Nicolau Neto na mesa debate durante IX Semana de Filosofia da UFCA (Foto: Wellia Felipe) |
Foi
realizada na Universidade Federal do Cariri (UFCA) no período de 19 a 22 a nona edição da Semana de
Filosofia, evento anual organizado pelo Centro Acadêmico de Filosofia, este ano
com tema “O Lado Negro da Filosofia: Africanidades, Educação e Resistência”,
visando proporcionar o compartilhamento de experiências e conhecimentos entre
estudantes, pesquisadores, docentes e demais membros da comunidade.
Segundo
informações da coordenação do evento, as ações deste ano contou com mesas
redondas, rodas de conversa, oficinas, minicursos, vivências e apresentação de
produções acadêmicas e não-acadêmicas e a escolha da temática partiu da
necessidade de “fazer afrontamento à ausência de estudos e pesquisas sobre
africanidades e filosofia africana na UFCA e na academia de modo geral”, além
de pretender “afrontar a problemática da construção e perpetuação de um espaço
hegemonicamente branco, assim como a importância de reafirmar a necessidade da
política de cotas raciais e sua efetivação na prática”. “Outro aspecto
fundamental é pensar a permanência das pessoas negras nas instituições de
ensino superior que são estruturalmente racistas”, argumentou-se.
A
Semana foi norteada a partir de três eixos centrais inter-relacionados -
africanidades, educação e resistência -, objetivando, dentre outros, refletir e
fazer enfrentamento aos longos anos de injustiça e invisibilização
epistemológica para com as produções de autores e correntes filosóficas de
pensamento não-eurocêntricas, nesse caso específico, as de origem africana e
afrodescendente. Para tanto, vem desenvolvendo uma ampla e diversificada
programação.
Na
última quarta-feira (21/11) o professor altaneirense Nicolau Neto e a professora
doutora do Departamento de História da URCA, Maria Telvira participaram de uma
mesa redonda que tinha como proposta discutir "Os Avanços e Desafios da
Lei 10.638/2003: História e Cultura Afro-brasileira na Educação Básica”.
A
professora Telvira versou sobre a trajetória da educação e a luta do povo negro
pela libertação com enfoque sobre “os projetos antirracista no Brasil e o papel
da escola”. Ela trouxe a luz diversas iniciativas, coletivas e individual, de
pessoas negras em educar crianças e jovens de pela negra. Ela citou como
exemplo a iniciativa do professor “preto” Pretextato dos Passos e Silva que, no
século XIX (ainda no período escravocrata) criou uma escola específica para
esta parcela da população.
Telvira
relata que no Brasil as elites brancas sempre fizeram de tudo para não se
“misturar” com o povo negro, se valendo do próprio caso de Pretextato para
referendar sua posição. Segundo ela, o próprio professor relatou na época que em algumas escolas os pais dos estudantes de pele branca não queriam que seus
filhos e filhas “ombreiassem” com os de pele negra.
Ela discorreu ainda que o
pais carrega traços de um sistema escravista implementado em mais de três
séculos e que a falsa ideia de igualdade é o principal obstáculo para a
construção de um projeto de escola antirracista. E concluiu afirmando que antes
de 2003 nada de concreto se tinha nas escolas sobre a história e cultura
afro-brasileira, africana e indígena e ressaltou que o que se vem discutindo é
sobre desigualdades raciais que gera uma desigualdade de oportunidades. O que
acaba confrontando a igualdade formal expressa na Constituição de 1988 e a
igualdade real inexistente na sociedade brasileira.
Já
Nicolau falou especificamente dos avanços e dos desafios da lei. Ele destacou
que ali estava de discutindo sobre uma lei federal que completou 15 anos e que
ela é importante porque “já deu uma grande contribuição para nós, enquanto
país, uma vez que que trata-se de um documento a nível federal e que com peso
legal”.
“Por
ela e a partir dela”, disse, “construiu-se ferramentas pedagógicas legalizada
que pode garantir, de bem utilizada, que todos nós tenhamos acessos a conteúdos
antes silenciados que corroborem para a formação humana/cidadã baseado na
nacionalidade, na identidade e na diversidade do povo negro e indígena”.
Ao
se debruçar nos 15 anos da lei que tornou obrigatório o ensino da história e
cultura afro-brasileira e africana na educação básica, Nicolau arguiu que a
própria obrigatoriedade permite que ela (lei) se torne uma realidade, pois de
alguma maneira se aborda nas salas de aula. O que, segundo ele, faz com que
“fiquemos vigilantes para a forma com que se aborda”. “Muitas vezes são
discussões fora de propósito e que podem levar a perpetuação do racismo e das
desigualdades”.
Para
Nicolau há em algumas escolas um histórico de professores e professoras que
decidem trabalhar os conteúdos – muitas vezes com fortes ligações com os
movimentos sociais negros -, e que ainda colaboram e incentivam os demais
companheiros de jornada de outras disciplinas a trabalharem nesse sentido.
“Isso é um desafio que foi colocado a partir da lei e vem se tornado um forte e
bom desafio pedagógico”, ressaltou.
“Por
isso a lei já e uma realidade nas escolas, embora ainda não tenha sido
efetivada plenamente. É uma realidade quando vemos que atinge alguns
profissionais. É uma realidade quando ela nos impõe a enfrentar cotidianamente
as adversidades, muitas vezes impostas no próprio ambiente de trabalho”.
Na
parte final, o professor destacou os principais desafios no que pese a
aplicabilidade da lei. Para Nicolau, a maior dificuldade em implementar essa
discussão vem dos próprios ambientes de ensino. Seja pela ausência de formação
na área, seja por tendo, se recusam a efetivá-la. “Por que isso ocorre? ”,
indagou.
Nicolau responde que isto “ocorre em virtude do imaginário do povo brasileiro que desvaloriza
as nossas raízes; que não reconhece a história do povo negro no que pese as
vivências e as identidades”. É um imaginário que se arvora em dizer que todos
somos iguais e que não há racismo no pais e que por isso abordar essas questões
leva a um “racismo reverso”, o que segundo o professor, “é descabido”. Tudo isso acaba por contribuir ainda mais na
resistência nas escolas em aplicar a lei.
Para
Nicolau, outro grande desafio é fazer com que as pessoas envolvidas diretamente
no processo de ensino-aprendizagem nos estabelecimentos oficias entendam “que
nós precisamos educar para as relações étnico-raciais”.
"Se
há resistência em aplicar a lei haverá também por nossa parte resistência, pois
essa é a nossa marca. A nossa história nos credencia a ter esperança de que as
futuras gerações possam ter um ensino sem a necessidade de leis para destacar o
óbvio. Que essas futuras gerações possam ter acesso a esses conteúdos a serem
estudados”.
Após
as explanações dos professores o público presente formado por estudantes e
professores fizeram intervenções.
Estudantes e professores fizerem intervenções após as falas de Telvira e de Nicolau. (Foto: Rodrigo Manfredine). |
Com
informações Blog Negro Nicolau
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