Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho (Foto Divulgação) |
A
decisão de alguns partidos de esquerda, como PT, PSOL e, eventualmente PCdoB,
de não participarem da posse de Bolsonaro, gerou críticas duras por parte de
alguns intelectuais e jornalistas progressistas.
Sakamoto
disse, em sua coluna no UOL, que é um “presentão para Bolsonaro”. Trecho
de seu artigo: "Bobagens
como essa não constroem bases para o diálogo democrático e para o enfrentamento
nas arenas institucionais – coisa que precisaremos exercitar com afinco a
partir de 2019. Pelo contrário, as esvaziam. Boicotar a posse não é o fim do
mundo, mas uma bobagem desnecessária, considerando o tamanho das buchas de
verdade que se enfileiram à frente na defesa da dignidade humana".
Da
minha parte, também acho um erro estratégico, e a prova é a necessidade do PT,
quadros e militância de estarem se justificando, nas redes, o tempo inteiro,
com argumentos curiosos.
Uns
lembram que “a imprensa não falou nada” quando PSDB e DEM boicotaram a posse de
Dilma em 2014. Bem, esses partidos, que me lembre, não anunciaram anteriormente
o boicote, e de qualquer forma um erro não justifica outro. Esses partidos
erraram profundamente ao fazer isso, e não cabe ao campo progressista
imitá-los. Além do mais, a opinião da “imprensa”, neste caso, não significa
nada. Não importa se Merval Pereira ou a Globo são contra a decisão do PT, até
porque eles são quase sempre contra o PT. O que está em jogo aqui é a opinião
do povo. Bolsonaro foi eleito com mais de 56 milhões de votos. O respeito se
deve ao eleitor e à democracia, esta última brandida no segundo turno – com
alguma razão – como depositária de nossas últimas esperanças.
Outros
recordam que Bolsonaro ameaçou “metralhar a petralhada”, num discurso no Acre.
O uso da infeliz e brutal figura de linguagem de Bolsonaro também não me parece
um argumento convincente, porque sinaliza à população que a decisão é motivada
por medo. É evidente que Bolsonaro não irá metralhar ninguém, e a maneira mais
objetiva de protestar contra as ameaças seria estar presente ao juramento de
Bolsonaro às leis e à Constituição.
Para
quem abusou da imagem de “resistência”, não é interessante demonstrar nenhum
tipo de receio. O povo nas ruas, muitas vezes em periferias escuras, sem
presença da mídia, precisará de muita coragem para enfrentar forças policiais
empoderadas por um discurso fascista, mas os parlamentares em Brasília, dentro
ou fora do recinto do congresso, sob todas as câmeras do mundo, não
enfrentariam nenhum risco.
Uns
dizem que não se vai a “festa” onde não somos bem vindos. Acontece que não se
trata de uma “festa”. Pode até haver festa na rua, por parte dos apoiadores de
Bolsonaro, mas o evento que concerne aos deputados eleitos não é nenhuma festa,
e sim uma cerimônia no congresso, organizada em parte pelo TSE (que emite os
convites).
O
PT e outras legendas poderiam participar discretamente. Poderiam mandar poucos
representantes, se assim o desejassem, mas sua presença seria um sinalização de
respeito à soberania popular e de maturidade política. Não é positivo, para a
democracia, que Bolsonaro tome posse sem presença dos principais partidos de
oposição.
Isso
gera ainda mais insegurança na população, porque passará a (falsa) impressão de
que Bolsonaro governará sem enfrentar nenhum tipo de resistência parlamentar.
A
menção, no comunicado do PT, à falta de lisura no processo, lembrando o golpe e
a ausência de Lula nas eleições, também não convence, porque esses fatores não
podem ser atribuídos a Bolsonaro, tampouco a seus eleitores.
O
eventual uso de caixa 2 pela campanha de Bolsonaro, por sua vez, precisa ser
provado antes de se tornar motivo de acusação, e o PT, não faz muito tempo,
confessava o caixa 2 em campanhas como forma de se livrar de acusações de
corrupção. Não faz sentido usar matéria de jornal e denúncias de caixa 2 para
acusar a eleição presidencial de “fraude”, como vem fazendo parte da militância
petista. O mesmo TSE que garantiu a posse da bancada das legendas de oposição,
e de vários governadores do campo progressista, avalizou juridicamente a
diplomação de Jair Bolsonaro. A coerência democrática nos manda respeitar
horizontalmente a posse de todos os representantes eleitos, e não apenas dos
que nos interessam.
Os
resultados eleitorais de 2018 foram lamentáveis, e o campo progressista e
popular sofreu a mais perigosa de suas derrotas, desde a redemocratização. Cabe
enfrentar essa realidade, porém, com pé no chão e altivez política, aceitando o
resultado e usando os mandatos parlamentares para fazer oposição, responsável,
inteligente, democrática, desde o dia da posse, estando presentes, como
testemunhas, ao governo escolhido pelo povo.
Publicado
originalmente no blog O Cafezinho
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