Em
toda crise — ou seja, quase 100% do tempo — a reforma política surge como
consenso capaz de solucionar os problemas. Sempre fico preocupado, porque as
propostas que aparecem costumam piorar as coisas ao invés de melhorar.
Quando
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) presidia a Câmara, foi aprovada regra que livra os
partidos de punição em caso de reprovação de contas eleitorais ou de a
prestação nem ser apresentada. Só uma amostra do que são capazes quando falam
da “solução” reforma política. Mudanças são necessárias, sim.
O que duvido é da
capacidade desses políticos de mudarem o sistema para melhor. Pelas ideias que
costumam surgir, o avanço possível pode ser deixar tudo como está e não mexer
no que está quieto.
Agora,
por exemplo, o chamado “distritão” foi aprovado em comissão da Câmara. É o extremo
oposto de outra ideia também complicada: o voto em lista. Nesse último caso, o
eleitor perde o poder de escolher o candidato e as burocracias partidárias
ganham muito peso. Já no distritão, os partidos se tornam irrelevantes.
O
modelo que avança na Câmara dos Deputados é inspirado no voto distrital, em que
são eleitos parlamentares para representar suas regiões — os distritos. Com uma
diferença: no distritão, não existe distrito. Começa errado aí. Não existem a
proximidade e o vínculo do eleito com os eleitores, vantagens maiores do modelo
adotado em algumas das mais avançadas democracias europeias.
No
distritão, são eleitos os deputados mais votados, simplesmente. Isso não é bom?
Aparentemente, sim. Porém, o modelo atual, que tantas vezes parece injusto,
consegue minimamente amplificar a representação e multiplicar a quantidade de
vozes no parlamento. Mais que a votação individual, é considerada a soma dos
votos nos partidos. Ao se acabar com isso, as siglas são oficializadas como
verdadeiras inutilidades.
O
formato atual está longe de ser perfeito. Sobretudo porque as coligações em
eleições legislativas distorcem a lógica do modelo. O peso que o partido teria
deixa de ter. E a vontade do eleitor é distorcida. Quem vota em uma legenda
acaba elegendo deputado de partido radicalmente oposto. Se já é difícil
encontrar coerência dentro de uma sigla, que dirá numa megacoligação como
passou a existir. Isso, porém, seria resolvido com proibição de coligações
proporcionais.
O
distritão enfraquece o que já está capenga. E, ruim com eles, não é factível
uma democracia sem partidos. Eleger os mais votados destitui as legendas de
relevância eleitoral. Será indiferente concorrer por um ou outro. Importará o
nome do candidato e nada mais. Ganha força o personalismo e, portanto, o
populismo. Isso enquanto as agremiações se esfarelam.
CANDIDATURA
DO EU SOZINHO
Hoje,
é fato que mesmo partidos marxistas, como Psol ou PCdoB, e liberais, como Novo,
apostam em grifes. Mais que ideias, as personalidades puxam votos,
principalmente. Todavia, hoje, pelo menos há possibilidade de os partidos
arregimentarem eleitores em torno de bandeiras ou ideias e conseguirem massa de
votos suficiente para eleger representantes. Essa mera possibilidade acaba. É
preciso um nome que tenha muitos votos.
O
AGRAVAMENTO DA CRISE DE REPRESENTAÇÃO
A
representação sai enfraquecida com o distritão. Ao menos na teoria, alguém pode
até não ter o candidato eleito, mas ser indiretamente representado por outro
parlamentar do mesmo partido, que, em certa medida, dialoga com aquele campo
social. O princípio é esse, pelo menos. Com o distritão, não sobra nem a
intenção.
Um
dos cernes da crise atual é a distância entre representantes e representados.
Isso se agrava com o modelo. A democracia fica mais frágil.
Hoje,
os candidatos disputam dentro do partido para ter mais votos, mas, sobretudo
buscam votos para a coligação, com vistas a eleger o maior número possível de
parlamentares. No distritão, o colega de partido é tão adversário quanto
qualquer outro.
REFERÊNCIAS
Modelo
similar ao distritão não é adotado em nenhuma grande democracia do mundo.
Segundo levantamento do Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral
(Idea) feito em 216 nações, o formato de escolha só foi identificado em quatro
países: Afeganistão, Emirados Árabes, Kuwait e Vanuatu, além das Ilhas
Pitcairn, território ultramarino britânico na Polinésia com algumas poucas
dezenas de habitantes. O Brasil segue por aí.
PARA
ALÉM DA ELEIÇÃO
Sempre
que se fala em reforma política, em geral se trata apenas de reforma eleitoral.
Que é parte importante do problema, mas não é todo o problema. Claro que muito
da corrupção passa por esquemas de financiamento e de busca de recursos para se
sustentar no poder. Porém, mais que a forma como são eleitos, a questão é o que
fazem no poder quando já estão eleitos.
Publicado originalmente no portal O Povo Online
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