Lava-jato desativado serve de local de banho para acampados em Curitiba (Foto: René Ruschel) |
Há
menos de quatrocentos metros da sede da Superintendência da Policia Federal, no
bairro Santa Cândida, em Curitiba, um lava-jato desativado abriga dois
contêiners que servem de local para o banho das mais de mil pessoas que
permanecem acampadas em protesto a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. São apenas dez chuveiros em cada container. As mulheres têm direito a
sete minutos para o banho, enquanto os homens apenas cinco. No fim da tarde, a
fila se esparrama pela calçada.
Desde
domingo 8, os manifestantes enfrentam alguns problemas pertinentes a qualquer
acampamento. As barracas, dispostas sobre calçadas ou espaços gramados, dividem
as ruas com ônibus. As cozinhas, dezessete ao todo, são coletivas. Os únicos
vãos livres são a entrada dos carros nas garagens. Alguns moradores contrários
a presença dos manifestantes cercam a frente da residência com cordas ou fitas
adesivas. Outros se mantêm reclusos e evitam qualquer tipo de contato.
Nesta
sexta-feira 13, a prefeitura de Curitiba pediu a transferência de Lula da sede
da Polícia Federal. No início da semana, os delegados da PF haviam feito a mesma
solicitação ao alegarem transtornos para a rotina policial.
À
medida que as caravanas aumentavam e os problemas cresciam, a única solução foi
apelar para a solidariedade dos moradores. Gelsoli Bandeira dos Santos,
servidor público municipal, foi um dos que abriu os portões e portas para
receber os acampados. “Eu trabalhei na rua durante muito tempo e sei o quanto é
difícil não ter um copo d’água. Por isso não pensei duas vezes em ajudar a quem
eu puder”.
Na
sua casa, os visitantes entram na sala, sentam no sofá, à mesa para as
refeições, tomam banho e assistem televisão. “Faço por eles o que gostaria que
fizessem por mim. Faço o que Deus toca em meu coração. Foram mais de quinhentas
pessoas que passaram por aqui”. Apolítico, acha a prisão de Lula uma enorme
injustiça. “Foi o único presidente que olhou pelos pobres. Eu mesmo, até ele
assumir o governo, só comia carne se fosse pé de frango ou carne de segunda”
afirmou.
No
outro lado da rua, Edvam, que preferiu omitir o sobrenome, conta que ficou
sensibilizado quando viu crianças chorando e mães procurando água quente para
fazer mamadeira. “Vi muita gente cansada, sem tomar banho e crianças chorando.
Ofereci primeiro as mulheres e crianças. Depois, vi que era gente do bem e
resolvi abrir a casa” conta ele.
Ana
Claudia da Silva, mora na casa ao lado. Quando viu o vizinho ceder as
instalações, resolveu imitá-lo. “Primeiro vieram pedir água. Depois, para
carregar o celular. Eu fiquei conversando com eles e vi que eram pessoas
sofridas, que precisam de ajuda. Eu sou pobre, moro em uma casa pequena, mas
ofereci ajuda”. Para ela, os acampados representam a luta em favor dos mais
pobres. “Quem critica a presença deles são os ricos. Eu não vi nenhuma
bagunça”. Afirmou.
A
dona de casa Regiane do Carmo Santos é outra que faz questão de dizer que “não
tem partido”. Para ela, ser solidário é obrigação de qualquer ser humano,
independentemente de partido, credo ou cor. “Na verdade, estou me sentindo
muito feliz, muito alegre de ter esse povo todo aqui na minha casa. De ver a
minha rua movimentada”.
Afirmou
que nunca tinha vivido qualquer experiência como essa, mas nesses dias aprendeu
muito conversando com as pessoas. “Eu achava que tudo isso era uma bagunça, mas
descobri que eles lutam por uma causa justa e pelo bem-estar das pessoas. Aqui
na minha casa tem médicas e professoras de São Paulo. Só aprendi com elas”.
Mas
nem tudo é solidariedade. Nas ruas que circundam o acampamento, o Batalhão de
Trânsito da Policia Militar, em parceria com a Secretaria Municipal de Trânsito
e a Guarda Municipal, organizou uma operação para guinchar os carros
estacionados. Um drone sobrevoa a área para auxiliá-los. Um morador que pediu
anonimato, afirmou que as ruas do bairro são pessimamente sinalizadas e que,
“jamais houve aqui qualquer blitz. Por que justamente nesses dias eles estão
aqui”?
Até
uma blitz foi improvisada. O motoqueiro Ronaldo, que também pediu anonimato de
seu sobrenome, teve sua moto presa por falta de pagamento do IPVA. Nervoso,
afirmou aos prantos que não perdia apenas a moto, mas o bico de entregador
recém-conquistado. “Reconheço que estou irregular, mas não paguei o IPVA porque
estou desempregado. Agora, prendem minha moto. Como vou sobreviver? Como vou
pagar o que devo? ” protestava sentado à beira da calçada.
Para
o sindicalista Carlos Rui Medeiros, de Florianópolis, tudo está sendo feito
para inviabilizar a presença dos manifestantes. “Eles querem esvaziar nosso
protesto. Não permitir carros ou guinchar é uma forma de intimidar. Mas nós não
sairemos daqui enquanto Lula estiver preso” afirmou.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário
A Administração do Blog de Altaneira recomenda:
Leia a postagem antes de comentar;
É livre a manifestação do pensamento desde que não abuse ou desvirtuem os objetivos do Blog.