11 de agosto de 2017

"Melhor deixar quieto" por Érico Firmo

Em toda crise — ou seja, quase 100% do tempo — a reforma política surge como consenso capaz de solucionar os problemas. Sempre fico preocupado, porque as propostas que aparecem costumam piorar as coisas ao invés de melhorar. 

Quando Eduardo Cunha (PMDB-RJ) presidia a Câmara, foi aprovada regra que livra os partidos de punição em caso de reprovação de contas eleitorais ou de a prestação nem ser apresentada. Só uma amostra do que são capazes quando falam da “solução” reforma política. Mudanças são necessárias, sim. 

O que duvido é da capacidade desses políticos de mudarem o sistema para melhor. Pelas ideias que costumam surgir, o avanço possível pode ser deixar tudo como está e não mexer no que está quieto.

Agora, por exemplo, o chamado “distritão” foi aprovado em comissão da Câmara. É o extremo oposto de outra ideia também complicada: o voto em lista. Nesse último caso, o eleitor perde o poder de escolher o candidato e as burocracias partidárias ganham muito peso. Já no distritão, os partidos se tornam irrelevantes.

O modelo que avança na Câmara dos Deputados é inspirado no voto distrital, em que são eleitos parlamentares para representar suas regiões — os distritos. Com uma diferença: no distritão, não existe distrito. Começa errado aí. Não existem a proximidade e o vínculo do eleito com os eleitores, vantagens maiores do modelo adotado em algumas das mais avançadas democracias europeias.

No distritão, são eleitos os deputados mais votados, simplesmente. Isso não é bom? Aparentemente, sim. Porém, o modelo atual, que tantas vezes parece injusto, consegue minimamente amplificar a representação e multiplicar a quantidade de vozes no parlamento. Mais que a votação individual, é considerada a soma dos votos nos partidos. Ao se acabar com isso, as siglas são oficializadas como verdadeiras inutilidades.

O formato atual está longe de ser perfeito. Sobretudo porque as coligações em eleições legislativas distorcem a lógica do modelo. O peso que o partido teria deixa de ter. E a vontade do eleitor é distorcida. Quem vota em uma legenda acaba elegendo deputado de partido radicalmente oposto. Se já é difícil encontrar coerência dentro de uma sigla, que dirá numa megacoligação como passou a existir. Isso, porém, seria resolvido com proibição de coligações proporcionais.

O distritão enfraquece o que já está capenga. E, ruim com eles, não é factível uma democracia sem partidos. Eleger os mais votados destitui as legendas de relevância eleitoral. Será indiferente concorrer por um ou outro. Importará o nome do candidato e nada mais. Ganha força o personalismo e, portanto, o populismo. Isso enquanto as agremiações se esfarelam.

CANDIDATURA DO EU SOZINHO

Hoje, é fato que mesmo partidos marxistas, como Psol ou PCdoB, e liberais, como Novo, apostam em grifes. Mais que ideias, as personalidades puxam votos, principalmente. Todavia, hoje, pelo menos há possibilidade de os partidos arregimentarem eleitores em torno de bandeiras ou ideias e conseguirem massa de votos suficiente para eleger representantes. Essa mera possibilidade acaba. É preciso um nome que tenha muitos votos.

O AGRAVAMENTO DA CRISE DE REPRESENTAÇÃO

A representação sai enfraquecida com o distritão. Ao menos na teoria, alguém pode até não ter o candidato eleito, mas ser indiretamente representado por outro parlamentar do mesmo partido, que, em certa medida, dialoga com aquele campo social. O princípio é esse, pelo menos. Com o distritão, não sobra nem a intenção.

Um dos cernes da crise atual é a distância entre representantes e representados. Isso se agrava com o modelo. A democracia fica mais frágil.

Hoje, os candidatos disputam dentro do partido para ter mais votos, mas, sobretudo buscam votos para a coligação, com vistas a eleger o maior número possível de parlamentares. No distritão, o colega de partido é tão adversário quanto qualquer outro.

REFERÊNCIAS

Modelo similar ao distritão não é adotado em nenhuma grande democracia do mundo. Segundo levantamento do Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (Idea) feito em 216 nações, o formato de escolha só foi identificado em quatro países: Afeganistão, Emirados Árabes, Kuwait e Vanuatu, além das Ilhas Pitcairn, território ultramarino britânico na Polinésia com algumas poucas dezenas de habitantes. O Brasil segue por aí.

PARA ALÉM DA ELEIÇÃO

Sempre que se fala em reforma política, em geral se trata apenas de reforma eleitoral. Que é parte importante do problema, mas não é todo o problema. Claro que muito da corrupção passa por esquemas de financiamento e de busca de recursos para se sustentar no poder. Porém, mais que a forma como são eleitos, a questão é o que fazem no poder quando já estão eleitos.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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