Em
ritmo monocórdio, O processo, de Maria Augusta Ramos, narra a queda da
ex-presidente Dilma Rousseff (PT) como ela foi: dramática, mas também cômica.
Um relato “rodrigueano” da deposição da primeira mulher eleita presidente da
República por um grupo de homens grisalhos que se reuniram em torno da figura
histriônica do vice Michel Temer (MDB).
A
partir dos seus aspectos burlescos, então, a diretora conta uma história colada
ao ponto de vista da defesa, avançando aqui e ali para explorar os gestos e
frases de efeito da advogada Janaína Paschoal, autora da denúncia contra Dilma,
e de outros personagens dessa trama política que mobilizou o País por 180 dias.
Ao
remontar os episódios que se seguiram à admissibilidade do impeachment pela
Câmara dos Deputados, a cineasta recorre a detalhes que, tomados em conjunto,
destacam-se pelo que têm de extravagantes. E, passados dois anos desde o
afastamento definitivo de Dilma, eles não são raros.
A
certa altura, por exemplo, um entediado senador Raimundo Lira (PSD) pede que um
funcionário da Casa substitua a campainha em plena sessão que discutia as
acusações. Segundo o parlamentar, o apetrecho “não estava à altura do momento
histórico do País” — o som era muito discreto, soando como um despertador de
criado mudo. Noutro ponto, a própria Janaína surge devorando uma caixa de
Toddynho antes do reinício dos trabalhos.
Até
que, já perto do final, uma cena inusual: defendendo-se no plenário do Senado,
comandado pelo ministro do Supremo Ricardo Lewandowski, a própria petista, que
havia horas falava, se vira para o adversário Cássio Cunha Lima (PSDB) e ri sem
motivo. O tucano, então, cai na gargalhada. Os dois demoram-se nesse gracejo
mútuo ainda por algum tempo. São instantes de alívio em meio a um processo
tenso.
Disso
resulta que, no documentário, o impeachment seja tratado como uma peça de
teatro. Todos atuam, do presidente do Congresso, Renan Calheiros (MDB), aos advogados
de defesa e acusação.
Alguns
são canastrões. Caso do tucano Antonio Anastasia e dos senadores Ronaldo Caiado
(DEM) e Magno Malta (PR). Outros desempenham papel de heróis, como o do
advogado José Eduardo Cardozo.
Nem
tudo é zombaria, porém. O processo joga luz sobre bastidores importantes para
compreender a via-crúcis de Dilma e os meandros da batalha jurídica no Senado
no centro da qual estavam as enigmáticas “pedaladas” fiscais. Um deles diz
respeito à liderança exercida pela senadora Gleisi Hoffmann, hoje presidente do
PT. Cabe à petista a análise fria: àquela altura, ainda que fossem vencedores
nessa guerra, Dilma já não reunia condições de governar.
O
outro momento é quando Gilberto Carvalho faz o que se espera ainda hoje da
legenda: uma autocrítica. No desfecho do filme, e com a presidente prestes a
ser impedida, o ex-ministro, em momento de aguda lucidez, fala a um grupo de
apoiadores o que talvez nenhum deles esperasse: golpe ou impeachment, o PT
havia colaborado decisivamente para o melancólico capítulo final de 13 anos de
governo.
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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