26 de setembro de 2017

"Retrato como nunca antes feito" por Erico Firmo

O contraste entre as favelas e os condomínios de luxo em São Paulo é um dos retratos da desigualdade no Brasil (Foto: Clayton de Souza) 
A Oxfam, confederação de organizações internacionais que atuam no combate à pobreza, divulgou o que talvez seja o mais expressivo retrato do Brasil jamais feito. A informação é chocante: seis homens brancos brasileiros concentram mais riqueza que 100 milhões de brasileiros. Seis pessoas. Cem milhões de pessoas.

Sabe o que significam 100 milhões de pessoas? Pense no Ceará. Em todo mundo que mora no Estado, na Capital e no Interior. Visualizou? Aí pense em 11 vezes a população do Ceará. Isso são 100 milhões de pessoas. Para simplificar, tomemos Fortaleza como parâmetro. A Cidade inteira. O número corresponde a 38 vezes a população da Capital.

Ainda não foi claro o bastante? Tomemos como exemplo a Argentina. É o segundo maior país da América do Sul. Multiplique toda a população por dois. Ainda não dá. Tome também a população do Uruguai e duplique. Some todo esse pessoal. Os seis caras citados no começo têm mais dinheiro que essa quantidade toda de gente. Imagine a Alemanha inteira. A fortuna dos sujeitos supera a de contingente populacional superior a todos os habitantes do país mais rico da Europa. Ou peguemos como referência o Reino Unido. Juntemos com a população com a do Canadá. É a quantidade de gente cuja riqueza acumulada é inferior ao dos seis ricaços.

DESCAMINHO

Não há, cara leitora e caro leitor, hipótese de uma sociedade ser viável com esse grau de injustiça social. O problema não está nos seis senhores ricaços, mas na estrutura social, econômica e política que constrói desigualdade a esse ponto chocante. Não há como evitar os níveis crescentes de violência, como conter a degradação de espaços urbanos, conter o aumento dos muros, os gastos com segurança privada, a reclusão cada vez maior. Essas coisas estão entrelaçadas de modo tão direto e óbvio que até me constrange ter de dizer isso. Mas, é necessário. Alguns acham isso o caminho natural das coisas. Natural nada!

As pessoas ficaram ricas por mérito, proclama discurso do jardim da infância do liberalismo. Imagino que esses bilionários são mesmo pessoas que trabalham muito, esforçam-se, são muito inventivas e devem dar contribuição inestimável ao mundo. Porém, não dá para dizer que eles têm mais mérito que 100 milhões de pessoas somadas. Não dá, gente, para imaginar que eles trabalham mais, esforçam-se mais que 100 milhões de pessoas. Que haja mais inteligência, criatividade, capacidade nesses seis iluminados que em 100 milhões de pessoas.

É preciso completa desconexão com a realidade para resumir a situação à meritocracia, “mão livre do mercado”, o caramba. Há uma estrutura de favorecimento do poder público à construção de megafortunas e formação de oligopólios, modelo tributário injusto e concentrador. Uma sociedade que permite tais níveis de desigualdade não pode ser saudável, não tem como dar certo.

QUEM SÃO ELES

Os seis bilionários são todos do sexo masculino, brancos. O mais jovem tem 35 anos e tem perfil destoante do resto da lista. É Eduardo Saverin, o fundador do Facebook expulso da companhia por Mark Zuckerberg. Salvo o jovem representante do ramo tecnológico, os outros cinco são homens idosos - entre 65 e 79 anos. Um é banqueiro e os demais são industriais. Três deles da mesma companhia, a Inbev, maior cervejaria do mundo.Criança morta, de Cândito Portinari, das mais poderosas representações da miséria que a arte produziu
Criança morta, de Cândito Portinari, das mais poderosas representações da miséria que a arte produziu.

DESIGUALDADES ESCANCARADAS

A desigualdade não é casual, espontânea nem se restringe aos seis bilionários. Há estruturas de segregação que se espalham em cadeia pelos mais diversos estratos sociais, por sexo, etnia, região, idade. As mulheres ganham 62% do salário dos homens. Já foi pior: há vinte anos, elas ganhavam 40% do salário masculino. Mas, o avanço é muito lento. Nesse ritmo, as situações serão equivalentes em 2047. Daqui a três décadas.
Em relação aos negros, a situação é mais crítica ainda. Ganham hoje 57% do que recebem os brancos. Há vinte anos, o percentual era de 45%. Nesse ritmo de melhoria, a situação estará nivelada em 2089, conforme o estudo. Triste ironia: a data é um ano após a abolição dos escravos completar 200 anos. Vergonhoso para cada um de nós.


Com informações portal O Povo Online

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