Templos religiosos deixam de ter qualquer parâmetro quanto a barulho em Fortaleza (Foto: Divulgação) |
O
Código da Cidade é uma legislação urbanística e, do ponto de vista urbano, não
existe justificativa para a emenda que deixa templos religiosos de fora da lei
do silêncio. Igrejas e congêneres estão livres para fazer barulho quando bem
entenderem, sem restrição de horário. Não podem ser fiscalizados, não podem ser
punidos.
A
demanda para excluir templos religiosos da legislação que disciplina o barulho
existe porque há abusos, há reclamações. Muitas igrejas produzem muito barulho,
em horários inconvenientes, em vizinhanças residenciais. Perto da residência de
idosos, de pessoas doentes. Isolamento acústico é raro e alguns pregadores são
um tanto estrepitosos.
Parlamentares
argumentaram sobre a função social das igrejas, a importância delas. Ora, não
precisa fazer barulho em horário inconveniente para cumprir função social.
Aliás, vale lembrar iniciativa que teve, na década passada, a professora
Antoneuda Santiago. Ao sofrer com o barulho de uma igreja vizinha a ela, na
avenida José Bastos, colocou a faixa: Deus não é surdo, orem baixo! Respeitem o
sossego dos outros, respeitem a lei".
Deus
segue sem ser surdo e o barulho continua desnecessário para chegar a ele.
Aliás, tenho meu credo e prefiro o silêncio à zuada para entrar em sintonia com
Deus. Mas, como muitas igrejas não respeitaram a regra, os vereadores de
Fortaleza parecem ter achado mais adequado mudar a lei. É um atraso, coisa de
cidade provinciana, obscurantista e sem regra.
Para
além do privilégio
Se
templos religiosos podem fazer barulho livremente por sua importância social,
não será descabido se um a casa de forró amanhã reivindicar o mesmo direito
pela relevância do ponto de vista da cultura popular e das tradições.
Aliás,
vale lembrar que templo religioso abrange muita coisa. Se um terreiro de
Candomblé resolve trazer o Ilê Aiyê, ou simplesmente faz um festejo ao som dos
tambores até alta madrugada, estará amparado pela lei.
As
razões dos vereadores
O
voto religioso tem muita força política. Um exemplo: Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) só conseguiu se eleger presidente, depois de três derrotas, quando fechou
acordo com o PL, então partido da Igreja Universal, que indicou seu vice. Até
2014, segmentos poderosos dos evangélicos apoiaram o PT e o partido venceu
todas as eleições presidenciais. Em 2018, evangélicos passaram a apontar o PT -
no qual muitos votaram por quatro eleições - como encarnação do anticristo e
foram determinantes para eleger Jair Bolsonaro (PSL). Essa força política está
presente em Fortaleza. Vereadores sabem disso e muitos se elegem com esses
votos.
O
apoio é poderoso e a rejeição é mais ainda. Muitos podem até não votar em quem
o líder religioso pede. Mas, são vários os que evitam aquele em quem o guia
espiritual orientam a não votarem.
A
força desse segmento leva os vereadores a concederem esse tipo de privilégio,
inexplicável do ponto de vista da cidade.
É
improvável que a maioria deles tenha vizinho de casa algum templo fazendo barulho
em hora inadequada.
Tentativa
de regramento
Deixar
a questão sem regra nenhuma foi percebido como evidente excesso. Daí um grupo
de vereadores já articular apresentação de projeto de lei complementar para
estabelecer o mínimo de parâmetros. Benigno Júnior (PSD), Gardel Rolim (PPL),
Guilherme Sampaio (PT) e Iraguassú Filho (PDT) querem fixar ao menos um limite
de decibéis, que poderá ser até maior que o normal - não pode é não haver
nenhum, além da justiça divina. Também querem estabelecer horários.
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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