A
notícia de que a UnB oferece a disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da
democracia no Brasil” criou um alvoroço, segundo seu criador, o professor Luís
Felipe Miguel.A
disciplina foi logo interpretada como tendo “o propósito de usar a universidade
como veículo de marketing partidário” nas palavras do senador Cristovam
Buarque.
O título e o conteúdo do programa alimentam essa interpretação.A
iniciativa vem em má hora, dando argumentos à famigerada campanha a favor da
“Escola sem Partido”. Urge reafirmar fortemente que a universidade não é
igreja, nem partido político e não está a serviço de nenhum governo.
Ela
trabalha com a razão questionadora, inquieta, enquanto a igreja se alimenta da
certeza da doutrina e o partido político, de seus interesses. Na universidade,
busca-se hipóteses, argumentos, provas e verificação; na igreja, a certeza da
fé e no partido, o ardor da convicção.
Não
se trata, evidentemente, de censurar a universidade e o autor da disciplina,
como o fez reativamente o Ministro da Educação, ferindo a autonomia
universitária. Tudo que é pensado, vivido, imaginado, sentido e desejado por
membros da sociedade pode e deve ser objeto de reflexão e análise na
universidade. Não há limite apriorístico ao saber, contrariamente à doutrina da
Escola sem Partido e à reação do ministro.
O
que está em jogo não é o assunto – já que todos podem ser abordados - mas como
deve ser tratado. A boa pedagogia assevera que o ensino visa fornecer aos
alunos e professores elementos para o desenvolvimento de um pensamento crítico
pessoal sem a imposição de uma determinação externa.
O
professor e os alunos podem até defender um posicionamento teórico, mas num
clima de liberdade de pensar em busca de evidência. Por exemplo, eu intitularia
a disciplina “O julgamento da Presidente Dilma: impeachment ou golpe”, como
convite à reflexão sem a afirmação prévia de uma convicção. É que o ensino
universitário pretende fazer ciência e, por esse motivo, deve ser
interrogativo, questionador e não apodíctico.
A
ciência é hipotética, baseada em argumentos, provas e evidência. Ela opera a
partir de dúvidas, com verificações e conclusões sempre provisórias, submetidas
a testes de falseabilidade. Sendo a ciência crítica, a universidade há de
sê-lo. Para chegar a essa liberdade de pesquisar, a instituição universitária
teve uma luta quase milenar contra o autoritarismo da Igreja católica, em
primeiro lugar e, em segundo lugar, contra o Estado; sua autonomia é uma
conquista cotidiana, o que justifica seu financiamento pela sociedade. Todo e
qualquer aparelhamento do ensino universitário é golpeá-la de seu significado
para essa sociedade que a financia.
Em
suma, quando a sala de aula se torna militância partidária, confessional ou
mesmo intelectual, a ciência sai pela janela e a universidade apodrece.
Parece-me
que foi essa compreensão de universidade e de pedagogia que provocou o alvoroço
contra a disciplina e a atitude do ministro da educação sem mesmo ter-se a
certeza que o marketing partidário tenha sido o objetivo visado. De qualquer
forma, é melhor prevenir!.
Publicado originalmente no portal O Povo
Online
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