30 de março de 2019

Justiça proíbe comemoração de golpe militar de 1964

Após repercussão Bolsonaro, disse que falou em "rememorar" e não comemorar (Foto: Marcos Corrêa)
A juíza Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara da Justiça Federal de Brasília, decidiu pela proibição da comemoração do Golpe Militar de 1964, neste domingo (31/03). A decisão ocorreu após o presidente Jair Bolsonaro (PSL), por meio do porta-voz oficial da Presidência, determinar ao Ministério da Defesa que fizesse as "comemorações devidas" nos quartéis e guarnições militares.

Em decisão tomada na noite de ontem (29/03), Ivani tutelou o pedido com urgência, para que "se abstenha de levar a efeito qualquer evento em comemoração à implantação da ditadura no Brasil (Golpe de 1964)". Ela proíbe "especialmente" o uso de recursos públicos para essa finalidade, sob pena de multa em caso de descumprimento.

"Assevera ser de conhecimento público os horrores relacionados ao período ditatorial, ocorrido no Brasil entre 1964 a 1985, destacando os relatórios da Comissão da Verdade do Brasil (2012 a 2014), em que foram ouvidas vítimas da ditadura, familiares de pessoas desaparecidas ou mortas no período", escreveu a juíza federal. Ele afirmou ainda, no despacho, que celebrar tal data contraria a Constituição da República de 1988.

Declarado entusiasta daquele período, Jair Bolsonaro autorizou a celebração daquilo que ele chama de "revolução" na última segunda-feira, 25. A informação foi confirmada pelo porta-voz, Otávio Rêgo Barros.

"O presidente não considera o 31 de março de 1964 (como) golpe militar. Ele considera que a sociedade reunida, e percebendo o perigo que o país estava vivenciando naquele momento, juntou-se, civis e militares. Nós conseguimos recuperar e recolocar o nosso País num rumo que, salvo melhor juízo, se isso não tivesse ocorrido, hoje nós estaríamos tendo algum tipo de governo aqui que não seria bom para ninguém", afirmou Otávio Rêgo.

Após repercussão da notícia, vítimas da ditadura protocolaram ação popular contra o presidente, alegando que a decisão violava o "direito à memória e à verdade". Dessa forma, a juíza federal Ivani intimou Bolsonaro a dar explicações sobre a declaração em até cinco dias. Como o prazo ultrapassava a data de "aniversário" de 55 anos do golpe, no entanto, já havia expectativa de novo despacho da magistrada.

Notificado, Bolsonaro se pronunciou na última quinta-feira, 28, dizendo que, na verdade, havia pedido para "rememorar" o dia. "Não foi comemorar, foi rememorar, rever o que está errado, o que está certo e usar isso para o bem do Brasil no futuro", declarou à Folha de S. Paulo.

A partir de 31 de março de 1964, uma série de eventos ocorridos no País deu início à deposição do presidente João Goulart, eleito democraticamente em 1961. Fazendo uso de tropas e da força bélica, militares do Exército declararam vacância na cadeira presidencial, tomando para si o Poder Executivo.

Perdurando até 15 de janeiro de 1985, com a eleição de Tancredo Neves à Presidência, o período ficou conhecido como um dos mais cruéis da história brasileira. Marcado pela tortura, censura, perseguição de adversários políticos, fechamento do Congresso Nacional e cassação de direitos, o regime contou com cinco presidentes, todos militares, ao longo de seus 21 anos.

STF
O ministro do STF, Gilmar Mendes, julgou inviável a ação impetrada pelo Instituto Vladimir Herzog e um grupo de parentes de vítimas da ditadura contra a decisão atribuída ao presidente Jair Bolsonaro. Segundo o ministro, a entrevista do porta-voz do Governo não é ato passível de ser questionado por meio de mandado de segurança no STF.

'É imoral e inadmissível', diz relator da ONU

Para a Organização das Nações Unidas (ONU), a intenção de comemorar o aniversário do golpe militar de 1964, citada pelo presidente Jair Bolsonaro, "é imoral e inadmissível em uma sociedade baseada no estado de direito". A frase foi dita ontem pelo relator especial sobre a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-repetição da ONU, Fabián Salvioli.

O relator também ressaltou que é dever de autoridades e da sociedade como um todo rejeitar ações similares. "Tentativas de revisar a história e justificar ou relevar graves violações de direitos humanos do passado devem ser claramente rejeitadas por todas as autoridades e pela sociedade como um todo. As autoridades têm a obrigação de garantir que tais crimes horrendos nunca sejam esquecidos, distorcidos ou deixados impunes", afirmou.

Para Salvioli, a impunidade aos envolvidos é fortalecida a partir do momento em que atribui-se um novo significado ao período da ditadura militar. "Quaisquer ações que possam justificar ou relevar graves violações de direitos humanos durante a ditadura reforçariam ainda mais a impunidade que os perpetradores desfrutam no Brasil, e enfraqueceriam a confiança da sociedade nas instituições públicas e no estado de direito".

A Anistia Internacional também se posicionou ontem a respeito da mobilização do poder Executivo em comemorar a data do golpe militar. "Celebrar um período marcado por violações de direitos humanos não é condizente com o papel de altas autoridades de um país. Espera-se de um presidente e seu vice-presidente que garantam políticas de memória, verdade, justiça e reparação às vítimas, sobreviventes e suas famílias", afirma a Diretora Executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck. Ela também define que a atitude tomada por Jair Bolsonaro é "preocupante".

Já o porta-voz da Presidência da República, general Otávio Santana do Rêgo Barros, fez um apelo ao patriotismo dos brasileiros, ao ser questionado se Jair Bolsonaro fez referência a 1964 hoje ao publicar um vídeo da cerimônia de hasteamento da bandeira. "Gostaria muito que toda a sociedade tivesse a disponibilidade e o patriotismo de prostrar-se diante da bandeira ao menos uma vez por semana", disse. "Para caracterizar, por meio desse gesto o seu apreço à soberania que essa bandeira representa e a importância que de nós termos uma sociedade democrática e livre", completou.

Com informações portal O Povo Online

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