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16 de junho de 2019

Lava Jato contra a parede por Carlos Holanda

Procuradores da Lava Jato em imagem de arquivo do jornal Folha de S. Paulo
O relógio estava prestes a cruzar o ponteiro das 18 horas do domingo passado quando a operação Lava Jato, a mais celebrada ação anticorrupção já ocorrida no País, sofreu o principal abalo dos seus cinco anos de existência. Lote de conversas obtido e veiculado pelo site The Intercept Brasil jogou luz sobre a relação entre o coordenador da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, e o responsável pelas condenações em primeira instância da operação, o então juiz federal Sergio Moro.

Fora dos autos processuais, pelo aplicativo de mensagens Telegram, iam e vinham conselhos, cobranças, elogios e planejamentos dos próximos passos que deveriam ser escolhidos pela força-tarefa da investigação. "Não é muito tempo sem operação?", cobrou Sergio Moro numa das oportunidades.

A narrativa do trabalho técnico e apartidário que sempre permeou a retórica de promotores, procuradores e do juiz federal em Curitiba, se já se deparava com acusações de parcialidade, tem nos conteúdos do site do jornalista Glen Greenwald um problema concreto. De entrevista em entrevista, inclusive, a equipe do site vai semeando a ideia de que o já revelado é bem menos do que o que ainda há por revelar.

Acrescenta-se ao debate o fato de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tanto solto como preso, ter protagonizado parte considerável das conversas. Diálogos mais recentes, publicados pelo site na última sexta-feira, por volta de 21h50min, são sobre a primeira vez em que o petista depôs sobre o triplex no Guarujá, litoral de São Paulo. Foi no dia 10 de maio de 2017. Decisões judiciais em duas instâncias concluíram que o imóvel foi concedido ao petista como propina da construtora OAS.

"Talvez vcs devessem amanhã editar uma nota esclarecendo as contradições do depoimento com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele", sugeriu Moro, justificando que "a Defesa já fez o showzinho dela", disse, após o interrogatório do ex-presidente.

O ex-decano da Lava Jato, o procurador aposentado Carlos Fernando Dos Santos Lima, então, respondeu que "o mais importante foi frustrar a ideia de que ele (Lula) conseguiria transformar tudo em uma perseguição sua".

Professora de Direito da Universidade Federal do Ceará, Cynara Mariano entende que o juiz curitibano extrapolou os limites do próprio ofício. "Do ponto de vista da moral, todos esses fatos comprometem a idoneidade para permanecer à frente do Ministério (da Justiça e Segurança Pública). Ideal seria que se afastasse."

Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Juliana Diniz afirma que o critério mais importante para que se conclua que um processo foi ou não contaminado é o interesse do aconselhamento. Ele explica que o juiz não pode demonstrar interesse no objeto do processo. "Quando o teor da conversa tem por objetivo determinar, orientar a estratégia processual da acusação da defesa, o teor dessa conversa é comprometedor para a validade."

O próximo dia 25, lembra Diniz, será a chave para um entendimento menos turvo a respeito do futuro da Operação. É quando a segunda turma do Supremo Tribunal Federal - Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Edson Fachin - apreciará Habeas Corpus que alega suspeição de Moro para julgar Lula.

Tendo concedido, entrevista antes de outro conjunto de conversas que fala em "showzinho da defesa" ter sido divulgado, a estudiosa afirmou que se elementos ainda mais convincentes, "eu diria que existe clima bem forte para que a suspeição seja declarada."

O constitucionalista Jânio Pereira da Cunha, por sua vez, reflete sobre a obtenção de provas. Ele explica que a obtenção delas, caso venha a se provar ilegal, não serve de instrumento para punições. A defesa, porém, pode se valer do que foi divulgado. "Pode utilizar, inclusive, para caracterizar que há a suspeição do Moro. Violou matéria de ordem pública, que é quando, de fato, não poderia atuar daquela maneira."

Para o cientista e professor universitário Clésio Arruda, a Operação está "mais do que 'na parede'". O atual estado de coisas, analisa, é mais profundo do que a Lava Jato. Arruda fala que a tradição brasileira foi a de sempre empurrar histórias incômodas para "baixo do tapete".

"Nós tínhamos pensado que as instituições tinham sido testadas, mas estamos numa prova de fogo. A solidez das instituições vai aparecer agora, com o posicionamento do STF", coloca o docente.

Professor de Ciência Política pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando pensa que o efeito prático, que já se vislumbra, é o de a operação entrar nos trilhos da legalidade. "Mais provável é que o próprio mundo jurídico, STF, advogados, comece a pressionar a operação de maneira que mude sua postura." Cita a condução coercitiva e a delação premiada como pontos de possível alteração.

Vazamentos e grampos permeiam escândalos políticos
Informações vazadas perpassam a trajetória da política brasileira e surgem como uma das marcas principais da operação Lava Jato. Já no começo, cinco anos atrás, quando a revista Veja, valendo-se da prática, revelou em reportagem que o ex-diretor de Refino e Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, denunciou em depoimentos ao MPF que três governadores, um ministro, 25 deputados federais e seis senadores recebiam propina.

Já em 2015, vieram à tona, também a partir de depoimentos vazados, indícios de que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tinha sido contemplado com propina em contas na Suíça. O emedebista negara, antes, o fato à CPI da Petrobrás. O parlamentar, na ocasião, acusou o MPF de incorrer em vazamentos seletivos.

Houve, ainda, o grampo divulgado de um diálogo entre Lula e a então presidente da República. Dilma Rousseff. Em meio a articulação para que o petista assumisse a Chefia da Casa Civil do Governo.

No entanto, antes da operação, já, vazamentos marcaram outros escândalos políticos. No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), por exemplo, durante a privatização do Sistema Telebras, o então presidente do BNDES, André Lara Resende, e Mendonça de Barros, à época responsável por Comunicações no governo tucano, apareceram em conversas levadas à imprensa em aparente ação para favorecer, em leilão, o banqueiro Daniel Dantas, diretor do banco Opportunity. Mendonça e parte da cúpula do BNDES acabaram derrubados.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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