Dep. Rodrigo Maia (DEM-RJ) é eleito presidente da Câmara dos Deputados (Foto: Pablo Valadares) |
Eleições
para qualquer casa legislativa raramente se dão em torno de um programa
eleitoral, esquerda ou direita, porque as bancadas já foram eleitas. Tratam-se,
portanto, de um acordo para a divisão de cargos na mesa diretora e nas
comissões, que dão o ritmo de toda atividade parlamentar. Assim, o que conta
não são as melhores ideias, discursos mais inflamados ou quem adesiva mais
perfis nas redes sociais, mas a habilidade em movimentar peças para assegurar
os interesses próprios de cada agremiação.
Ontem,
na eleição pra mesa diretora da Câmara, cada partido de esquerda jogou suas
cartas. O PT pretendia acima de tudo ficar com a liderança da oposição e
assumir um ou dois lugares na mesa. O PSOL, lançar uma candidatura sem chances
de vencer, mas boa para bater bumbo à plateia das redes sociais. O PSB queria
uma vaga na mesa. O PDT, também ansiava pela mesa e por tirar do PT o
protagonismo de liderar a oposição. O PCdoB precisava garantir o reconhecimento
da incorporação do PPL e assegurar a presença nas comissões que dão
visibilidade e força a seus deputados se posicionarem para enfrentarem as
reformas bolsonaristas.
Quem
baixou a primeira carta foi o PSOL, lançando unilateralmente a candidatura de
Freixo, o que gerou um mal estar na esquerda, que sabia de sua inviabilidade.
Em seguida, o PCdoB e o PDT anunciaram que não fechariam com Freixo e que
apoiariam um candidato que tivesse chance real de vencer para terem vagas na
mesa e nas comissões. O PT fez o terceiro movimento: afastou o PSB do PCdoB e
PDT, prometendo-lhes a primeira chamada da chapa na mesa, em troca de ficarem
com a segunda chamada e a liderança da oposição; ao PSOL, o PT prometeu apoio
público a Freixo pra jogar pra plateia e nos bastidores fechou apoio parcial a
Maia.
No
meio da semana, o PT publicou um chamado provocador à “unidade da esquerda”,
instando publicamente o PCdoB e o PDT a apoiarem seu bloco, sem prometerem nos
bastidores aquilo que estes demandavam. PCdoB e PDT ficaram quietos e mexeram
suas peças, com um desfecho surpreendente.
O
bloco da centro-direita juntou mais de trezentos deputados, o que lhe dá
maioria na mesa. O do PT, PSB, PSOL e Rede aglutinou 97 deputados. Tudo parecia
indicar que PCdoB e PDT caminhavam pro isolamento, quando inscreveram uma chapa
com uma miríade de partidos de centro e alcançaram surpreendentemente 105
deputados. Ficaram em segundo lugar, o que garante a liderança da oposição e
duas chamadas na mesa.
Cheque-mate
nos planos do PT de ser o partido que liderará a oposição, tarefa que caberá
agora ao PDT. Pra completar, a articulação desastrosa petista quase deixou-os
fora da mesa, pois sua chapa só conseguiu duas chamadas e o PT, mesmo tendo a
maior bancada, conseguiu apenas a última suplência.
Quando
PT e PSOL perceberam que tinham fracassado, partiram para a baixaria. Atacaram
a incorporação do PPL ao PCdoB e usaram o palanque da câmara para fazerem um
discurso sectário contra este partido. O líder comunista respondeu que na luta
contra o governo Bolsonaro eles precisarão estar juntos. Mas qual clima fica?
Manuela escreveu um desabafo de quem está cansada de sempre ver seu partido se
sacrificar pelo “bem maior”, sem ter o apoio dos aliados para suas demandas. Ou
seja, feridas ficaram abertas.
Essas
eleições à câmara deixaram claro que não há mais espaço para o PT seguir
impondo hegemonismo a todo custo. A candidatura fake de Lula nas eleições, a
anulação do PSB, a cooptação por chantagem do PCdoB, o isolamento do PDT e
lançamento tumultuado da chapa Haddad/Manu gerou rusgas na esquerda e facilitou
a vitória de Bolsonaro. Em vez de melhorar o clima, as eleições à câmara
pioraram.
Resta
agora saber até quando o PT ficará disputando poças d’água, quando se tem um
oceano pra navegar e até quando o PSOL seguirá fazendo ao público o papel de
virgem vestal, sem de fato garantir o que interessa: a resistência real ao
bolsonarismo, ocupando espaços que não devem ser tomados por eles.
Por
último, para vencer o bolsonarismo, “frente de esquerda” é inútil nesta
correlação de forças, ainda mais se for liderada pelo PT, que mostrou nestas
eleições ter a maior rejeição na sociedade. Bolsonaro só ganhou graças ao
antipetismo. Portanto, é preciso uma “frente ampla” que aglutine além da
esquerda, setores do centro, do campo popular, democrático e nacional. Primeiro
o programa, depois os líderes.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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