Intercept Brasil publicou ontem (09/06) três reportagens explosivas
mostrando discussões internas e atitudes altamente controversas, politizadas e
legalmente duvidosas da força-tarefa da Lava Jato, coordenada pelo procurador
renomado Deltan Dallagnol, em colaboração com o atual ministro da Justiça,
Sergio Moro, celebrado a nível mundial.
Produzidas a partir de arquivos enormes e inéditos – incluindo
mensagens privadas, gravações em áudio, vídeos, fotos, documentos judiciais e
outros itens – enviados por uma fonte anônima, as três reportagens revelam
comportamentos antiéticos e transgressões que o Brasil e o mundo têm o direito
de conhecer.
O material publicado hoje no Brasil também foi resumido em duas
reportagens em inglês publicadas no Intercept, bem como essa nota dos editores
do The Intercept e do The Intercept Brasil.
Esse é apenas o começo do que pretendemos tornar uma investigação
jornalística contínua das ações de Moro, do procurador Deltan Dallagnol e da
força-tarefa da Lava Jato – além da conduta de inúmeros indivíduos que ainda
detêm um enorme poder político e econômico dentro e fora do Brasil.
A importância dessas revelações se explica pelas consequências
incomparáveis das ações da Lava Jato em todos esses anos de investigação. Esse
escândalo generalizado envolve diversos oligarcas, lideranças políticas, os
últimos presidentes e até mesmo líderes internacionais acusados de corrupção.
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O mais relevante: a Lava Jato foi a saga investigativa que levou à
prisão o ex-presidente Lula no último ano. Uma vez sentenciado por Sergio Moro,
sua condenação foi rapidamente confirmada em segunda instância, o tornando inelegível
no momento em que todas as pesquisas mostravam que Lula – que terminou o
segundo mandato, em 2010, com 87% de aprovação – liderava a corrida eleitoral
de 2018. Sua exclusão da eleição, baseada na decisão de Moro, foi uma
peça-chave para abrir um caminho para a vitória de Bolsonaro. A importância
dessa reportagem aumentou ainda mais depois da nomeação de Moro ao ministério
da Justiça.
Moro e os procuradores da Lava Jato são figuras altamente
controversas aqui e no mundo – tidos por muitos como heróis anticorrupção e
acusados por tantos outros de ser ideólogos clandestinos de direita,
disfarçados como homens da lei apolíticos. Seus críticos têm insistido que eles
exploraram e abusaram de seus poderes na justiça com o objetivo político de
evitar que Lula retornasse à presidência e destruir o PT. Moro e os
procuradores têm negado, com a mesma veemência, qualquer aliança ou propósito
político, dizendo que estão apenas tentando livrar o Brasil da corrupção.
Mas, até agora, os procuradores da Lava Jato e Moro têm realizado
parte de seu trabalho em segredo, impedindo o público de avaliar a validade das
acusações contra eles. É isso que torna este acervo tão valioso do ponto de
vista jornalístico: pela primeira vez, o público vai tomar conhecimento do que esses
juízes e procuradores estavam dizendo e fazendo enquanto pensavam que ninguém
estava ouvindo.
As reportagens de hoje mostram, entre outros elementos, que os
procuradores da Lava Jato falavam abertamente sobre seu desejo de impedir a
vitória eleitoral do PT e tomaram atitudes para atingir esse objetivo; e que o
juiz Sergio Moro colaborou de forma secreta e antiética com os procuradores da
operação para ajudar a montar a acusação contra Lula. Tudo isso apesar das
sérias dúvidas internas sobre as provas que fundamentaram essas acusações e
enquanto o juiz continuava a fingir ser o árbitro neutro neste jogo.
O único papel do Intercept Brasil na obtenção desse material foi
seu recebimento por meio de nossa fonte, que nos contatou há diversas semanas
(bem antes da notícia da invasão do celular do ministro Moro, divulgada nesta
semana, na qual o ministro afirmou que não houve “captação de conteúdo”) e nos
informou de que já havia obtido todas as informações e estava ansiosa para
repassá-las a jornalistas.
Informar à sociedade questões de interesse público e expor
transgressões foram os princípios que nos guiaram durante essa investigação, e
continuarão sendo conforme continuarmos a noticiar a enorme quantidade de dados
a que tivemos acesso.
O enorme volume do acervo, assim como o fato de que vários
documentos incluem conversas privadas entre agentes públicos, nos obriga a
tomar decisões jornalísticas sobre que informações deveriam ser noticiadas e
publicadas e quais deveriam permanecer em sigilo.
Ao fazer esses julgamentos, empregamos o padrão usado por
jornalistas em democracias ao redor do mundo: as informações que revelam
transgressões ou engodos por parte dos poderosos devem ser noticiadas, mas as
que são puramente privadas e infringiriam o direito legítimo à privacidade ou
outros valores sociais devem ser preservadas.
A bem da verdade, ao produzir reportagens a partir desses
arquivos, somos guiados pela mesma argumentação que levou boa parte da
sociedade brasileira – aí incluídos alguns jornalistas, comentaristas políticos
e ativistas – a aplaudir a publicidade determinada pelo então juiz Moro das
conversas telefônicas privadas entre a presidente Dilma Rousseff e seu
antecessor Luiz Inácio Lula da Silva (em que discutiam a possibilidade do ex-presidente
se tornar ministro da Casa Civil), logo reproduzidas por inúmeros veículos de
mídia. A divulgação dessas ligações privadas foi crucial para virar a opinião
do público contra o PT, ajudando a preparar o terreno para o impeachment de
Dilma em 2016 e a prisão de Lula em 2018. O princípio invocado para justificar
essa divulgação foi o mesmo a que estamos aderindo em nossas reportagens sobre
esse acervo: o de que uma democracia é mais saudável quando ações de relevância
levadas a cabo em segredo por figuras políticas poderosas são reveladas ao
público.
Mas a divulgação feita por Moro e diversos veículos da imprensa
dos diálogos privados entre Lula e Dilma incluíam não apenas revelações de
interesse público, mas também comunicações privadas de Lula sem qualquer
relevância para a sociedade – o que levou muitas pessoas a argumentarem que a
divulgação tinha o propósito de constranger pessoalmente o ex-presidente. Ao
contrário deles, o Intercept decidiu manter reservada qualquer comunicação ou
informação relacionada a Moro, Dallagnol e outros indivíduos que seja de
natureza puramente privada e, portanto, desprovida de real interesse público.
Nós tomamos medidas para garantir a segurança deste acervo fora do
Brasil, para que vários jornalistas possam acessá-lo, assegurando que nenhuma
autoridade de qualquer país tenha a capacidade de impedir a publicação dessas
informações.
Ao contrário do que tem como regra, o Intercept não solicitou
comentários de procuradores e outros envolvidos nas reportagens para evitar que
eles atuassem para impedir sua publicação e porque os documentos falam por si.
Entramos em contato com as partes mencionadas imediatamente após publicarmos as
matérias, que atualizaremos com os comentários assim que forem recebidos.
Tendo em vista o imenso poder dos envolvidos e o grau de sigilo
com que eles operam– até agora –, a transparência é crucial para que o Brasil
tenha um entendimento claro do que eles realmente fizeram. A liberdade de
imprensa existe para jogar luz sobre aquilo que as figuras mais poderosas de
nossa sociedade fazem às sombras.
Publicada originalmente no portal The Intercept Brasil
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