Geraldo Gonçalves, Elzenir Colarese Pedro Bandeira são os homenageados da Comenda Patativa do Assaré em 2019 (Fotos: Divulgação) |
Honraria
criada pelo Governo do Estado, por meio de sua Secretaria de Cultura
(Secult-CE), a Comenda Patativa do Assaré traz a premissa lançar luz,
sobretudo, sobre a cultura popular tradicional cearense, tendo como norte a
homenagem a artistas, cantadores, repentistas e demais personalidades da área.
"A comenda surgiu a partir de uma conversa com o governador, onde a gente
pensava uma ação que tivesse um reconhecimento nas perspectivas das políticas
públicas. A partir daí, pensamos no dia 5 de março (data de nascimento de
Patativa do Assaré) para marcar no calendário oficial do Estado e também
criarmos uma comenda com o seu nome para demarcar esse recorte mais
popular", explicou o secretário da Cultura Fabiano Piúba.
Com
recorde de sugestões, os três agraciados desta primeira edição, cuja cerimônia
de entrega deu-se na última terça-feira, 4, no Theatro José de Alencar, foram
escolhidos a partir de uma comissão formada por sete pessoas: Aline Lima
(Conselho Estadual de Política Cultural do Ceará - CEPC), Francisco Narcélio
(CEPC), Vládia Cosmo (CEPC), Dane de Jade (Secult), Goreth Albuquerque
(Secult), José Patrício (Universidade Regional do Cariri) e Daniel Gonçalves
(sociedade civil). "Estamos trabalhando para fazer o tombamento do
conjunto arquitetônico da cidade de Assaré - formado pela casa e o memorial do
poeta - para você compreender que não estamos trabalhando só com a comenda, que
terá uma edição anual", explicou o secretário.
Geraldo
Gonçalves
Natural
de Serra de Santana, no município de Assaré (distante 475km de Fortaleza),
Geraldo Gonçalves de Alencar (1945-2017) trouxe no sobrenome do parente mais
famoso a ligação direta e mais estreita com o universo da poesia tradicional
nordestina. Sobrinho do mestre Patativa (1909-2002), Geraldo foi o fundador da
Academia de Letras e Literatura Popular Patativa do Assaré, sendo autor de
livros como Clarão da Lua Cheia (1985), Atrativos do Amor e da Paz (2001) e
Ramalhete (2014).
Desde
pequeno ligado à literatura de cordel, o cearense, além de compor músicas,
também declamava poesias. Intitulado Mestre dos Saberes e Fazeres da Cultura
Popular e Tesouro Vivo da Cultura em 2018, Geraldo teve Suspiros do Sertão
(1982) publicado com o apoio da Secult-CE. Ainda adaptou para o cordel o
clássico de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, base para o espetáculo O
Homem Provisório. Para o cordelista Klévisson Viana, a importância de Geraldo
Gonçalves vai além do parentesco com Patativa.
"Não
tive a felicidade de conhecê-lo pessoalmente, mas foi, sem sombra de dúvida, o
poeta mais próximo de Patativa do Assaré. Tinham por costume se reunir sempre
em torno de uma mesa e glosar temas - glosar é quando você recebe um tema e o
desenvolve, geralmente, em décimas, ou escrito, ou de improviso. Eles faziam
isso com muita frequência, publicaram alguns trabalhos juntos e foi um poeta de
grandes recursos. Escrevia muito bem, obedecendo as regras basilares da poesia
popular", destacou Klévisson, desenhista, quadrinista e fundador da
Tupynanquim, editora especializada em literatura de cordel.
Fabiano
Piúba, secretário de cultura do Estado, ressaltou a figura do cearense também
enquanto Mestre da Cultura. "Foi a pessoa que o Patativa, de uma certa
forma, teve uma dedicação maior. Os dois tinham uma intimidade, uma
cumplicidade. Geraldo, inclusive, era tido como o herdeiro poético de
Patativa", explicou.
Elzenir
Colares
A
trajetória de Elzenir Colares, 84, confunde-se com as manifestações folclóricas
realizadas no Estado. Por 45 anos, a cearense esteve à frente do Grupo de
Tradições Cearenses (GTC), um dos mais representativos do gênero, que agora em
2019 celebra 53 anos de nascimento. Filha mais velha de Jaime Alberto da Silva
e Francisca de Assis Ramos da Silva, Elzira Ramos Silva adquiriu o sobrenome
Colares após o casamento.
Formada
pelo curso superior de Letras Anglo-Saxônicas, ainda cedo (final da década de
1950), a cearense partiu para Madri para estudar língua e literatura
espanholas. De quebra, cursou Danças Espanholas e, de volta à terra-natal,
integrou não só o quadro docente da Casa de Cultura Hispânica (projeto
recém-criado na UFC), como também foi a responsável pela criação do Grupo
Folclórico Hispano Brasileiro - GFHB (1966), que, nove anos mais tarde, viria a
tornar-se o Grupo de Tradições Cearenses.
Do
currículo, destacam-se, entre as décadas de 1970 e 1980, espetáculos como No
Ceará é Assim, Eita Ceará Pai d'Égua e Festa do Padroeiro. Dentre as homenagens
ao longo de sua história, Elzenir - considerada a "Dama do Folclore
Cearense" - também foi agraciada com a Medalha Boticário Ferreira (1995)
e, mais recentemente, homenageada pela Câmara Municipal de Fortaleza (2016).
"Elzenir formou muitas gerações de pesquisadores, artistas e, durante
muitos anos à frente do Grupo de Tradições Cearenses, mudou a concepção dos espetáculos",
frisou Fabiano Piúba.
À
frente do Grupo Mira-Ira, Lourdes Macena tem ligação de longa data com Elzenir.
"Desde os 13 anos, eu já dançava em alguns grupos e, nesses grupos, tinha
uma pessoa que era do GTC. Aos 17, entrei na Licenciatura em Música e, lá, nos
tornamos companheiras. Fizemos várias disciplinas juntas e nos tornamos
companheiras além dessa questão do amor pela dança e pelo folclore. Foi quando
ela me convidou para dançar no Grupo de Tradições Cearenses e assim
começou", relembra ela, que vê na figura de Elzenir uma referência ainda
bastante presente e determinante para o atual cenário da dança popular.
"Eu
considero Elzenir uma visionária, uma pessoa que viveu muito além do seu tempo.
Ela foi uma mulher que conseguiu construir sua própria história com o que ela
acreditava e queria dizer, e sempre trabalhou nessa vertente. Sempre foi
apaixonada pela dança e a sua dança de paixão era a tradicional popular. Eu
destacaria essa figura da mulher empreendedora, da mulher guerreira, da pessoa
que norteia o seu tempo com tudo que é para ser, independente da cidade lhe dar
uma estrutura para fazer", finaliza Lourdes.
Pedro
Bandeira
Único
paraibano a receber a Comenda Patativa do Assaré, Pedro Bandeira, 81, é tido
como "Príncipe dos Poetas Populares do Nordeste". Nascido no sítio
Riacho da Boa Vista, município de São João de Piranhas, o poeta e cordelista
também atuou como repentista, cantador, escritor, radialista e apresentador de
TV. Formado em Letras, Teologia e Direito, versa desde os seis anos. Aos 17,
tornou-se profissional.
"Pedro
Bandeira é de uma família de poetas. Tem outros irmãos cantadores, sendo que o
de mais destaque chama-se Daudeth Bandeira. É o cantador mais importante de sua
família, neto materno do poeta cantador Manuel Galdino Bandeira e eles são
naturais da Paraíba, mas naturalizados no Juazeiro do Norte", embasou
Klévisson Viana.
"Uma das pessoas que cantou com mais maestria o sertão,
cantou como poucos de sua geração. Tinha um conhecimento profundo das coisas da
terra e da religiosidade popular, então cantou sempre com muita
propriedade", continua. Filho de Tobias Pereira de Caldas e da poetisa
Maria Bandeira de França, Pedro, em 2018, recebeu o título de Tesouro Vivo da
Cultura (Secult-CE).
A
parceria com o cantador Geraldo Amâncio também é um ponto forte. "Geraldo
foi parceiro dele durante muitos anos e costuma dizer que Pedro foi o mestre
dele", explica. Além de Amâncio, somou parcerias com figuras como José
Vicente, Arrudinha Batista e José Bandeira. Na seara radiofônica, por sua vez,
o início deu-se na Rádio Educadora e a "fama" aconteceu com o
programa Viola e Violeiros, no Crato.
"Pedro
foi realmente um cantador espetacular, que deixou seu nome escrito na arte da
cantoria. Como escritor, escreveu muitos folhetos, mas não com histórias de
começo, meio e fim; mas trabalhos na linha mesmo dos cantadores: aquela coisa
mais dissertativa, que pega o tema e discorre sobre ele", disse Klévisson.
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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