O
presente de grego que Michel Temer recebeu às vésperas do Natal do juiz Luís
Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), uma intimação para
responder em 15 dias a certas perguntas da Polícia Federal (PF), acelera o fim
das investigações de um decreto presidencial sobre portos.
Quando
o inquérito acabar, caberá à procuradora-geral da República, Raquel Dodge,
decidir se há razão para denunciar à Justiça o peemedebista, de notórias e
históricas ligações com empresários do porto de Santos, por algum crime.
O
que esperar dela, uma “xerife” tachada de tucana por alguns colegas e cujo
estilo já causa tititi na PGR e comentários desabonadores no STF?
A
procuradora-geral assumiu em setembro por escolha de Temer, mas um dos oito
concorrentes dela à vaga hoje garante: Raquel não gosta do presidente. Algumas
medidas tomadas por ela foram de fato um bocado indigestas para o peemedebista.
Em
27 de dezembro, acionou o STF para derrubar o indulto natalino tradicionalmente
concedido a detentos pela Presidência. Achou o decretado por Temer o “mais
generoso” em 20 anos e que o plano era salvar corruptos. Uma liminar da
presidente da corte, Carmen Lúcia, anulou o decreto.
Uma
outra decisão governamental foi suspensa por uma liminar do Supremo graças à
tropa de Raquel Dodge. Em 24 de outubro, Rosa Weber barrou uma portaria do
Ministério do Trabalho que dificultava o combate ao trabalho escravo. Reagiu a
uma ação proposta pelo Ministério Público Federal por obra de Raquel.
Em
4 de dezembro, a PGR denunciou Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro de Temer,
seu irmão Lucio Vieira Lima (PMDB), deputado, e a mãe deles, Marluce Vieira
Lima, por lavagem de dinheiro e associação criminosa. Motivo: o bunker de 51
milhões de reais encontrado em setembro na Bahia, terra da turma.
Raquel
pediu ainda a prisão noturna de Lucio e a domiciliar de Marluce. Dadas as
relações próximas de Geddel com Temer, o encurralamento da família Vieira Lima
poderá causar dissabores ao presidente, na hipótese de o ex-ministro tentar
incriminar alguém para obter facilidades.
Qual
seria a explicação para as investidas contra o governo do presidente que a
indicou para o cargo, aquele com quem estranhamente se reuniu por horas no
Palácio do Jaburu antes da cerimônia de posse? Um subprocurador-geral
aposentado diz e repete: Raquel é “carreirista”.
Será
que foi para compensar as iniciativas embaraçosas para Temer que a PGR tomou
uma discreta porém simbólica decisão no escurinho de 2017?
Em
27 de dezembro, afastou Ela Wiecko de funções no STF. Agora a
subprocuradora-geral atuará no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com a
mudança, não acompanhará mais casos da Operação Lava Jato a envolver deputados,
senadores e ministros, autoridades processadas apenas no STF.
Ela
Wiecko tinha sido um dos sete competidores da “xerife” na disputa pelo cargo.
Entre colegas, é considerada simpatizante do PT, por suas posições em defesa
dos direitos humanos, por exemplo.
Em
2016, era vice-PGR de Rodrigo Janot e foi exonerada por ele após surgir na
mídia um vídeo em que aparecia em um ato contra Temer em Portugal realizado
logo após o peemedebista assumir o lugar de Dilma Rousseff.
No
dia da decisão de Raquel de tirar Ela Wiecko do STF, um jornalista de Brasília
escreveu em sua coluna que a subprocuradora-geral teria dito a colegas que iria
a uma manifestação pró-Lula. Em conversas reservadas, ela negou ter essa
intenção.
Nestas
conversas, comentou enxergar na coincidência cronológica entre a portaria de
Raquel e a notícia do colunista uma tentativa de dar à “xerife” um argumento
para usar diante de Temer, caso este reclame das investidas da Procuradoria.
Em
dezembro, a defesa do ex-presidente Lula denunciou ao Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP) um dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato,
Carlos Fernando dos Santos Lima, por usar as redes sociais e a mídia para
atacar o petista e ferir o direito dele à presunção de inocência.
O
CNMP limitou-se a recomendar a Santos Lima que parasse “de emitir juízos de
valor, por meio de redes sociais e na esfera privada, em relação a políticos,
partidos políticos e pessoas investigadas e/ou acusadas”.
O
órgão é comandado pelo procurador-geral. Se quisesse, Raquel poderia ter
articulado uma punição mais severa. É o tipo de situação que alimenta a
impressão entre procuradores de que ela é “tucana”.
A
PGR trabalhou no passado com o senador Antonio Anastasia (MG), fidelíssimo do
senador Aécio Neves, presidente do PSDB até o fim de 2017. Nutre ligações com
José Roberto Santoro, subprocurador de estreitos vínculos com outro senador
tucano, José Serra (SP), com quem trabalhou no Ministério da Saúde nos anos
1990.
Gilmar
Mendes, ministro do STF de indisfarçável pendor tucano, vide suas decisões e
opiniões, foi um dos padrinhos da escolha de Raquel para o cargo. Ao montar a
equipe, ela nomeou um ex-sócio de Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco, como um
de seus dez secretários. Gonet era acionista da escola de Mendes, o IDP, até
agosto.
Haveria
também na decisão da PGR sobre Ela Wiecko alguma disputa pela primazia em temas
de direitos humanos na Procuradoria, assunto que é uma das paixões de Raquel
Dodge?
A
subprocuradora é coordenadora de uma das divisões da PGR, justamente aquela que
cuida de direitos sociais (gênero, raça etc). Por atuar no STF, foi com ela que
Rosa Weber negociou o andamento de uma ação a favor da descriminalização do
aborto, relatada pela juíza.
Ali
no Supremo, despontam comentários desabonadores para Raquel. Há quem diga que
ela deveria ir mais à corte, conversar mais com os juízes. E botar de lado um
certo gosto por aparições relâmpago nos julgamentos, dos quais sai de cena e
deixa no lugar seu vice, Luciano Mariz Maia.
Em
quatro meses no posto, o estilo da PGR já provoca tititi na Procuradoria. Em
sua própria seara, também não faz questão de receber colegas e ouvi-los. Ela
Wiecko não recebeu aviso prévio sobre seu afastamento de funções no STF nem
explicações posteriores sobre a decisão, por exemplo. Gente da equipe de Raquel
que fala com a imprensa costuma ser vigiada nesses contatos.
Um
procurador que subiu na hierarquia após a chegada de Raquel ao topo da PGR
queria a nomeação de algumas pessoas para seu gabinete. A nomeação dependia da
“xerife”. Saiu, mas para a equipe da procuradora-geral, para espanto dele. A
chefe é dada a “falsidades”, diz o procurador frustrado.
Rodrigo
Janot costumava chamá-la de “cobra”. Acreditava que todos os atos dela tinham
algum objetivo escondido. Haveria algo oculto em um presente de natal de 21
milhões de reais dado por Raquel Dodge aos seus comandados?
No
fim de 2017, a PGR liquidou o pagamento de um passivo reclamado por
procuradores desde o início dos anos 1990 referente a auxílio-moradia. Como uma
lei de 1992 garantia a mordomia a parlamentares, os procuradores queriam a
regalia via Parcela Autônoma de Equivalência (PAE).
Outra
dívida paga no fim do ano, mas aí de forma parcial, foi a relativa à licença-prêmio
em pecúnia, uma espécie de bônus salarial por tempo de serviço.
As
duas dívidas (PAE e licença-prêmio) são controversas e ficaram um tempo sem ser
pagas, por falta de liberação de verba pelo governo. No fim de 2016, mesmo com
a crise fiscal, Rodrigo Janot retomou o pagamento das duas. Alimentava o sonho
de um terceiro mandato e queria ficar bem com seu eleitorado.
O
pagamento ordenado por Raquel Dodge contemplou 218 procuradores da ativa e 192
inativos. Os primeiros receberam 7,8 milhões de reais, uma média de 36 mil para
cada um. Os aposentados, 13,4 milhões, 70 mil por cabeça.
Esse
pagamento é visto na PGR como uma forma de a “xerife” agradar a ala mais velha
da categoria.
Para
os mais jovens, o mimo teria sido remover para cidades maiores aqueles
procuradores admitidos no último concurso que tinham sido lotados em lugares
distantes. Uns 50 foram removidos, ação que custa dinheiro, pois a turma recebe
uma ajuda de custo para a mudança.
E
assim la nave va na PGR de Raquel Dodge.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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