4 de fevereiro de 2018

PARA ESPALHAR NO WHATSAPP EM DIAS DE MEDO por Iana Soares


1. Cada vez que o apocalipse parecer iminente, arrisque acreditar no pós-apocalipse. Não torça por um fundo do poço mais profundo. Não cave o poço. 

2. Cobre do poder público não só a polícia nas ruas, mas que estejam iluminadas, que as praças sejam manifestos de liberdade. Que as árvores cresçam e sejam o lembrete de que a vida aqui é possível. Exija que o saneamento básico, as escolas, as artes, os esportes, os hospitais não se restrinjam às aldeotas. 

3. Lute para que a Cidade perca os muros e chore por cada morto nas Cajazeiras e em Itapajé. Cada vida importa. Não use o “envolvimento” com o tráfico como sossego ou justificativa. Cada vida importa. A juventude não pode ser exterminada.  

4. Tenha medo, investigue o medo, mas vamos, juntos, tentar não paralisar pelo medo. 

5. Perceba que a violência urbana é parte de profundas desigualdades sociais. Lembre que vivemos em um dos estados mais desiguais deste País, com gente muito rica (alguns por heranças coloniais, por corrupção e não por mérito) e gente miserável (gente até escravizada por gente muito rica). Isso não apaga o medo, mas ajuda a entender muita coisa. 

6. Se você for um gestor público, não diga que os massacres que acontecem diariamente nesta cidade são atos isolados. Ninguém aqui é burro e todo mundo tem medo. Chame os especialistas, a polícia, os jovens negros, as mães para um diálogo real e transformador.  

7. Lembre que você mora perto do mar. Olhar para o horizonte acalma, é  bom para navegar entre a tristeza e a crença utópica em um futuro melhor.  

8. Rasgue as listas. Invente suas próprias listas, refaça-as constantemente porque estamos todos perturbados, perdidos e ninguém tem fórmula universal para sobreviver ao medo nem detém o imperativo de ordenar qualquer coisa a alguém.

9. A única recomendação obrigatória, sempre: não use o celular para espalhar terror. Não compartilhe boatos, mentiras, fotos e vídeos de violência. Precisamos inventar estratégias para continuar existindo no meio das ruas. Vai ser difícil, vamos desacreditar muitas vezes, mas há de existir um jeito.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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