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7 de março de 2018

"O advogado fala, mas ninguém parece ouvir" por Guálter George


Há uma coisa que me gera estranheza na estrutura de funcionamento dos julgamentos no Brasil, especialmente estes que acontecem nos últimos tempos sob os holofotes e as luzes televisivas. 

Algo que vi repetido e reafirmado ontem no Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando a 5ª Turma se reuniu, sob os olhares curiosos do País, para decidir sobre um pedido de habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso em que o TRF-4, de Porto Alegre, está para lhe aplicar, em caráter conclusivo, uma sentença de 12 anos e 1 mês de prisão pela acusação de ser proprietário de um triplex do Guarujá, em São Paulo, que teria sido adquirido com dinheiro desviado da Petrobras. Na verdade, a confirmação de pena originalmente aplicada pelo juiz da 13ª Vara Federal do Paraná, Sergio Moro.


Bom, mas voltando à estranheza, que imaginei até outro dia que era fruto de uma pessoal ignorância jurídica, de novo assisti, ontem, julgadores chegarem com seus votos prontos. A sustentação oral do experiente advogado José Paulo Sepúlveda Pertence, ministro aposentado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), foi acompanhada com atenção pelos cinco ministros do STJ, mas, na hora do voto de cada um, solenemente ignorada. 

O que vale, no meu entendimento, uma pergunta: de que serve abrir espaço para um profissional ir à tribuna, se dirigir aos julgadores, tomar um tempo da seção, sem que aquilo gere qualquer efeito prático? É impossível que aqueles argumentos sejam considerados porque a resposta, logo depois, vem através de um voto previamente elaborado.

Percebi que não é uma dúvida necessariamente ligada ao desconhecimento jurídico quando, após o julgamento do recurso do mesmo Lula à sentença de Moro lá no TRF-4, em Porto Alegre, a ouvi manifesta pelo advogado britânico Geoffrey Robertson, que atua em favor do petista em causas internacionais e foi autorizado a acompanhar a sessão de Porto Alegre.

Um dos aspectos mais estranhos a ele, conforme expressou alguns dias depois daquele evento, acontecido em 24 de janeiro, foi o fato de os três desembargadores terem chegado já com suas decisões prontas e escritas. Sem qualquer chance de revisão, tornando inócuo, na sua avaliação, o debate que foi ali observado. 

É evidente que a experiência da banca de advogados que defende Lula, agora mais reforçada com a presença de Sepúlveda Pertence, permite imaginar que não havia da parte deles expectativa otimista sobre o que poderia acontecer ontem em termos de reversão de uma tendência natural no caminho aberto pela decisão do juiz Sergio Moro, que é de levar o petista à prisão. 

Agora, como demonstrou chocado um profissional de Direito que já atuou em vários países e conhece a dinâmica natural desses momentos, acaba sendo ruim se perceber que o debate é negligenciado. A situação acaba gerando desconforto para quem gostaria de maior garantia quanto à aplicação de uma sentença que realmente considere com a força devida, ou a fraqueza, todos os argumentos e contra-argumentos apresentados. 

O caso que envolve Lula tem suas complexidades próprias, mas a reflexão sobre o modelo de funcionamento da Justiça vai muito além dele. Ao próprio sistema deveria interessar a aplicação de mudanças suficientes para afastar de todo o processo qualquer sentimento de que há um mero jogo de cena por trás de um julgamento. Qualquer que seja.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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