Em
rara manifestação de cunho 100% político, Camilo Santana (PT) usou das redes
sociais na última semana para disparar contra o que classificou como
"falas e ações que beiram a insanidade" e que "parecem buscar a
banalização do absurdo".
Vindo em meio a semanas "inspiradas" de
Jair Bolsonaro (PSL) para declarações, o puxão de orelha teve o presidente como
alvo óbvio. Como Camilo vem há meses tentando equilibrar suas óbvias
divergências ideológicas com Bolsonaro e sua necessidade pelo apoio financeiro
do Planalto, o "desabafo" teve repercussão grande e surpreendeu desde
a imprensa até aliados do governo.
O
curioso é que, se pretendiam contestar declarações recentes do presidente da
República (como defesa do trabalho infantil ou da ditadura), críticas de Camilo
servem muito bem também para uma parcela expressiva de sua base no comando do
Ceará.
Quem tem acompanhado a política local sabe bem que, sobretudo nos
últimos anos, os discursos de parlamentares na Câmara Municipal de Fortaleza e
na Assembleia Legislativa deram guinada expressiva rumo a um pensamento próximo
do bolsonarismo, inclusive entre aliados do governador do PT.
Como
boa parte dos deputados governistas têm focado hoje discursos em questões
"objetivas" (como o andamento de obras e projetos, mudanças na
legislação, busca por recursos ou até de pautas de interesse exclusivamente
regional), o debate político mais "ideológico" da base aliada tem
ficado bastante marcado por pautas conservadoras, em opiniões bem próximas do
que Camilo se refere como "absurdo" (há exceções, claro). A preço de
hoje, tem gente muito mais à direita de André Fernandes (PSL) ou Delegado
Cavalcante (PSL), por exemplo, dentro da própria base de sustentação do
petista.
Ditadura,
infância e tudo mais
Vamos
supor que, ao condenar a "banalização do absurdo", Camilo falava
sobre os sempre presentes eufemismos do presidente para os já comprovados
crimes (como tortura e desaparecimento de adversários políticos) cometidos pela
ditadura militar. Ditadura, aliás, que perseguiu, torturou e prendeu sem chance
de defesa ou devido processo Eudoro Santana, o pai do governador. Se for por
isso, defesa semelhante é das mais comuns entre seus aliados, como por exemplo
a deputada e pastora Dra. Silvana (PR), que já chegou a bradar "viva 31 de
março" no plenário a defender como
o regime "salvou" o País de uma "ditadura comunista".
Em
outro ângulo, digamos que o governador se refere na verdade à recente defesa
encampada por Bolsonaro ao trabalho infantil - outra pauta bastante popular
entre seus aliados. Envolvido com a cajucultura no Interior do Estado, Manoel
Duca (Pros) já usou do plenário dezenas de vezes para defender que o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) fosse "rasgado".
"O
filho não pode ajudar o pai nas plantações porque é crime, mas pode sair por aí
usando droga", disse ainda em 2013, precedendo em seis anos o discurso de
Bolsonaro sobre o tema. O deputado - outro ávido defensor dos governos
militares - já usou a mesma lógica para atacar o Bolsa Família, afirmando que
beneficiários do programa "não querem mais trabalhar". Cito dois
exemplos por questão de espaço, mas discursos semelhantes não faltam.
Liberdade
de expressão
Vale
lembrar que todos os deputados possuem, como qualquer cidadão, direito de se
expressarem como quiserem, e que seria autoritário se o governador buscasse
qualquer interferência na atuação de parlamentar que fosse. Agora, a dúvida
persiste: será que a crítica endereçada a Bolsonaro vale também para os
aliados?
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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