O Palácio da Resistência, antiga residência Rodolfo Fernandes, atual sede da Prefeitura de Mossoró (Foto: Raimundo Soares Filho)
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Em
1927 a cidade de Mossoró vivia um período de expansionismo comercial e
industrial. Possuía o maior parque salineiro do país, três firmas comprando,
descaroçando e prensando algodão, casas compradoras de peles e cera de
carnaúba, contando com um porto por onde exportava seus produtos e sendo, por
assim dizer, um verdadeiro empório comercial, que atendia não só a região oeste
do Estado, como também algumas cidades da Paraíba e Ceará.
A
população da cidade andava na casa dos 20.000 habitantes, era ligada ao litoral
por estrada de ferro, contava ainda com estradas de rodagem, energia elétrica. A
riqueza que circulava na cidade despertou a cobiça do mais famoso cangaceiro da
época, o Virgulino Ferreira, popularmente conhecido por Lampião.
No
dia 2 de maio de 1927 Lampião e seu bando partiram de Pernambuco, em direção ao
Rio Grande do Norte. Atravessaram a Paraíba próximo à fronteira com o Ceará,
com destino a cidade potiguar de Luiz Gomes. Antes, porém, atacaram a cidade
paraibana de Belém do Rio do Peixe.
Em
reunião na fazenda Ipueira, na cidade de Aurora, Ceará, Lampião se reuniu com o
bando de Massilon de onde partiram com destino a Mossoró. No percurso assaltaram
sítios, fazenda, lugarejos e cidades, roubando tudo o que encontravam e fazendo
refém de todos os que podiam pagar um resgate. Entre os sequestrados estavam o
coronel Antônio Gurgel, ex-Prefeito de Natal, Joaquim Moreira, proprietário da
Fazenda “Nova”, no sopé da serra de Luis Gomes, dona Maria José, proprietária
da Fazenda “Arueira” e outros.
Coube
ao Coronel Antônio Gurgel, um dos sequestrados, escrever uma carta ao prefeito
de Mossoró, Rodolfo Fernandes, fazendo as exigências para que a cidade não
fosse invadida. Era a técnica usada pelos cangaceiros ao atacar qualquer
cidade.
Antes,
porém, cortavam os serviços telegráficos da cidade, para evitar qualquer tipo
de comunicação. Quando a cidade atendia o pedido, exigiam além de dinheiro e
jóias, boa estadia durante o tempo que quisessem, incluindo músicos para as
festas e bebidas para as farras. Quando o pedido não era aceito, a cidade era
impiedosamente invadida.
De
Mossoró pretendiam cobrar 500 contos de réis para poupar a cidade, mas sendo
advertido que se tratava de quantia muito alta, resolveram reduzir o pedido para
400 contos de réis. A carta do coronel Gurgel dizia:
“Meu caro Rodolfo Fernandes.Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião, o qual está aquartelado aqui bem perto da cidade. Manda, porém, um acordo para não atacar mediante a soma de 400 contos de réis. Penso que para evitar o pânico, o sacrifício compensa, tanto que ele promete não voltar mais a Mossoró…”
Ao
receber a carta, o prefeito Rodolfo Fernandes convoca uma reunião para a qual
convida todas as pessoas de destaque da cidade, inicia os preparativos e responde a carta
nos seguintes termos:
“Mossoró, 13 de junho de 1927. –Antônio Gurgel.Não é possível satisfazer-lhe a remessa dos 400.000 contos, pois não tenho, e mesmo no comércio é impossível encontrar tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, Sr. Jaime Guedes. Estamos dispostos a recebê-los na altura em que eles desejarem. Nossa situação oferece absoluta confiança e inteira segurança.Rodolfo Fernandes”.
Quando
o portador chega a casa do prefeito para pegar a resposta, esse, de modo
cortês, diz que a proposta do bandido é inaceitável e se diz disposto a
enfrenta-lo. Levou o portador ao aposento onde havia vários caixões com latas
de querosene e gasolina. Junto a esses caixões, existia um aberto e cheio de
balas. O prefeito na tentativa de impressioná-lo, diz que todos aqueles caixões
estão cheios de munição e que já existe um grande número de homens armados na
cidade, aguardando a entrada dos cangaceiros.
Lampião
não esperava tal resposta e ao tomar conhecimento que a cidade está pronta para
brigar, resolve mandar um bilhete escrito de próprio punho, numa péssima
caligrafia, julgando que assim conseguiria o intento:
“Cel RodolfoEstando Eu até aqui pretendo dr. Já foi um aviso, ahi pro Sinhoris, si por acauso rezolver, mi, a mandar será a importança que aqui nos pede, Eu envito di Entrada ahi porem não vindo essa importança eu entrarei, ate ahi penço que adeus querer, eu entro; e vai aver muito estrago por isto si vir o dr. Eu não entro, ahi mas nos resposte logo.Cap. Lampião.”
Mais
uma vez, o prefeito responde com negativa. Diz em sua resposta para Lampião:
“Virgulino, lampião.Recebi o seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo o que o Sr. queira fazer contra nós. A cidade acha-se, firmemente, inabalável na sua defesa, confiando na mesma.Rodolfo FernandesPrefeito, 13.06.1927”.
Nessa
altura dos acontecimentos, os mossoroenses tratavam de preparar a defesa da cidade. O tenente Laurentino era
o encarregado dos preparativos. E como tal, distribuía os voluntários pelos
pontos estratégicos da cidade.
Haviam
homens instalados nas torres das igrejas matriz, Coração de Jesus e São
Vicente, no mercado, nos correios e telégrafos, companhia de luz, Grande Hotel,
estação ferroviária, ginásio Diocesano, na casa do prefeito e demais pontos.
O
plano de lampião era chegar a uma localidade conhecida como Saco, que ficava a
uma distância de dois quilômetros de Mossoró, onde abandonariam as montarias e
prosseguiriam a pé até a cidade.
O
cangaceiro Sabino comandava duas colunas de vanguarda. Uma das colunas era
chefiada por Jararaca e outra por Massilon.
Lampião ia no comando da coluna da retaguarda.
Enquanto voluntários se preparam para o combate, o restante da população,
que não participariam do mesmo, tentava deixar a cidade. Eram velhos, mulheres e crianças, pessoas
doentes, que lotavam os caminhões ou automóveis a caminho do litoral. Os que não conseguiam transporte,
tratavam de conseguir esconderijo fora da cidade. A ordem dada pelo
prefeito era que quem estivesse desarmado saísse da cidade.
O
desespero aumentava a medida que o dia avançava. Às onze horas da noite,
os sinos das igrejas de Santa Luzia, São Vicente e do Coração de Jesus
começaram a badalar, o que aumentou a correria. As
sirenes das fábricas apitavam repetidamente a cada instante.
Na
praça da estação da estrada de ferro, era grande a concentração de gente na
busca de lugar para viajar nos trens. Até os carros de
cargas foram atrelados a composição para que a multidão pudesse partir.
O
embarque de pessoal virou toda a noite e só terminou na tarde do dia 13 de
junho, dia de Santo Antônio, quando foram ouvidos os primeiros tiros, dando
início ao terrível combate. Mas a meta havia sido alcançada; a cidade estava
deserta, exceto pelos defensores que das trincheiras aguardavam o ataque.
Ao
entrarem na cidade o bando encontrou as ruas e casas abandonadas. Sabino encaminhou-se com
suas colunas para a casa do prefeito. Os
defensores da cidade ficaram indecisos, sem saber se ele era um soldado ou um
cangaceiro, já que não havia muito diferença entre a maneira de se vestir de um
e de outro. Foi preciso a ordem do prefeito Rodolfo Fernandes para que começassem a atirar.
A forte resistência comprometeu o
desempenho dos cangaceiros. Lampião foge em direção ao cemitério da cidade
enquanto que Massilon procura os fundos da casa do prefeito. O
cangaceiro “Colchete” é atingido por um tiro, caindo morto. Jararaca se aproxima do corpo e também é atingido nas costas, tendo os pulmões perfurados.
No
mesmo instante, os soldados entrincheirados na boca do esgoto começam a atirar,
encurralando os cangaceiros. Os defensores dominam a situação e não resta outra
solução aos cangaceiros se não abandonar a cidade. A ordem de retirada é dada
por Sabino que puxando da pistola dá quatro tiros para o alto. É o fim do
ataque.
Não
foi um combate longo; iniciou-se as quatro horas da tarde, aproximadamente,
sendo os últimos disparos dados por volta das cinco e meia da mesma tarde.
Lampião
havia fugido, deixando estirado no chão o Colchete e dando por
desaparecido o Jararaca, que depois seria preso. Com medo da
revanche dos cangaceiros, os defensores permaneceram de plantão toda a noite, só
descansando no outro dia, quando tiveram certeza que já não havia mais perigo.
Depois
da resistência, a população começa a voltar para casa. É outra batalha para se
conseguir transporte, juntar os parentes, desentocar os objetos de valores que
tinham ficado escondidos e tantas providências mais.
No
centro da cidade foi construído o Memorial da Resistência, um museu de
exposições que destacam o tema do Cangaço e a resistência da cidade de Mossoró
ao bando de Lampião. Composto cinco módulos para destacar diferentes temas e
aspectos do Cangaço, o memorial apresenta exposição de vários painéis.
O
módulo um conta a história do movimento e o módulo dois apresenta as biografias
dos heróis da resistência mossoroense, ilustradas com fotografias. O módulo
três, denominado "A Cidade", exibe fotografias que revelam a evolução
da fisionomia arquitetônica de Mossoró. O módulo quatro, chamado
"Portal", tem um salão de exposição, salas de projeção de filmes e
consultas virtuais sobre temas relativos ao Cangaço e café literário.
Postagem baseada
no texto do historiador, escritor e pesquisador mossoroense Geraldo Maia.
Confira outras fotos do Memorial da Resistência:
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