Até
me constrange gastar papel com a discussão sobre se o nazismo é de esquerda. É
um revisionismo contemporâneo, com muita força no Brasil, e que não tem
objetivo de entender a história. A intenção é a disputa histórica do presente.
Um
dos argumentos está no nome do partido nazista: Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemães. Tá lá, socialista. Adolf Hitler falou sobre isso, em
entrevista em 1923 a George Sylvester Viereck. "Socialismo é a ciência de
lidar com o bem comum. Comunismo não é o socialismo. Marxismo não é socialismo.
Os marxistas roubaram o termo e confundiram seu significado. Eu devo tirar o
socialismo dos socialistas", disse Hitler. Tratava-se de uma visão, e uma
disputa cultural, em torno da palavra socialista.
Disse mais: "O socialismo é uma instituição alemã, do arianismo antigo. Nossos ancestrais possuíam terras em comum. Cultivavam a ideia do bem comum. O marxismo não tem direito de se disfarçar de socialismo. O socialismo, ao contrário do marxismo, não repudia a propriedade privada. Ao contrário do marxismo, não envolve a negação da personalidade; em vez de marxista, ele é patriótico. Poderíamos nos chamar Partido Liberal".
Hitler
admitia se chamar de liberal, mas seria outro falseamento. O nazismo não era
liberal, assim como não era de esquerda.
Por
que esse debate surge? Por que é dito que o nazismo é de esquerda? É uma
disputa sobre o agora. Pretende-se usar o nazismo para desqualificar a esquerda
de hoje. Há um subtexto aí de que, em última instância, a esquerda é nazista.
Posições
ideológicas não são estanques. Direita e esquerda hoje não são o que eram na
Revolução Francesa. Bem como conservadorismo e liberalismo não são o que eram
no século XIX. Abraham Lincoln e Donald Trump não são a mesma coisa, apesar de
integrarem o mesmo Partido Republicano. A noção do que é esquerda na América
Latina não é igual à da Europa.
Nazismo
não é de esquerda, não é liberal e não se confunde, também, com a direita
tradicional. Conservadores não eram nazistas. Winston Churchill não era nazista
- ninguém esteve mais longe disso.
Na
Alemanha, não existe essa polêmica e a direita de lá nem cogita o negacionismo.
O conservador Franz Josef Strauss, ex-governador da Baviera, dizia: "À
direita da União não deve haver nenhum partido democraticamente
legitimado". A União é a União Democrática Cristão, de Angela Merkel. A
rejeição a qualquer coisa à direita disso está na perigosa proximidade com o
nazismo.
O
nazismo é fenômeno de exceção, difícil de enquadrar no espectro convencional.
Como hipérbole, muitos políticos são taxados de nazistas. Isso vai de Bolsonaro
até Cid Gomes (PDT). Um despropósito. Dizer que o nazismo é de esquerda ou
usá-lo para atacar adversários políticos de hoje é raso, fruto, no mínimo, de
conhecimento tacanho. Ou é só desonesto mesmo.
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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