Neste 18 de dezembro de 2018, data que marca os 60 anos de emancipação política de Altaneira, o BA traz entrevista exclusiva com um dos personagens políticos de maior prestígio na história desta cidade.
João Ivan Alcântara foi prefeito por quatro vezes (1977, 1989, 1997, 2001), vice-prefeito uma vez (1974, assumindo por 6 meses) e, mais cedo na juventude, exerceu importante papel para a independência de Altaneira.
Nasceu em Assaré no ano de 1936. Aos três anos de idade veio para Altaneira com a família. O pai Antônio Pereira Alcântara, oriundo de Várzea da Conceição, em Cedro, era agricultor e pequeno comerciante. A mãe Maria Sinen de Araújo, do Catolé, na Serra do Valério, foi letrada, trabalhando com o esposo.
Na infância João Ivan foi destinado a ser padre, um sonho de sua mãe, enviado para o internato no Colégio Salesianos, em 1946, em Recife. Apesar de não percorrer a vida sacerdotal, foi nesta instituição que aprendeu a ler, escrever e os ensinamentos básicos da Filosofia.
Na juventude João Ivan trabalhou com o Coronel Manoel Pinheiro de Almeida para elevar o distrito de Altaneira a município. Bateu de porta em porta, de sítio a sítio, produzindo pesquisa que fundamentaria a defesa para emancipação. Nesta época aprendeu a política do cotidiano e viu a dura realidade do altaneirense, ensinamentos que lhe serviram por muito tempo.
Considerado um dos principais políticos e mentores da cidade, João Ivan também sofreu altos e baixos na carreira, sendo alvo de traições, decepções políticas e tendo seu maior pupilo cassado do mandato de prefeito.
BA - Quando surgiu o interesse pela vida política ativa?
Em 1955, me tornei vocacionado para a política. Nessa época, Altaneira era distrito pertencente a Farias Brito, tendo o Coronel Manoel Pinheiro de Almeida como prefeito. Ele, que tinha o governo, a câmara e sendo quase filho de Altaneira, teve a atitude de tentar aproveitar a política em sua mão e inserir Altaneira no meio dos distritos que tentavam se provar município.
Ele procurava uma pessoa alfabetizada para um trabalho e, na cidade, somente eu e Socorro Carneiro éramos. Como era um serviço de andar a pé, a cavalo, no sol o dia todo, ele me fez o convite. O ano era 1957. Quando cheguei em Farias Brito ele tava com a portaria feita, com minha nomeação pronta e eu ainda sem saber o que seria. Ele me nomeou como fiscal de arrecadação do distrito, mas praticamente não era isso que ele queria comigo. Depois de assinar, ele me levou até o IBGE para aprender como seria o preenchimento de formulários, requisitos e boletins para criar a cidade de Altaneira.
BA - Como foi este trabalho?
Foi uma espécie de censo. Ele me disse “você vai me elevar o número de eleitores, de casas e toda a parte econômica para mandar para Fortaleza”. Eram 90 dias para ver se Altaneira entrava com os demais distritos, como Antonina, Catarina, Potengi. Ele ficou com medo de lançar a ideia e não dar certo, afinal política é política e precisou dos dados antes. Então fiz esse trabalho de “crescer” o eleitor. Existe até uma piada. Eu disse “Seu Né, tem muita gente que fisicamente aparentam 18 anos e se ele não tiver os 18 completos, o que faço?” E ele me respondia “Se ele não tem registro, eu empresto os meus até formular os 18”. E assim o fiz. Como os rapazes eram corpulentos, não dava para o juiz desconfiar que ele era “de menor”. Se fazia o pedido do registro alterando os 2 anos para o rapaz tirar o título de eleitor.
BA - Aumentou muito?
Uns 30%, mais ou menos (Risos). Teve que aumentar. A lei só aceitava ser município com 6 mil habitantes. Somente agora passamos disso. O grande negócio era o deputado segurar na oratória o candidato dele. Nosso deputado estadual Cicinato Furtado Leite era muito temido na época, então foi uma negociada: “assine aqui, que eu assino ali”. Essa foi a sorte de Altaneira.
BA - E como se portaram os políticos de Altaneira nesta época?
Tivemos uma política ruim como distrito. Se você olhar a história de Altaneira, nós fomos de Santana do Cariri, de Assaré, de Farias Brito, voltamos para Assaré e depois para Farias Brito. Ninguém nos quis. Ficamos de mão em mão, até que essa lei nos salvou. Sendo cidade ou distrito, a política é algo que existe em toda sociedade. Já existiam candidatos aqui. O primeiro a conseguir se eleger como vereador foi Chico Fenelon. Lançaram Joaquim Bitu pelo PSD e Chico pela UDN, sendo este o candidato do Manoel de Almeida, e o eleito. O período de Manoel de Almeida foi muito bom para nós, porque tínhamos tudo. Ele tinha (parceria com) o Governo do Estado, a Câmara de deputados, a Câmara Municipal.
BA - O que queriam estes políticos? Houve quem fosse contra a criação do município?
Muitos queriam a emancipação e outros não queriam. Foi uma briga política. Você sabe como é. Um lado e o outro pula fora. Alguém não quer porque não é do seu interesse, do seu entendimento. Nesta época, em agosto 1958, eu viajei para Goiás. Todo o trabalho que fiz com os dados, o pleito sobre Altaneira foi contemplado em dezembro, justamente no 18 de dezembro de 1958.
João Ivan mantém um gabinete em sua casa onde ainda atende seus correligionários (Foto: Alana Maria) |
BA - Foram poucos dias para um longo trabalho. E ali já se resolveu a questão do município?
Ainda não. Só a lei não faculta o município. O que assegura o poder ao município é a administração, a instalação com independência. E só se é independente com Câmara e Prefeitura, os dois poderes.
BA - E este trabalho de pesquisa lhe inseriu na vida política de vez?
Sim, nesse período. Dava-se o nome grosseiro de “cabo eleitoral”, que era aquele que visitava, que conversava com o eleitor, que convencia ele que as coisas poderiam melhorar. Era a pessoa que preparava o eleitor. “Não, mas não tenho registro”. Eu faço o registro. “Não, mas quero casar civil”. Eu faço o casamento. Quer dizer, pronto para fazer o eleitor.
Já fazíamos as coisas por eles (os eleitores) de muito tempo. Era para ele ir no cartório, fazer seu registro, tirar a segunda via, fazer o requerimento para título e votar em quem quiser, mas essa subordinação (do político com o povo) já vem de muito tempo.
BA - Então o trabalho também seria para registrar oficialmente cidadãos e eleitores altaneirense, não apenas um levantamento quantitativo.
Veja, o registro público era muito difícil naquela época. Era preciso ir em Santana do Cariri… A pessoa podia até achar que não teria sentido ter um registro, um título. Eram tão desinteressados que até você dando o documento, a fotografia, levar no lugar, pagar almoço, eles ainda botavam banca. Eles achavam que tudo aquilo era para a gente (políticos), que não beneficiaria em nada para eles. Quer dizer, naquela época você chegava na casa das pessoas e eles não tinham nem documento de certidão de nascimento, imagine saber que votar era um dever cívico, um direito, uma obrigação.
BA - Aprendeu assim a política na prática?
Na época que comecei política era assim. O cabo eleitoral é esta pessoa, sendo político ou não. Era o professor do eleitor, votando na gente ou não. Eu não devo nenhuma eleição a cabo eleitoral. Quer dizer, eu sabia fazer, então eu mesmo fiz minhas campanhas. Qualifiquei o povo. Conheci. Fui na casa de um por um para fazer o eleitor. Eu fui um prefeito que sabia onde estavam as pessoas. Não pedi nada a ninguém para fazer aquilo que eu sabia fazer. Ou melhor: que eu já havia feito para os outros. Parece que teve só eu de político que fez esse trabalho por si mesmo. É tanto que nas minhas apurações eu sabia com quanto eu ganhava. Era capaz de fazer minha eleição sem o juiz apurar. Isso porque eram pessoas que estavam no meu dia a dia e os números estavam no meu fichário.
BA - Depois disso disputou eleição?
O primeiro interesse era a criação do município de Altaneira. Todos os dados para esta criação passaram por minhas mãos. Com isso, teve a eleição. Eu sabia que íamos perder a eleição porque em 1958 teve uma seca muito grande e a SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) jogou tudo nos candidatos do PSD. Eles faziam negociata do voto com dinheiro da SUDENE. Não havia quem escapasse. Quem deu eleição não foi o povo, foram as cadernetas de auxílio. Em 25 de março fui exonerado. Era assim. Quando a UDN ganhava, tirava os pessedistas, quando o PSD ganhava, tirava os udenistas. Então viajei. Precisava de trabalho. Nessa o Coronel Manoel de Almeida ainda fez um vereador em Altaneira, que foi o Fenelon. Em 1959 matam o Né de Almeida quando ele era candidato a prefeito de Altaneira e eu não estava aqui. Quando voltei em 1960, Fenelon era prefeito.
BA - O senhor ainda seria eleito prefeito outras cinco vezes. Como isso se deu?
Em 1965, teve o concurso e vou trabalhar na Secretaria de Fazenda. Em 1972, todos me apoiavam a candidato - a Câmara, os deputados, o prefeito. Nessa época existia isso de eleição única, candidato único. Não existia democracia. Se eu quisesse poderia ter sido prefeito ali, mas eu sentia que o povo não queria mais aquilo, que o povo estava rompendo esta amarra para ir a uma eleição dividida, com dois candidatos. Depois que recusei, lançamos dois candidatos, sendo Fenelon e Oliveira. Eu fui o vice de Oliveira e nos elegemos em 1973.
BA - Em 1977 começa seu primeiro mandato como líder da chapa, como prefeito. Como foi essa primeira gestão?
Não foi melhor por falta de recurso. Fui vítima de mandatos com pouco dinheiro, mas havia despesa. Houve tanta boa vontade e garra para trabalhar. Era como se Altaneira fosse meu patrimônio, algo da minha família. Mesmo sem recurso ainda fiz um bocado de obras. Comigo foi criado colégio de primeiro e segundo grau, saneamento, rede de água. Eu tinha visão e não gastava à toa. De fato, só a partir de 1986 começaram a chegar recursos federais em Altaneira. Foi difícil começar o ano e só ter algum recurso no final daquele ano. Havia algo errado nessa estrutura. Eu sofri porque não tinha como fazer nada. Nessa época não tinha tanta briga por prefeitura como se tem hoje, porque não havia dinheiro. Nem o salário era bom. Não se entrava em uma prefeitura pensando em dinheiro, como hoje. Era diferente. Antes você tinha que ser praticamente um benfeitor, trabalhar de graça. Meu último orçamento em Altaneira, em 2004, foi em torno de 3 milhões e 900 mil reais, coisa que não consegui arrecadar totalmente. Hoje temos em torno de 20 e tantos milhões de reais. Então às vezes não se vê o trabalho, mas vê muito bem o dinheiro.
Em Brasília ao lado de outros prefeitos com o então Presidente FHC (Foto: Arquivo Pessoal)
BA - Como Altaneira era na visão do senhor?
Altaneira era pobre. Era pouco dinheiro para muita coisa a ser feita. A urbanização precisava ser feita porque nossas ruas muito arenosas ficavam acidentadas. Cada rua era um rio que ia dar na lagoa. Educação foi o foco. Se não investisse em educação não havia começo de nada. Hoje os prefeitos não sofrem com nada. Sofreram fomos nós. Eu tive que buscar professor em fábrica de tijolo do Crato. Por que? Era diplomada, mas não tinha condições de trabalhar porque os contratos eram pra filhos de fulano. Eu dei essa oportunidade. Naquele tempo tínhamos que ir atrás. Ainda bem que hoje temos muito para exportar.
BA - Como o senhor conseguia manter o apoio político?
Era diplomacia. Sempre fui passivo com minhas coisas na política. Sempre respeitei a liderança. Nunca perdi uma sucessão. Meu trabalho foi de porta aberta. Nunca briguei com a Câmara de Vereadores. Era questão de relações públicas. Precisei aprender a diplomacia quando trabalhei na SEFAZ. Se você consegue dominar um cara embriagado, rebitado, num posto fiscal que chega para a briga sem querer pagar o imposto e você faz com que ele pague, é porque você é bom naquilo.
BA - Mas como lidar com os interesses opostos?
A primeira coisa que você tem que ter como administrador é a confiança nos seus colegas. É preciso lealdade. Não me consta, não me lembro, se fiz deslealdade que provocasse um sentimento a pessoa. Acho que minha permanência na política de Altaneira foi por este objetivo de ser leal. Por que hoje vemos a degradação da política? Porque não há fidelidade: você coloca alguém em um cargo de confiança e quando dá fé ele está te traindo, está te roubando.
BA - Houve traição com o senhor?
Eu lidei com esse tipo de gente. Mas era algo a parte, um cargo isolado. Não penetrou no coração da administração. Tentei fazer minhas administrações isolando a parte principal. “Você pode mexer em outras veias, mas no coração, não”.
BA - Vamos dar nome aos bois. O senhor ficou decepcionado com Dorival Arraes?
Demais, demais. Foi inesperadamente aquilo ali. Em política, realmente, existem várias coisas que podem te levar a esta situação, mas existe o peso que você suporta. Só vai até ali. Mas no caso de Dorival, mesmo se você colocasse o maior filósofo, intelectual, para estudar ele, essa pessoa erraria também. Ali foi um caso inédito.
BA - O senhor apostava muito nele, seu sobrinho e pupilo.
Eu já tinha alguma análise sobre a pessoa dele, mas não tinha suspeita. Aquilo que você nunca imaginou que poderia acontecer é o que acontece. Foi violento. Aquele menino eu criei dentro da prefeitura. Fiz quatro eleições do pai dele, fiz a eleição da mulher, fiz a dele para vereador, fiz de Dorivan, fiz de Zé Arraes. É muita coisa. É o peso de um trem. De santo ele virou o satanás. Eu não conhecia o íntimo dele.
BA - O senhor também esteve presente na campanha de Dariomar e hoje está afastado.
Ajudei, fiz campanha. Não era meu candidato, mas era da coligação. Vejo gestores de hoje, que a gente trabalhou, ajudamos a eleger e quando chega lá, a gente já é falecido há muito tempo. Às vezes ficamos com vontade de ajudar aquilo que vemos se desmantelando, mas sente também, por outro lado, que aquela pessoa não precisa de você, porque não te procurou.
Mas a facada de Dorival foi dez vezes mais forte, até porque eu não tinha capital político suficiente para aguentar aquilo. Houve traições, mas nada semelhante a briga que teve com a família Arraes. Lembro que no dia de tirar o nome dele como candidato. Chorou a mãe, o irmão, chorou tanta gente que não tinha como aquilo dar certo mesmo. Ia terminar dando em lágrimas. Parece o verso da Salve Rainha: “chorando e gemendo neste vale de lágrimas”. Foi o que aconteceu.
BA - Mesmo depois disso o senhor continuou ativo politicamente.
Política não é para ser assim. Se você for ver, política é algo bonito. Só deixo a política quando morrer. Hoje faço política de observações, silenciosa. A política é um desenho da sociedade. Não é feito para traição. Eu não desejava mais ser mandatário. Existia um desejo da juventude em passar pelo poder e era meu dever guiar isto. Mas infelizmente não tivemos sucesso. Três jovens que foram e falharam.
BA - E agora, qual futuro terá a política de Altaneira? Há um novo pupilo?
Infelizmente não vejo nada. Estou aguardando. Tu olha assim nossa juventude e parece que não tem ninguém preparado para o tamanho da coisa. Essa é a verdade. Geralmente o perfil é aquele jovem social, abrasivo, que está no meio de tudo, prestativo, ativo, trabalhador. Essa pessoa jovem está faltando em Altaneira. É necessário habilidade para ser líder. Altaneira me transformou em líder, mas comecei em 1957 e para me tornar líder em 2004. Na mesma profissão, realizando o mesmo trabalho. Sem traições. Claro que a política tem sua didática, mas é necessário lá na frente fazer um consórcio.
No portão (sempre aberto) de sua casa, no centro da cidade (Foto: Alana Maria) |
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