Presidente Bolsonaro na cerimônia de comemoração dos 100 dias do Governo (Foto: Alan Santos) |
É
cedo para ter fé, mas talvez o governo de Jair Bolsonaro esteja aprendendo a
regra do jogo. Depois de uma via crúcis no curso da qual precisou recuar
inúmeras vezes ante o desgaste iminente de decisões previsivelmente
desastradas, o pesselista emite sinais de que começa a entender que Brasília
não é as redes sociais e presidir o País é mais complexo do que gerir uma conta
no Twitter.
Do
calvário dos 100 dias de gestão, marcado por atropelos na base congressual às
denúncias que minam parte de seus ministros, algumas de evidente gravidade,
Bolsonaro vale-se de episódios recentes para submergir e, de algum modo,
"resetar" o game - ou, ao menos, reiniciá-lo noutras bases.
Três
episódios ilustram esse duro aprendizado do capitão reformado. Primeiro, a
determinação de retroceder na interferência na política de preços da Petrobras,
que custou, ao todo, cerca de R$ 30 bilhões à estatal petroleira.
"Apóstolo" mais chegado ao presidente, Paulo Guedes fez saber que
essa intromissão espetaria no mandatário uma nódoa da qual depois seria difícil
de se livrar: a de intervencionista. Resultado: Paulo convenceu-o, e o diesel,
combustível que já inflamou os caminhoneiros e agora volta a assanhá-los,
subiu.
Noves
fora as ameaças de greve e paralisações da categoria, Bolsonaro moveu-se
corretamente nessa briga, desviando-se das tentações que também atravessaram o
tortuoso caminho de Dilma Rousseff (PT). Mesmo o recuo lhe fez bem. Demonstrou
que o "Posto Ipiranga" ainda tem algum poder de fala e Bolsonaro, de
escuta.
A
isso se seguiu a crise aberta pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Engolfada
numa cruzada obscurantista contra veículos jornalísticos, a Corte sai, no
mínimo, chamuscada, sobretudo se considerar o momento, espécie de tempestade
quase perfeita no olho da qual os magistrados travam uma queda de braço com os
templários "lavajatistas". Ora, num raro momento de argúcia ou
iluminação, Bolsonaro aproveitou-se da progressiva fragilidade do STF para se
anunciar como vestal da liberdade de imprensa - logo ele, cujo governo já
cravou que a "Folha de S. Paulo" é "a fonte de todo o mal".
Se
deixarmos de lado essa faceta caricatural da adesão oportunista a uma bandeira
que o presidente sempre enxovalhou em 30 anos de vida parlamentar, o pesselista
posicionou-se corretamente no tabuleiro. Mais que isso: num aceno aos jornais e
aos jornalistas, disse que era hora de deixar as diferenças para trás.
O
terceiro e mais importante episódio dessa transubstanciação de Bolsonaro foi,
na verdade, a decisão de abrir o Planalto às articulações políticas e de
negociar os cargos de segundo escalão das estatais e empresas mistas com
parlamentares, de cujos votos depende para tocar a sua agenda. Às vésperas de
levar a reforma da Previdência ao escrutínio dos deputados, ele entendeu que
não há milagres na política.
Resta
saber que presidente irá emergir depois do Domingo da Ressurreição. Se o pastor
da "nova política" que incendeia o Congresso com sua articulação
estabanada, prejudicando o próprio governo. Ou um negociador mais flexível e
capaz de ceder aqui e ali no esforço de aprovar suas propostas, concorde-se ou
não com elas.
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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