20 de abril de 2019

A via crúcis de Bolsonaro por Henrique Araújo

Presidente Bolsonaro na cerimônia de comemoração dos 100 dias do Governo (Foto: Alan Santos)
É cedo para ter fé, mas talvez o governo de Jair Bolsonaro esteja aprendendo a regra do jogo. Depois de uma via crúcis no curso da qual precisou recuar inúmeras vezes ante o desgaste iminente de decisões previsivelmente desastradas, o pesselista emite sinais de que começa a entender que Brasília não é as redes sociais e presidir o País é mais complexo do que gerir uma conta no Twitter.

Do calvário dos 100 dias de gestão, marcado por atropelos na base congressual às denúncias que minam parte de seus ministros, algumas de evidente gravidade, Bolsonaro vale-se de episódios recentes para submergir e, de algum modo, "resetar" o game - ou, ao menos, reiniciá-lo noutras bases.

Três episódios ilustram esse duro aprendizado do capitão reformado. Primeiro, a determinação de retroceder na interferência na política de preços da Petrobras, que custou, ao todo, cerca de R$ 30 bilhões à estatal petroleira. "Apóstolo" mais chegado ao presidente, Paulo Guedes fez saber que essa intromissão espetaria no mandatário uma nódoa da qual depois seria difícil de se livrar: a de intervencionista. Resultado: Paulo convenceu-o, e o diesel, combustível que já inflamou os caminhoneiros e agora volta a assanhá-los, subiu.

Noves fora as ameaças de greve e paralisações da categoria, Bolsonaro moveu-se corretamente nessa briga, desviando-se das tentações que também atravessaram o tortuoso caminho de Dilma Rousseff (PT). Mesmo o recuo lhe fez bem. Demonstrou que o "Posto Ipiranga" ainda tem algum poder de fala e Bolsonaro, de escuta.

A isso se seguiu a crise aberta pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Engolfada numa cruzada obscurantista contra veículos jornalísticos, a Corte sai, no mínimo, chamuscada, sobretudo se considerar o momento, espécie de tempestade quase perfeita no olho da qual os magistrados travam uma queda de braço com os templários "lavajatistas". Ora, num raro momento de argúcia ou iluminação, Bolsonaro aproveitou-se da progressiva fragilidade do STF para se anunciar como vestal da liberdade de imprensa - logo ele, cujo governo já cravou que a "Folha de S. Paulo" é "a fonte de todo o mal".

Se deixarmos de lado essa faceta caricatural da adesão oportunista a uma bandeira que o presidente sempre enxovalhou em 30 anos de vida parlamentar, o pesselista posicionou-se corretamente no tabuleiro. Mais que isso: num aceno aos jornais e aos jornalistas, disse que era hora de deixar as diferenças para trás.

O terceiro e mais importante episódio dessa transubstanciação de Bolsonaro foi, na verdade, a decisão de abrir o Planalto às articulações políticas e de negociar os cargos de segundo escalão das estatais e empresas mistas com parlamentares, de cujos votos depende para tocar a sua agenda. Às vésperas de levar a reforma da Previdência ao escrutínio dos deputados, ele entendeu que não há milagres na política.

Resta saber que presidente irá emergir depois do Domingo da Ressurreição. Se o pastor da "nova política" que incendeia o Congresso com sua articulação estabanada, prejudicando o próprio governo. Ou um negociador mais flexível e capaz de ceder aqui e ali no esforço de aprovar suas propostas, concorde-se ou não com elas.

Publicado originalmente no portal O Povo Online


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