Guardei
na memória e para a vida uma colocação de meu professor de Estrutura e
Funcionamento do Ensino na Faculdade de Educação – USP em 1994, Jair Militão: "O justo numa sociedade não é a existência de igualdade de oportunidades, mas,
sim, igualdade de condições entre pessoas de uma mesma sociedade".
Quando
se pensa em igualdade de condições nós podemos pensar nas condições reais de
vida, a classe social, a realidade concreta das pessoas para a sobrevivência
digna e capaz de disputar espaço, melhores empregos e qualidade de vida dentro
de uma sociedade capitalista.
Então,
poderemos elencar alguns dados que nos podem mostrar uma verdadeira
meritocracia ou de fachada:
1)
Condições de parto da mãe que gerará uma criança: exames pré-natal,
acompanhamento médico, alimentação adequada da grávida, parto em local seguro,
etc.
2)
Local em que mora a criança que nasceu: estrutura de um quarto para ela; o
ambiente interno e externo da casa ; a infraestrutura do bairro, com a
existência ou não de praça, parque, equipamentos culturais, água encanada,
calçamento nas ruas, verde,poluição visual e sonora; condições de amamentação, idas periódicas ao
médico, alimentação adequada, com todos os nutrientes necessários, etc.
3)
A criança cresce em um ambiente em que o capital cultural familiar propicia uma
leitura de livros de crianças acompanhado dos pais? Ela tem a oportunidade de
brincar, tem brinquedos? Frequenta a pré-escola, brinca com outras crianças,
vai ao parque, à praça, presente no bairro, etc?
4)
No período de ensino fundamental, a criança tem espaço para estudar,
alimenta-se adequadamente, mora em uma casa decente, tem condições de comprar o
material escolar, a escola dela tem professores capacitados, estrutura física
interessante e projeto pedagógico que engloba
Educação, trabalhos lúdicos, esporte, estruturas para aprendizado de
pequenos ofícios e artes ? Há atividades para a criança em espaços outros fora
da escola como museus, parques, viagens ao campo, faz curso de idiomas, etc?
5)
Na adolescência, o jovem só estuda, se alimenta adequadamente, mora em uma casa
decente, tem condições de comprar livros e é incentivado a lê-los? Há
atividades extraclasse? A escola está caindo aos pedaços ou é bem-conservada,
tem laboratórios e bons professores? Ele vai ao cinema, ao teatro, viaja com a
escola. Ele tem espaço em casa para estudar e fazer trabalhos com os amigos de
classe? Pode estudar em silêncio, tem estrutura de livros e internet e
familiares capacitados para ajudá-lo em algum dever de casa?
6)
Na vida adulta, pode prestar vestibular
para Faculdade que requer material caro, como Medicina, Arquitetura? Caso não
entre em uma universidade pública, pode pagar a mensalidade de faculdade top ou
tem de estudar em uma mais barata? Tem dinheiro para pagar materiais
necessários, transporte e alimentação?
Trabalha e estuda ou não? Os deslocamentos — casa/escola/casa ou
casa/trabalho/escola/casa — são demorados e feitos de carro ou
ônibus/metrô/trem? ?ode fazer um bom cursinho pré-vestibular, etc?
7)
Formado, se quiser prestar concurso público, tem como pagar cursinho
preparatório, comprar as apostilas e livros complementares? Só estudará para o
concurso ou trabalhara e estudará, etc?
Se
forem igualitárias as condições de vida entre as pessoas nessas em todas as
sete etapas ou de 1 até 6 (para inserção no capitalismo e sua competitividade
extrema por um lugar ao sol), eu posso dizer que estamos apontando para a
meritocracia em seu conceito justo. Isso, claro, se a pessoa der o melhor nos
estudos, for mais esforçada e alcançar um bom emprego por causa disto. Caso
contrário, não há meritocracia alguma.
O
que há é a falácia neoliberal da igualdade de oportunidades; é o privilégio de
classe social mascarado, muito comum no Brasil.
Por
isso, se quiserem falar de meritocracia, falem de igualdade de condições e não
igualdade de oportunidades, senão o mérito deixa de existir.
Se
dois pilotos,perfilados lado a lado, correrem, quem vai vencer, o que pilota um
Fusca ou uma Ferrari ?
A Ferrari, claro! A igualdade oportunidades é esse desequilíbrio.
Se
fosse a igualdade de condições, os dois começariam a correr de Fusca ou de
Ferrari, e venceria o melhor competidor. A igualdade de condições é esse
equilíbrio na competição.
Se
queres vencer e dizes que foi por mérito, antes de tudo, me responda: Você e o
seu oponente largaram com o mesmo “carro”?
Ou
seja, do parto à idade adulta, com qualidade de vida semelhantes. Não falo aqui
de luxo nem de exageros de consumo, mas dos direitos básicos ao desenvolvimento
físico e intelectual entre competidores.
Publicado
originalmente no Vi o Mundo
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