Procuradores da Lava Jato em imagem de arquivo do jornal Folha de S. Paulo |
O
relógio estava prestes a cruzar o ponteiro das 18 horas do domingo passado
quando a operação Lava Jato, a mais celebrada ação anticorrupção já ocorrida no
País, sofreu o principal abalo dos seus cinco anos de existência. Lote de
conversas obtido e veiculado pelo site The Intercept Brasil jogou luz sobre a
relação entre o coordenador da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, e o
responsável pelas condenações em primeira instância da operação, o então juiz
federal Sergio Moro.
Fora
dos autos processuais, pelo aplicativo de mensagens Telegram, iam e vinham
conselhos, cobranças, elogios e planejamentos dos próximos passos que deveriam
ser escolhidos pela força-tarefa da investigação. "Não é muito tempo sem
operação?", cobrou Sergio Moro numa das oportunidades.
A
narrativa do trabalho técnico e apartidário que sempre permeou a retórica de
promotores, procuradores e do juiz federal em Curitiba, se já se deparava com
acusações de parcialidade, tem nos conteúdos do site do jornalista Glen
Greenwald um problema concreto. De entrevista em entrevista, inclusive, a
equipe do site vai semeando a ideia de que o já revelado é bem menos do que o
que ainda há por revelar.
Acrescenta-se
ao debate o fato de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tanto solto
como preso, ter protagonizado parte considerável das conversas. Diálogos mais recentes,
publicados pelo site na última sexta-feira, por volta de 21h50min, são sobre a
primeira vez em que o petista depôs sobre o triplex no Guarujá, litoral de São
Paulo. Foi no dia 10 de maio de 2017. Decisões judiciais em duas instâncias
concluíram que o imóvel foi concedido ao petista como propina da construtora
OAS.
"Talvez
vcs devessem amanhã editar uma nota esclarecendo as contradições do depoimento
com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele", sugeriu Moro,
justificando que "a Defesa já fez o showzinho dela", disse, após o
interrogatório do ex-presidente.
O
ex-decano da Lava Jato, o procurador aposentado Carlos Fernando Dos Santos
Lima, então, respondeu que "o mais importante foi frustrar a ideia de que
ele (Lula) conseguiria transformar tudo em uma perseguição sua".
Professora
de Direito da Universidade Federal do Ceará, Cynara Mariano entende que o juiz
curitibano extrapolou os limites do próprio ofício. "Do ponto de vista da
moral, todos esses fatos comprometem a idoneidade para permanecer à frente do
Ministério (da Justiça e Segurança Pública). Ideal seria que se
afastasse."
Doutora
em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Juliana Diniz afirma que o
critério mais importante para que se conclua que um processo foi ou não
contaminado é o interesse do aconselhamento. Ele explica que o juiz não pode
demonstrar interesse no objeto do processo. "Quando o teor da conversa tem
por objetivo determinar, orientar a estratégia processual da acusação da
defesa, o teor dessa conversa é comprometedor para a validade."
O
próximo dia 25, lembra Diniz, será a chave para um entendimento menos turvo a
respeito do futuro da Operação. É quando a segunda turma do Supremo Tribunal
Federal - Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia,
Edson Fachin - apreciará Habeas Corpus que alega suspeição de Moro para julgar
Lula.
Tendo
concedido, entrevista antes de outro conjunto de conversas que fala em
"showzinho da defesa" ter sido divulgado, a estudiosa afirmou que se
elementos ainda mais convincentes, "eu diria que existe clima bem forte
para que a suspeição seja declarada."
O
constitucionalista Jânio Pereira da Cunha, por sua vez, reflete sobre a
obtenção de provas. Ele explica que a obtenção delas, caso venha a se provar
ilegal, não serve de instrumento para punições. A defesa, porém, pode se valer
do que foi divulgado. "Pode utilizar, inclusive, para caracterizar que há
a suspeição do Moro. Violou matéria de ordem pública, que é quando, de fato,
não poderia atuar daquela maneira."
Para
o cientista e professor universitário Clésio Arruda, a Operação está "mais
do que 'na parede'". O atual estado de coisas, analisa, é mais profundo do
que a Lava Jato. Arruda fala que a tradição brasileira foi a de sempre empurrar
histórias incômodas para "baixo do tapete".
"Nós
tínhamos pensado que as instituições tinham sido testadas, mas estamos numa
prova de fogo. A solidez das instituições vai aparecer agora, com o
posicionamento do STF", coloca o docente.
Professor
de Ciência Política pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando
pensa que o efeito prático, que já se vislumbra, é o de a operação entrar nos
trilhos da legalidade. "Mais provável é que o próprio mundo jurídico, STF,
advogados, comece a pressionar a operação de maneira que mude sua
postura." Cita a condução coercitiva e a delação premiada como pontos de
possível alteração.
Vazamentos
e grampos permeiam escândalos políticos
Informações
vazadas perpassam a trajetória da política brasileira e surgem como uma das
marcas principais da operação Lava Jato. Já no começo, cinco anos atrás, quando
a revista Veja, valendo-se da prática, revelou em reportagem que o ex-diretor
de Refino e Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, denunciou em
depoimentos ao MPF que três governadores, um ministro, 25 deputados federais e
seis senadores recebiam propina.
Já
em 2015, vieram à tona, também a partir de depoimentos vazados, indícios de que
o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tinha sido contemplado com propina
em contas na Suíça. O emedebista negara, antes, o fato à CPI da Petrobrás. O
parlamentar, na ocasião, acusou o MPF de incorrer em vazamentos seletivos.
Houve,
ainda, o grampo divulgado de um diálogo entre Lula e a então presidente da
República. Dilma Rousseff. Em meio a articulação para que o petista assumisse a
Chefia da Casa Civil do Governo.
No
entanto, antes da operação, já, vazamentos marcaram outros escândalos
políticos. No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), por exemplo,
durante a privatização do Sistema Telebras, o então presidente do BNDES, André
Lara Resende, e Mendonça de Barros, à época responsável por Comunicações no
governo tucano, apareceram em conversas levadas à imprensa em aparente ação
para favorecer, em leilão, o banqueiro Daniel Dantas, diretor do banco
Opportunity. Mendonça e parte da cúpula do BNDES acabaram derrubados.
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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