Esta
é uma pergunta que mobiliza o País: a despeito de todas as concessões, por que
a greve continua? Embora o governo tenha cedido em quase todos os pontos da
pauta dos caminhoneiros, aprovando a redução do diesel em R$ 0,46 por dois
meses, a sensação é de que os manifestantes desejam arrancar mais.
Michel Temer
(MDB) está na lona, e um presidente fragilizado é um alvo tentador. Como uma
zebra atravessando a savana africana.
Que
o governo terminou, não há dúvida – primeiro com a delação da JBS e agora neste
maio com a greve. Sem autoridade, faz cortesia com o chapéu alheio, recorrendo
a benesses que vão comprometer as contas de quem assumir o comando dessa nau
tresloucada chamada Brasil a partir de 2019, como subsidiar o congelamento do
preço do diesel por 60 dias ou elevar impostos a fim de compensar a perda de
arrecadação. O cálculo é simples: alguém vai pagar a fatura. E não são os
empresários, tampouco os acionistas da Petrobras.
É
você, contribuinte, que apoiou a paralisação acreditando que o preço da
gasolina também iria cair e agora se depara com um boleto de R$ 10 bilhões para
pagar (o custo estimado do pacote de bondades para os caminhoneiros).
E
parte da culpa é do próprio governo. Numa sucessão de trapalhadas, Temer negou
a gravidade da situação antes de se decidir a negociar com os grevistas. Quando
finalmente sentou-se à mesa, era tarde. Convocou lideranças de fachada para uma
reunião de emergência em Brasília no final da noite de quinta-feira. Encerrado
o encontro, anunciou o fim da greve. Quatro dias depois, as estradas do País
continuavam bloqueadas e o abastecimento, suspenso.
O
cenário é preocupante. Os manifestantes sentiram cheiro de sangue. Farejando a
carne, outras categorias ensaiam uma pilhagem de olho em possíveis benefícios.
Restam ainda seis meses de mandato, mas os despojos do governo estão em
disputa.
NÃO
É APENAS PELOS 46 CENTAVOS
Em
sua segunda semana, a greve mostra que a paralisação atingiu esse patamar em
que uma bandeira tarifária que estava na raiz do descontentamento de uma
categoria se converte rapidamente em movimento político para dar vazão a uma
rejeição difusa no País.
E
o que acontece quando chega a esse ponto? Abraça generalidades. Como os
manifestantes não têm comando político (à esquerda e à direita) e os partidos
são rechaçados por essas aglomerações espontâneas, o movimento alimenta-se de
demandas abrangentes tão logo são atendidas as reivindicações imediatas. Em
2013 foi o “contra tudo que está aí” – a razão primeira era o aumento da
passagem dos transportes em São Paulo, depois revertido. Em 2015 foi a vez do
“basta de corrupção”, cujo pontapé foi o “Fora, Dilma”. E em 2018? O aumento
dos combustíveis, que vem degenerando agora em pedidos de intervenção militar
misturados a gritos de “Fora, Temer”.
Nos
três casos, ficou claro que: 1) o nível de irritabilidade da população é alto
com a qualidade do serviço que retorna sob a forma de recolhimento de impostos;
2) incapazes de se antecipar, os governos não se mostram preparados para lidar
com as manifestações; 3) não há liderança identificável nessas mobilizações, o
que aponta para uma configuração diversa de participação política, definida
muito mais por causas específicas; 4) a cada nova onda de protestos, acentua-se
o abismo entre representantes e representados, o que compromete o papel de
Legislativo e Executivo na resolução dos impasses nacionais e, em última
análise, fragiliza o processo eleitoral.
A
GREVE DO ZAP
Outro
aspecto curioso nessa greve é o farto uso dos aplicativos de troca de mensagens
e o total embaraço dos governos – e nosso, da imprensa – na tentativa de mapear
interlocutores e chegar a uma cadeia de transmissão de comandos e tarefas. É
como se estivéssemos todos às cegas.
A
paralisação dos caminhoneiros é uma aula prática de economia e política. É,
nesse sentido, pedagógica. Depois dela, mesmo a campanha eleitoral precisará
ser vista sob outra ótica. A agenda dos motoristas impôs um debate inadiável
sobre alguns temas que devem atravessar a campanha. Entre os quais, monopólio
da Petrobras, preço do combustível, modelo de desenvolvimento, matriz
energética, malha rodoviária, distribuição de alimentos, mecanismos de
abastecimento de pontos cruciais para o funcionamento das cidades (portos e
aeroportos e sistema de saúde). E, talvez o mais importante, justiça
tributária. Os mais ricos precisam pagar mais.
Isso
é uma demanda urgente.
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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