Em palestra na UnB, Dilma falou que a mobilização das pessoas criará novas lideranças (Foto: Eitan Abramovich) |
Permitir
o processo de despolitização da sociedade. Essa é a autocrítica que a
ex-presidente Dilma Rousseff faz dos governos do Partido dos Trabalhadores. Ela
afirma que começou a cair quando decidiu baixar a taxa de spread praticada
pelos bancos (diferença entre os juros de captação e de empréstimo). “Se
ficasse claro que era possível, que não tem razão técnica para gente pagar
essas taxas …..o risco era muito grande”, diz, e acusa a indústria de se calar
por ganhar com a rolagem da dívida pública. Dilma chama o teto dos gastos de
“gaiola dourada” e diz que, sem investimentos públicos, o país não vai crescer.
Para ela, o Brasil vive um projeto neofascista de permanência da supremacia
branca no poder, do qual a operação Lava-Jato é parte.
A ex-presidente Dilma proferiu palestra na última quinta-feira (13/06) na Universidade de Brasília (UnB), em lançamento do livro de artigos In Spite of you. Confira os principais trechos.
A ex-presidente Dilma proferiu palestra na última quinta-feira (13/06) na Universidade de Brasília (UnB), em lançamento do livro de artigos In Spite of you. Confira os principais trechos.
Neoliberalismo
Acho
que o correspondente crítico do neoliberalismo é uma despolitização muito profunda
das relações, em que a política deixa de significar democracia, igualdade e
soberania popular. Não apenas divisão de poderes e eleições. Tem que significar
a busca da igualdade, que não pode ser eliminada dos discursos políticos e
precisa incluir as pessoas no orçamento.
Autocrítica
A
democracia era vista como uma prática liberal. Só eleições. Só representação
partidária. Aí temos algumas autocríticas a fazer. Nos últimos momentos, de
2013 para 2014, pesquisas foram feitas. E você perguntava para a população: Sua
vida melhorou? Melhorou. A que você atribui a melhora? A primeira resposta era
a Deus. A segunda era à família. E é justo isso. Tudo bem. Só que não existia
governo. É um processo de despolitização muito grave, que explica algumas
coisas. Temos que entender que fazer política não é só a luta parlamentar ou a
presença do Executivo. Teremos que entender que as pessoas têm que ser chamadas
a participar.
Teto
de gastos
Resolveram
criminalizar o Orçamento com o teto de gastos. Colocaram uma âncora no
Orçamento. É proibido gastar com algo que não seja crescimento de juros e todos
os seus aspectos financeiros. Isso está na Constituição. Eles vão ter um
problemão, porque construíram uma armadilha dourada para si mesmos, porque não
seguram este país. Não tem como segurar este país com a política de teto de
gastos.
Juros
Quando
é que eu comecei a cair? Quando reduzi o spread, o que é absolutamente
imperdoável. Tinha taxa no Brasil de 500%, 300%. Quem é que baixou as taxas
básicas? A competição entre o setor bancário público e privado. Se ficasse
claro que era possível, que não tem razão técnica pra gente pagar as taxas de
juros que a gente paga, que isso é uma apropriação de renda financeira indevida
contra os interesses da população — que
explica uma parte da nossa brutal desigualdade — o risco era muito grande. Qual não foi a
nossa surpresa quando aqueles que tradicionalmente defendiam a queda da taxa de
juros ficaram mudos. Os industriais brasileiros, porque são sócios da rolagem
da dívida. Vivemos a etapa financeira do capitalismo. Hoje as atividades
financeiras predominam em relação às produtivas e todas as empresas, de uma
certa forma, são bancos, porque ganham mais aplicando recursos financeiros do
que desenvolvendo os investimentos com suas próprias atividades. Vamos lembrar
quem tinha banco e ficou caladinho esse tempo todo. A JBS tinha banco. O banco
da JBS era dirigido por quem? Meirelles. (banco Original, controlado pela
holding J&F, cujo projeto de banco digital foi comandado por Meirelles).
Não é que eles não investem nas atividades produtivas, investem, mas é uma
parte menor do capital e isso não ocorre só aqui, mas no resto do mundo. Então,
é isso. Eles estavam interessadíssimos em parar com essa história de botar o
povo no Orçamento. Por que o Orçamento do país é deles.
Crescimento
Sem
investimentos públicos nunca este país cresceu. Tem que ter investimentos
público e privado. Agora, quando há crise, só aparece investimento público,
porque o investimento privado se retrai e todo mundo sabe disso e todo mundo
sabe no que deram as políticas de austericídio. Por exemplo, na União Europeia.
Os Estados Unidos nunca praticaram. Eles receitam, mas não praticam. O Obama
gastou US$ 735 bilhões resgatando bancos. Em 2013, mudou o papo e o que eles
fizeram? Baixaram juros a zero. Como eles rolaram as dívidas deles? Juro zero
ou perto de zero. Para você não explodir a dívida. Tá aí. Zero. Eles lá
pegariam 10 impeachments? Isso é pedalada? Tinham que impedir a única
possibilidade de mudança da correlação de forças, o companheiro Lula.
Lula
Ele
dizia para mim. Você acredita que eles vão deixar eu ficar? Depois que eles te tirarem? Eu confesso que
eu tinha uma pequena esperança, que ele tivesse condição de sobreviver. O jogo
com o Lula foi tão duro ou mais do que o do impeachment. A quantidade de
mentira e humilhação. Ele diz para mim o seguinte: o que minha mãe ia pensar? O
que você acha que eu sinto com eles me chamando de ladrão? Mas não é por isso que
a luta por Lula Livre é importante. É porque foi com o Lula que ficou mais
claro o caráter de exceção desse governo, de autoritarismo, e, ao mesmo tempo,
o governo Lula expressa no coração e nas mentes da população brasileira que
outro caminho é possível.
Impeachment
Eu
acredito que, depois que a gente ganhou quatro eleições consecutivas, eles
perceberam que eleição eles não ganhavam de nós. Perceberam aquilo que Naomi
Klein fala, que é achar um momento crítico, e nesse momento crítico, botaram
uma Ponte para o Futuro, por exemplo, e tinham que romper a legalidade. Qual é
a questão fundamental? Eles tinham aprendido. Tentaram, em 2005, dar um golpe
no Lula. Teve um senhor, um senador do DEM, que disse: “Nós vamos eliminar esse
pessoal da face da terra”. Foi o Bornhausen. (Jorge Bornhausen). Lula ganhou a
eleição em 2006 e o país, obviamente, teve uma conjuntura favorável, tudo bem,
mas o país cresceu 7,5% no último ano do governo Lula. Então eles descobriram
que não era fácil. Era só dar uma oportunidade e a gente enfrentava a crise. E
isso era algo que eles não podiam deixar. O mais grave foi o seguinte. Com que
forças eles construíram? Aí entra a questão da Lava-Jato.
Lava-Jato
É
um segmento corporativo que não é integral, não se pode falar que é todo o Judiciário
ou todo o Ministério Público, toda a Polícia Federal, mas há uma visão de
salvadores da pátria que tem um conteúdo, do meu ponto de vista, neofascista.
Isso se une a uma imprensa que constitui a quarta instância do julgamento, ou
seja, julgam, condenam, sem direito ao contraditório. A mídia tem um papel
central, principalmente a Globo, na destruição da Justiça no Brasil, porque, ao
virar a quarta instância, embaralha o jogo. Não é só o que ela vazava da
Lava-Jato. Ela julgava. Espero que nos vazamentos isso possa ser aferido.
Bolsonaro
Como
surgiu o Bolsonaro? Antes de chegar ao WhatsApp, há razões políticas. Primeiro,
a destruição do centro e da centro-direita. Eles se destruíram. Quando surge a
extrema-direita, todos, incluindo a mídia, pensam o seguinte: ele vai para o
poder, nós estamos com extrema fragilidade institucional, com o impeachment
tendo sido dado, nós não damos conta do Lula, por isso, vamos incriminá-lo.
Hoje visivelmente se sabe, com eles confessando. É um saber incontroverso. Eles
pensaram: ele sobe, depois nós domamos, construímos uma situação conciliadora.
Ele faz as reformas que nos interessa e depois nós construímos uma outra
solução, porque ele não é civilizado. O problema é que o fascismo, ou o
neofascismo, esse tipo de autoritarismo, não tem o chip da moderação. Fica todo
mundo estarrecido, porque ele não se comporta dentro dos cânones. É óbvio que
ele tem essas quatro forças de sustentação: mercado, uma parte do centro e
centro-direita, as corporações judiciais e uma parte dos militares. Ocorre que
eles estão com problema sério, porque o país não vai crescer desse jeito.
Democracia
Tivemos
uma transição complexa. Uma parte dos segmentos militares não conseguiu superar
o estágio anterior. Toda a vez que eu dou entrevista internacional perguntam
por que, no Congresso Nacional, puderam defender a tortura e a ditadura
militar. Coisa inconcebível em qualquer processo. Nossa justiça de transição
perdoou o terrorismo de Estado: prisão, morte, tortura, exílio. Foram igualados
como se os não estatais tivessem o mesmo poder dos estatais, portanto, aquela
frase do Dom Quixote: “não há memória que o tempo não apague”, é certa. Só tem
um jeito de o tempo não apagar. Se os homens e as mulheres construírem a
história e resgatarem o que é o sentido histórico.
Governo
militar
Fomos
derrotados, mas não sofremos uma derrota estratégica agora, mas tática. Derrota
estratégica foi nos anos 1960. Botaram uma parte expressiva da oposição
brasileira na prisão, outra teve que sair do país e outra teve que ficar quieta
ou clandestina. Isso é derrota. Nós estamos aqui. Tem gente na rua. E tem uma
luz no meio do túnel. Não no fim, porque eu acredito que a mobilização das
pessoas criará novas lideranças. Isso está nas manifestações e sobretudo tem
que estar nas universidades. Eu acredito que nós entramos em uma fase melhor
daqui para frente.
Educação
e Pesquisa
Se
você não tiver instrumento, não faz política.
Para fazer política de ciência e tecnologia, precisa aprofundar pesquisa
básica, reforçar a educação. Para fazer política social, precisa de
instrumentos, e o principal é o cadastro. É saber onde estão, quem são, de que
necessitam. Esse cadastro, que eu não sei o que fizeram dele, foi crucial para
que houvesse alguns ganhos fundamentais e deu abertura para que a gente pudesse
iniciar o processo de distribuição de renda. O que é distribuição de riqueza
para uma população igual a brasileira? Terra, casa, previdência e educação. É
isso. Sem isso não tem nem início. Esse é o processo de colocar os pobres no
orçamento. A pessoa que tem acesso à educação, política de cotas, oportunidade
e acesso ao ensino superior tem maior capacidade de perenizar a saída da
pobreza ou da miséria. Não é possível fingir que não estamos vendo o mundo se
dividir entre quem tem capacidade de criar ciência básica — daí capacidade de
desenvolver tecnologia e inovação. Outra
coisa é cultura. A construção da cidadania no sentido da Nação e da soberania,
que se afirma com a arte. Porque sem cultura não tem nação.
Supremacia
branca
Hoje
tenho mais clareza sobre o projeto neoliberal de permanência da supremacia
branca no poder. Tem a ver com o que vivemos entre 2013-2014. Somos o segundo
país do mundo de maior população negra e o primeiro país fora da África. Somos
nós e a Nigéria. Nossa população sofreu uma coisa chamada desigualdade e sofre
até hoje. Eles escondem essa desigualdade. O que levou a querer dar o golpe?
Nós impedimos por quatro eleições, e pela força do voto, que se implementasse o
neoliberalismo e todas as consequências de uma ideologia de que o mercado está
sempre certo e que a competição é a forma certa de relacionamento das pessoas.
Com
informações portal Correio Brasiliense
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