Quadro
Fortaleza Liberta - pintura de autoria do cearense José Irineu de Sousa.
Retrata a solenidade de libertação dos escravos de Fortaleza
|
O
Ceará foi a primeira província brasileira a libertar os escravos, quatro anos
antes da abolição da escravatura no Brasil. São 134 anos desde então,
comemorados hoje. Na política cearense — assim como no restante do País — a
pouca presença de representantes negros define uma realidade, no mínimo,
controversa: a minoria é quem representa a maioria. Dos 89 parlamentares da
Câmara de Vereadores de Fortaleza e da Assembleia Legislativa do Ceará, apenas
dois são negros.
“Se
no período do Império, os brancos mais ricos eram dependentes dos negros para
produção de alimentos e acumulação de riquezas, pela mão de obra escravizada,
no presente, se tornam dependentes deles politicamente”. A afirmação é do
doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), Osmar Teixeira
Gaspar e, conforme ele, exibe uma realidade política desigual e aproveitadora,
estruturada para preservar privilégios de pessoas brancas e ricas.
Ele
explica que, para os partidos políticos, é interessante que haja uma
proliferação de candidatos negros nas camadas mais pobres, que trabalham a
favor da legenda partidária, mas que não chegarão às cadeiras das casas
parlamentares. “Os eleitores e os candidatos negros e pobres são úteis porque
trabalham para eleger os candidatos ricos e brancos”, destaca. Entre os que
conseguem se eleger vereador, deputado ou senador, muitos sequer se reconhecem
enquanto negros e, portanto, não pautarão, no exercício da sua legislatura,
projetos que sejam de interesse da população negra ou que trabalhem na
superação da herança escravocrata.
O
especialista pondera, entretanto, que quem exerce uma atividade parlamentar não
deve pautar apenas questões direcionadas. “Espera-se que ele possa dar a sua
contribuição para o conjunto da sociedade, num processo de reconhecimento de
que os negros possam praticar o bem comum”, descreve. Ele conclui que a
ausência de homens e mulheres negros na legislatura causa um constrangimento de
autorreconhecimento dessa população. “Uma criança que se depara sempre com
pessoas brancas no plenário dificilmente terá inspirações para ingressar nesses
espaços”, pondera.
A
favor de cotas para o Legislativo, ele cita um exemplo atual: “com a morte da
Marielle (Franco, vereadora negra do Psol assassinada), possivelmente um homem,
branco e de comportamento político diferente ficará no seu lugar. Todo o
esforço da população para elegê-la não será mais útil. Se houvesse cotas, essa
pessoa seria também uma mulher negra”.
Os
dois únicos vereadores negros de Fortaleza conversaram com O POVO. Noélio (PR)
e Evaldo Costa (PRB) contam a mesma história de preconceito: foram perseguidos
em supermercados suspeitos de serem ladrões por causa da cor da pele. Ambos
também afirmam colocar a discriminação em patamar secundário no cotidiano.
Nenhum apresentou projetos específicos que promovam mais igualdade racial e os
dois concordam que há falta de oportunidades para as pessoas negras. Para os
vereadores, ser negro está estritamente ligado a ser pobre.
“Parlamentares
não são escolhidos pela cor da pele, mas pelo trabalho que fazem. Em nível
municipal, não vamos legislar projetos específicos com esse tema porque em
nível nacional já tem muita coisa”, afirma Evaldo Costa. O parlamento, conforme
ele, nunca foi espaço para preconceito e, caso houvesse uma votação a favor de
cotas raciais para as cadeiras do poder legislativo, ele votaria a favor.
Já
Noélio seria contra. “Os movimentos que acham que precisam ter mais
parlamentares negros podem trabalhar para isso, fazendo campanhas educativas,
buscando lideranças para serem candidatos. A legislação para se colocar cotas
no parlamento eu ainda acho desnecessária”, afirma. Para ele, a questão
educacional é a parte fundamental para que a igualdade aconteça e as cotas de
acesso ao nível superior são necessárias.
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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