Cinebiografias
musicais existem em diversos gêneros e se assemelham sempre em seus quesitos
principais, mas o que as difere é seu viés. Os longas podem focar no
psicológico do protagonista, ou explorá-los em seu contexto como frutos de seu
tempo. Minha Fama de Mau, cinebiografia de Erasmo Carlos levada às telas por
Lui Farias, pretende ser o primeiro tipo, mas a falta de uma problemática real
e a impossibilidade de inseri-la em um contexto político deixa a análise apenas
até a metade. Mesmo assim, o longa não perde seu potencial de entretenimento, e
é diversão garantida para os fãs da Jovem Guarda.
Minha
Fama de Mau conta a história da fundação do programa de TV da Jovem Guarda e do
movimento dos anos 60, visto principalmente pelos olhos de Erasmo Carlos, autor
do livro no qual o filme se baseia. Relembrando a vida do músico desde sua
infância e adolescência no começo dos anos 60 até o fim dos 70, o longa passa
pelo encontro com Roberto Carlos, suas primeiras composições, a explosão da
Jovem Guarda e a vida do músico depois do fim do programa. Além de trazer
Roberto Carlos (Gabriel Leone) e Wanderléa (Malu Rodrigues) em papéis maiores,
o longa diverte trazendo à tona personagens como Carlos Imperial (Bruno de
Luca), Tim Maia (Vinicius Alexandre) ou a Candinha, em um aparição simpática da
Paula Toller, recheando o filme de figuras familiares que preenchem como uma “Festa
de Arromba”.
Minha
Fama de Mau é esperto em sua estética. Na juventude de Erasmo, recursos visuais
mais descolados, como referências a um imaginário dos quadrinhos, predominam.
Já mais velho, o músico insiste em quebrar a quarta parede. Na sua maturidade e
nos tempos pós-Jovem Guarda, o filme toma um formato mais tradicional, passando
uma ideia de evolução de Erasmo que acompanha o ritmo do filme. Mesmo quando os
recursos quebram o ritmo, a ideia de que o público está evoluindo junto com o
protagonista funciona bem. Isso também é sustentado pela interpretação certeira
de Chay Suede, que consegue transitar entre o garoto exibido e o jovem
vulnerável. Em termos de elenco, aliás, Minha Fama de Mau acerta em cheio
também com Leone e De Luca, que interpretam um tímido Roberto e o impiedoso
Imperial precisamente.
Assim
como a Jovem Guarda, Minha Fama de Mau ignora completamente o contexto político
no qual se passa, o que poderia lhe dar um tom alienado, mas Lui Farias soube
lidar bem com a limitação política do movimento. Existe um esforço real de
focar a história apenas em seu personagem e suas tramas absolutamente pessoais,
mas ao não entregar uma visão crítica, o psicológico do protagonista acaba
raso. Quando não há reconhecimento do contexto, não há um retrato forte do
declínio da Jovem Guarda associado às críticas, aos novos nomes da música ou a
Tropicália na época. O filme busca inserir isso em uma breve cena de entrevista
de Erasmo, mas a discussão é rápida e não cria uma relação com a depressão do músico.
O
longa evita tratar de brigas com Roberto Carlos ou qualquer confronto realmente
significativo, e sem movimentos questionáveis e nem mesmo conflitos amorosos, o
maior impasse da vida de Erasmo se reduz a um bloqueio criativo no pós-Jovem
Guarda, e o próprio protagonista parece um coadjuvante em sua própria história,
que sempre desemboca em soluções sustentadas pelo seu parceiro Roberto Carlos.
Um dos resultados da trama de Minha Fama de Mau é a ideia que sem Roberto,
Erasmo não seria ninguém. E se esta fosse a tese, talvez fosse mais proveitoso
focar a história da Jovem Guarda na parceria, e não na visão parcial de apenas
um deles.
Além
disso, existem movimentos questionáveis de roteiro, principalmente em torno de
suas personagens femininas. O filme foca em Roberto e Erasmo e por isso deixa
Wanderléa, a terceira parte da trinca fundadora da Jovem Guarda, quase como
pano de fundo. O medo de simplificá-la a interesse amoroso de algum dos dois,
ou criar conflitos em relação a intimidade dos músicos com a vocalista, deixa a
personagem perdida em sua própria história. Os papéis de Bianca Comparato, um
compacto das diversas mulheres da vida de Erasmo, também acabam sem propósito,
a não ser reduzir a importância das parceiras do músico.
A
falta de problemática ou crítica em Minha Fama de Mau compensa com atuações e
hits. O longa traz à tela hits como "É Proibido Fumar", "Vem
Quente Que Eu Estou Fervendo", "Eu Sou Terrível", e muitas
outras, em belas adaptações e ótimos visuais, criando uma trilha sonora ótima.
As performances musicais como um dos pontos altos do filme devem tornar Minha
Fama de Mau um entretenimento garantido principalmente para quem já é fã da
Jovem Guarda, mas a ausência de um conflito torna a história menos interessante
para quem ainda não conhece seus protagonistas.
Publicado originalmente no portal Omelete
Publicado originalmente no portal Omelete
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