A
morte de Marielle Franco causou comoção mundial, mas muita gente se mostrou
mais preocupada em questionar o sentimento e a revolta alheios. Além de
questionar os atos da vítima, apontar a vereadora e ativista como responsável
pela própria morte, devido a suas posturas.
Como
me esforço para acreditar na sinceridade das dúvidas, mesmo as mais cretinas, e
como procuro crer que se trata de desconhecimento, tentarei dar algumas
respostas:
1.
POR QUE NÃO SE FALA TANTO DE OUTRAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA?
Resposta:
Toda morte é lamentável, mas, no caso de Marielle, não se trata apenas de um
homicídio. Para entender a emoção e a indignação que sacode o Brasil, é
necessário entender a circunstância do crime e perceber quem era a vereadora.
Ela não foi mais uma vítima da violência urbana, assassinada como podemos ser
você ou eu, hoje ou amanhã. Ela não estava saindo do banco ou entrando no
supermercado e foi abordada por criminosos. Está muito claro que os criminosos
queriam matá-la, especificamente. Planejaram e executaram isso. E por que ela?
Porque
Marielle construiu sua trajetória com base no enfrentamento da violência em
suas mais diversas formas. É parlamentar de oposição no Estado, até onde se
sabe, mais corrompido no Brasil, onde praticamente nenhuma instituição está
incólume. Um Estado onde há enorme número de policiais sabidamente envolvidos
com o crime. Onde as milícias campeiam e se apossam da política.
Marielle
denunciou abusos, fiscalizou a ação do Estado, denunciou gente perigosa e
poderosa. E por isso foi morta. Ela não foi vítima de homicídio comum. Há
características de crime político. Ela não foi “apenas” assassinada, como
tantos são todos os dias. Ela foi silenciada.
Marielle
não é mais um. Ela é Chico Mendes, é Dorothy Stang, é Zé Maria do Tomé. Ela foi
assassinada para que não pudesse mais denunciar, para que não pudesse
incomodar. Por isso a reação não é apenas compreensível, é necessária. A
presença popular nas ruas para se indignar contra o que aconteceu é fazer ecoar
e persistir o trabalho dela.
Francamente,
reclamar da comoção e achar que é demais se trata de fazer o jogo dos
criminosos. É defender bandido, como gostam de dizer.
2.
MARIELLE DEFENDIA BANDIDOS?
Resposta:
Marielle era defensora dos direitos humanos. O que significa que ela defendia
direitos inalienáveis a todos os seres humanos, independentemente do que tenham
feito. Cometeram crimes? Devem ser punidos segundo as leis. Impor a eles algo
diferente disso é tornar-se bandido. E defender quem pune à margem da lei é
defender bandido. O crime cometido merece punição, mas não tira do autor a
condição de ser humano. Não é status revogável.
Um
monte de bestalhão critica os direitos humanos mas nem sabe o que são. Sabe o
que é direito humano? Direito à propriedade. Está lá na Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Sabe o que mais? Liberdade de religião. E mais: a família
como núcleo natural e fundamental da sociedade, sobre a qual não haverá
interferência na vida privada.
Também
estão lá direito à vida, à não discriminação, garantia de que não haverá
tortura ou tratamento degradante, presunção de inocência e garantia de que
ninguém será arbitrariamente preso. Isso é o mínimo civilizatório.
3.
POR QUE NÃO SE FALA TANTO QUANDO POLICIAL MORRE?
Resposta:
o assassinato de profissionais responsáveis por garantir a segurança é uma
tragédia, uma afronta ao Estado e precisa ser combatida. Mas é mentira,
descarada, dizer que o assunto não é noticiado. No Rio de Janeiro, tem sido
fartamente divulgada a dimensão da mortandade de policiais. No Ceará, não houve
assassinato de policial que tenha deixado de ser divulgado. Mesmo policiais
baleados foram notícia, como precisavam ser mesmo.
Esse
tipo de queixa não se trata de reivindicar que outras mortes sejam tratadas da
mesma maneira. Significa, isso sim, reclamar da atenção que está recebendo um
caso. São fiscais da tristeza alheia, patrulheiros da indignação e da revolta
que não estão sentindo.
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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