. Silvana (PR), que já chegou a bradar "viva 31 de março" no plenário a defender como o regime "salvou" o País de uma "ditadura comunista".

Em outro ângulo, digamos que o governador se refere na verdade à recente defesa encampada por Bolsonaro ao trabalho infantil - outra pauta bastante popular entre seus aliados. Envolvido com a cajucultura no Interior do Estado, Manoel Duca (Pros) já usou do plenário dezenas de vezes para defender que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) fosse "rasgado".

"O filho não pode ajudar o pai nas plantações porque é crime, mas pode sair por aí usando droga", disse ainda em 2013, precedendo em seis anos o discurso de Bolsonaro sobre o tema. O deputado - outro ávido defensor dos governos militares - já usou a mesma lógica para atacar o Bolsa Família, afirmando que beneficiários do programa "não querem mais trabalhar". Cito dois exemplos por questão de espaço, mas discursos semelhantes não faltam.

Liberdade de expressão

Vale lembrar que todos os deputados possuem, como qualquer cidadão, direito de se expressarem como quiserem, e que seria autoritário se o governador buscasse qualquer interferência na atuação de parlamentar que fosse. Agora, a dúvida persiste: será que a crítica endereçada a Bolsonaro vale também para os aliados?

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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