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29 de julho de 2019

De boa intenção o "Nordeste" está cheio por Jocélio Leal


Em mais uma declaração a não ser dita, de modo involuntário ou não, o presidente Bolsonaro chamou o Nordeste de "Paraíba" e desferiu uma tacada contra o governador do Maranhão, o comunista Flávio Dino. Para Dino, melhor impossível. Para o presidente, um arranhão em plena região onde não demonstra tanto traquejo assim e ainda lida com recall positivo do PT. O incômodo causado pelo capitão estava embutido no tratamento pejorativo associado ao termo "Paraíba" enquanto persona do migrante de baixa qualificação profissional que vai daqui para o Rio de Janeiro. Tivesse criticado a própria existência de Nordeste, aí sim, teríamos um bom debate. Discutir o que raios vem a ser Nordeste, na perspectiva de que cada estado merece atenção própria por serem dotados de identidade também única, seria um bom começo.

Lesse o presidente o ensaio do professor emérito da Universidade Federal do Ceará (UFC), Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes, publicado na edição de 2010 do Anuário do Ceará, poderia discutir, seja para discordar ou ratificar o conceito à luz das anotações acadêmicas. Diatahy fala de um Nordeste histórico, sob viés negativo. Um matulão de estereótipos. O professor não vê identidade neste Nordeste ao qual fomos levados a naturalizar. Fala de como o conceito de identidade é algo das ciências formais, das lógicas e das matemáticas. "Formal porque eu não tenho um objeto real. A teoria é formal porque lida com a forma como opera o pensamento. Você pode dizer que "dois é igual a dois", que "A é igual a A". Na soma aritmética, você não pode dizer que dois mais três é igual a quatro", comentara em Páginas Azuis do O POVO a Henrique Araújo e Plínio Bortolotti, cinco anos depois do ensaio.

Para o professor, a identidade funciona como princípio puramente formal. Mas sua introdução no campo da história, da antropologia, da cultura provém de uma concepção nazista, uma alofobia, medo do diferente, criando uma mesmidade que ele define como "um absurdo, um paralogismo horroroso, dizendo mentiras e besteiras, e todo mundo passa a repetir isso, porque quer mostrar que está up to date". Ainda em 2015, dizia Diatahy que num congresso de sociólogos, 60% das manifestações falavam em identidades de todo tipo, inclusive disso que chamam de "identidades nômades". "Se é identidade, como pode ser nômade e como podem ser plurais?".

O que caracteriza, então, uma região? Para Diatahy, o fator determinante é a memória coletiva. "A memória é o grande acervo, tanto individual quanto societário. É o estoque simbólico de cada época. Você tem dezenas de adjetivos para caracterizar uma cultura e um povo. Configuração, perfil, singularidade caráter, etc. Mas identidade vem de idem, em latim - o mesmo. Você permanece o mesmo? Não. É como dizia Heráclito: ninguém toma banho duas vezes no mesmo rio. A singularidade de um povo, de uma cultura, é contrastiva...".

Então haveria uma distinção marcante do Nordeste em relação ao restante do País? Respondia o professor: "Até os anos 1920, não existia essa noção (de Nordeste). Isso começa na seca de 1919, quando São Paulo estava montando, desde o início do século, a sua hegemonia sobre o resto do País. A maior cidade e o maior acervo cultural do Brasil era a Corte, o Rio de Janeiro. A partir de 1900, os paulistas criam um neobandeirantismo. Daí em diante, isso começa a se estruturar como ideologia". Prossegue: "A eles se juntou Gilberto (Freyre), que, por sua vaidade, inventa, em 1925, uns simpósios muito reacionários. Gilberto era um mentiroso emérito (risos), mas de um talento extraordinário e de uma cultura monumental porque passou sua vida lendo (risos). Em 1925, Gilberto publica uma edição do centenário do Diário de Pernambuco, sobre o Nordeste, porque ele queria impor o predomínio de Pernambuco. Quer dizer, há uma construção ideológica e política dessas noções. Depois, os dispositivos dominantes estabeleceram o novo perfil e nos tornarmos nordestinados."

Diatahy arremata: "Qualquer porcaria que se produza no eixo Rio-São Paulo é nacional. Quando é aqui, é provinciano, é regional e local. É nesse sentido que eu digo que a gente mora na fronteira da Tchecoslováquia, que nem existe mais".

Tivesse o presidente da República mexido neste vespeiro histórico, estaríamos nós a debater alguns andares mais altos o que vem a ser Nordeste, uma coisa amorfa na vida real, a existir apenas na poesia e na busca por recursos do BNB - até pela Bahia, que no fundo é só Bahia mesmo. Mas não, caiu no estereótipo rasteiro. Tão raso quanto a reação imediata, bem intencionada, mas tacanha. Não faltou hashtag para foto de terra rachada, velhinhos pobres a capinar com enxada, saquinhos de farinha e de feijão, cajuzinhos e até foto de cangaceira, sempre com cactos ao fundo. Tudo aquilo que reforça o estereótipo primário que estariam a execrar. Nada de ciência em laboratórios, agronegócio vigoroso na fruticultura, medicina de ponta, cases na B3 ou na Nasdaq. Reparou? De boa intenção o "Nordeste" está cheio.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

Um comentário:

  1. Bolsonaro sempre foi conhecido por falar bobagens sem pensar primeiro nas repercussões que estas palavras bobas causa. Que ele tem magoas da região nordeste por ter perdido pra seu adversário nas eleições passadas isso qualquer hum que tivesse no seu lugar agiria da mesma forma só que não falaria pra não causar estas noticias bobas. Lula quando presidente nunca foi aceito pelo a região sul do país mais ele experto como sempre foi nunca deixou demostrar a sua magoa para com a região.

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