Perfil do jornalista, compositor e colunista do O povo Tarcísio Matos. (Foto: Júlio Caesar) |
Eita,
cabra bom da mulesta! Dois dedos de prosa com José Tarcísio Vale Matos já
revelam: o jornalista, escritor e compositor é tesouro vivo de nossa terra. Dos
seus 61 anos - "É o novo!", acha graça - , mais de 40 são dedicados a
mapear expressões, dizeres e trejeitos do Litoral Norte do Estado ao Cariri.
Autor do Grande Dicionário da Fala Cearense, Tarcísio Matos é sumidade
reconhecida no cearês, língua repleta de jocosidade e resistência.
A
rica trajetória de Tarcísio pela linguagem tipicamente cearense começou ainda
na década de 1970, quando o jovem "metido a cantor, artista e poeta"
foi desafiado pelo pai a ingressar no curso de Medicina da Universidade Federal
do Ceará. Invocado pela provocação, Tarcísio entrou na graduação pretendida -
mas a sua paixão, nas aulas de anatomia, era "fazer gaiatice" e
produzir paródias de músicas sobre o corpo humano. Nunca tomou gosto pela
faculdade, mas fez bons amigos e descobriu Quixeramobim, Inhamuns, Iguatu e
Cedro nas viagens que realizou com os colegas pelo Interior.
"Em
1977, quando comecei a viajar pelo Estado, também comecei a fazer apontamentos
da fala, dos costumes, da muganguice, da fuleiragem", resgata Tarcísio.
Sob seu olhar atento, cada paciente carregava consigo bem mais que um sintoma:
era um repositório de vida, já vivida e vindoura.
"Eu não sou humorista,
mas sempre gostei de ver o ângulo especial do fato pela ótica do hilário, do
burlesco. A linguagem é muito rica. Nada é por acaso, tudo vem de algum canto.
Esse ritmo que o cearense tem ao falar se transforma na piada em si",
teoriza o escritor.
Três
anos após o início do curso, em 1980, Tarcísio deixou jalecos e bisturis para
ingressar na antiga faculdade de Comunicação Social da UFC. Danado, já
engraçou-se com jornais acadêmicos e cedo começou a escrever crônicas de humor
para Um jornal sem regras (1982 a 1985), publicação do contemporâneo Flávio
Paiva.
"Eu redigia os Contos Uruburlescos, de um personagem que tinha no
São João do Tauape, Uilson Urubu. Escrevendo aqui e acolá, entrei no O POVO em
1986. O meu umbigo tá lá, dentro do jornal. Hoje
eu estou na Rádio O POVO CBN, com o quadro semanal Na Língua do Povo".
Na
casa do colega de profissão Flávio Paiva, então no bairro Jacarecanga, Tarcísio
iniciou uma união que é "só o mi dibuiado", como bem diz o cearense:
a parceria com o humorista Falcão.
"Conheci o Falcão compondo para um
grupo chamado Bufo Bufo, o único do mundo que foi sem nunca ter sido - a gente
só ensaiou, nunca cantava", ri-se. Frutífera, a amizade estabelecida há
mais de 35 anos resultou em uma vasta produção musical.
Hoje, Tarcísio acredita
que cerca de 70% das composições autorais de Falcão foram escritas a quatro
mãos.
"Falcão
é um gênio, é um cara extremamente culto, mas a minha história com ele remete a
alguma coisa mais essencial. Ele é um irmão que não é do sangue, mas me faz
muito bem na vida", emociona-se.
Além de Falcão, Tarcísio trabalhou também
com a produção de material para outros humoristas, como Tom Cavalcante. Mas,
reitera continuamente, jamais transformou o humor em sua fonte de renda
principal. A pesquisa é genuinamente passional, curiosa e até mesmo
antropológica.
"Nunca subi aos palcos e nem quero. Fiz o livro Vaiando o
Sol - o Melhor do Humor e da Molecagem Cearense (2000) e toda a venda foi doada
ao grupo espírita que eu frequentava. Arte, pra mim, é transformar o que houver
de potencialidade em algo para servir. Nada é pra mim".
Além
de Vaiando o Sol, o Grande Dicionário da Fala Cearense - com relançamento
previsto para o início de 2019 - reúne entre 10 e 12 mil verbetes.
"Seguramente é o maior que tem aqui, pois é fruto de 41 anos de pesquisa.
Parece brincadeira, mas não acaba! (Quero) deixar esse registro não só como
algo bem humorado e galhofeiro, mas saber que aquilo existe, que se fala. É uma
forma de resistência", defende.
Para
difundir o cearês entre os jovens, Tarcísio e a jornalista Evelyn Onofre
criaram o perfil no Instagram @tarcisiomatosce. Lá, eles dividem o dicionário
em cinco categorias: Fuleirosofias, Oportunidades de empregos, Só quer ser as
pregas, Grande dicionário da fala cearense e Tome 5. De abicorar (ficar de olho
em alguma cosa) até zóio, zouvido e zorelha, Tarcísio grava vídeos ensinando o
linguajar e as vaias típicas do Estado.
Espírita
dedicado, Tarcísio Matos conheceu a presidente da Associação Peter Pan, Olga
Freire, na doutrina. Há 15 anos, então, tornou-se voluntário da organização e
viu sua vida mudar no contato com crianças em tratamento contra o câncer.
"O humor é a catarse, é o riso, é a minha parte da alegria que se externa
porque lá (no Peter Pan) é, aparentemente, o exercício dolorido. Como diria
Caetano Veloso, 'cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é'",
cantarola. Modesto, Tarcísio não gosta de expor suas muitas atividades nos
hospitais da Cidade - prefere lembrar da potência de alegria.
"A
gente não é só o humor, não é só a caricatura. Aliás, essa caricatura é tão
interessante: a característica de você vislumbrar, em cenários de provável
aridez, algum elemento que faz rir é muito mais complexo de que fazer chorar. O
humor requer muito mais sagacidade. O Ceará abunda, é exuberante na capacidade
de fazer rir até na morte. Esse é o tamanho da nossa seriedade no que diz
respeito à sobrevivência: nós somos resistentes. A gente transformar o que
seria sofrimento em uma boa gargalhada. Nada melhor do que isso",
acredita.
Acompanhe:
Tarcísio
Matos apresenta, às sextas-feiras, no
programa O
POVO no Rádio (O POVO/CBN 95,5), o quadro Na Língua do Povo, em que comenta
expressões populares.
No
Instagram, usa o perfil @tarcisiomatosce
para difundir e molecagem cearense
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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