Entender
o jogo que a grande mídia tem feito não é para principiantes (Foto: Reprodução)
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O
que quer a Rede Globo ao direcionar todo o seu jornalismo para desgastar Temer
ao mesmo tempo em que outros grandes veículos preferem a suposta estabilidade
que o governo traria à economia? Essa
é a pergunta de um milhão de dólares.
Desde
as denúncias contra Michel Temer feitas pelos donos da JBS, em maio passado,
uma das grandes questões que tem intrigado os que acompanham o noticiário político
é por que o principal grupo de comunicação do país entrou de cabeça na
derrubada do presidente enquanto outros parecem ainda apostar na sobrevivência
da atual gestão.
Ninguém
parece conseguir cravar uma resposta.
Mas
uma análise da cobertura feita pela chamada grande mídia da votação realizada
nesta quarta-feira 2 na Câmara dos Deputados pode dar algumas pistas.
É
possível, por exemplo, afirmar que a denúncia da Procuradoria Geral da
República (PGR) não foi suficiente para mexer de maneira significativa as peças
do tabuleiro político.
Se,
de um lado, a Globo e seus veículos usaram a votação no Congresso para fritar
um pouco mais Temer, houve quem saísse quase que aliviado deste processo –
mesmo que o resultado final, favorável ao Planalto, já estivesse previsto.
Como
anunciado diversas vezes em sua programação, a TV Globo interrompeu sua
programação normal para transmitir ao vivo, no canal aberto, a votação nominal
dos deputados.
Foram
quase quatro horas ininterruptas, que justificaram a não apresentação do Jornal
Nacional e da novela Força do Querer, programas nobres da emissora, no período
da noite.
A
análise detalhada do resultado do plenário coube, então, ao “time de
especialistas” - como gostam de se auto-denominar – do Jornal das Dez, na
Globonews, canal pago da emissora.
Ao
longo de uma hora de programa, eles fizeram questão de destacar como o Palácio
jogou pesado para conseguir votos e como, apesar de ter barrado a continuidade
das investigações, Temer não saiu vitorioso do processo.
“O
governo trabalhou pesado, atendendo no atacado e no varejo, ao longo do dia, os
pedidos de seus aliados. Até a última hora e durante a sessão, o Presidente
trabalhou pessoalmente para barrar a investigação”, anunciou a âncora Renata
LoPrete.
“Havia
expectativa de poucos encontros hoje no Palácio. Mas ao longo do dia, pelo
menos 21 deputados foram recebidos por Temer, além dos governadoras do Rio
Grande do Norte e Tocantins e dos ministros Gilberto Kassab e Blairo Maggi”,
completou o repórter Murilo Salviano, ao vivo do Planalto.
A
reportagem que veio na sequência contou sobre os 10 ministros e dois
secretários de governo que reassumiram seus mandatos na Câmara para votar com
Temer.
Para
a comentarista Cristiana Lobo, foi uma vitória “magra”.
“Temer
se apresentou para ser um Presidente reformista e o número de votos que obteve
não é suficiente pra isso. Vai ter que repactuar toda a sua base, o que não é
tarefa fácil. Chamo atenção para o número de votos contra. O cálculo dos
governistas chegava no máximo a 200. Mas a oposição teve 227 votos. Temer foi
igualmente ruim de norte a sul do Brasil”, criticou.
Para
Merval Pereira, o governo conseguiu escapar usando “os mesmos métodos de
Dilma”: “Só conseguiu porque tem mais história, é mais simpático e conhece
melhor os deputados. Mas foi mais uma vitória do clientelismo e da politicagem
do baixo clero. O resultado mostra que, apesar da luta contra a corrupção, a
política continua sendo feita da mesma maneira”.
Mais
tensão nas costas do peemedebista foi colocada pela Globo com a entrevista, ao
vivo, do presidente da Câmara Rodrigo Maia, que afirmou categoricamente : “Para
o futuro, foi um resultado ruim, porque, com 263 votos, não emendaremos a
Constituição para fazer a Reforma da Previdência”.
Maia
ainda atacou o Planalto, que o acusou de estar atuando contra Temer nos
bastidores: “Sempre fui fiel ao governo e nunca esperei que o entorno do
presidente fosse jogar tão baixo comigo”.
Vale
lembrar: há poucas semanas, foi na casa de um alto executivo da Globo que
Rodrigo Maia se reuniu com deputados aliados.
Merval
Pereira sentenciou: “O governo queria transformar essa votação em em vitória
retumbante e Maia já saiu atacando. O deficit é imenso, a crise é gravíssima e
o governo errou porque aumentou as despesas para obter essa vitória. Então vai
ser uma parceria complicada”.
A
mala e os áudios de Joesley
A
GloboNews exibiu ainda uma matéria específica sobre as acusações da PGR, colocando
novamente no ar as imagens da mala de dinheiro carregada por Rocha Loures e
trechos da transcrição da conversa do Presidente com Joesley Batista.
Lembrou
que ainda há duas possíveis denúncias contra Temer na fila: por formação de
organização criminosa, em casos de fraude na Petrobras junto com o PMDB, e por
obstrução da Justiça, no caso de Cunha.
E
questionou: será que o governo tem cacife e orçamento para enfrentar as outras
que vierem agora?
No
telejornal do canal aberto, mais tarde, William Waack lembrou que, em seu
pronunciamento, feito logo após da votação, “Temer falou muito da economia e
pouco das acusações. Fez questão de reiterar que agora teria condições de fazer
as reformas que, todos sabemos, pararam diante da crise. Mas não falou nada
sobre as denúncias ou sobre a JBS”, afirmou o âncora.
Outro
destaque dos analistas da GloboNews, repetido depois no Jornal da Globo, foi o
racha do PSDB na votação e os prejuízos que daí virão para Temer.
A
fala do líder tucano na Câmara, Ricardo Tripoli, orientando a bancada a votar
pela investigação, foi repetida inúmeras vezes: “os brasileiros estão cansados
de tanta suspeita sobre seus representantes”.
Segundo
a correspondente Andrea Sadi, o chamado centrão já quer os cargos ocupados pelo
PSDB hoje no governo. Tanto no Jornal da Dez quanto no Jornal da Globo, os
canais mostraram as manifestações e panelaços que aconteceram em 15 estados da
federação contra Temer.
Portanto,
a linha defendida no editoral de O Globo neste dia 2 de agosto, assim como nas
manchetes online do jornal após a votação (“Com 263 votos, Câmara ignora provas
e barra denuncia contra Temer”; “Com sorriso no rosto, Temer diz que resultado
não é vitória pessoal”, “Deputado preso em regime semiaberto vota a favor de
presidente”, “Internautas promovem vomitaço em rede social de Michel Temer”),
seguirá a todo vapor.
Com
menos sangue nos olhos, mas também no campo de ataque ao governo – certamente
em busca da aproximação com os 81% da população que defendem que Temer seja
investigado – a Folha de S.Paulo estampou nesta quinta 3: “Temer usa máquina,
demonstra força e barra denúncia".
Dentro,
afirmou: “Balcão de negócios com o recurso público garante vitória
governista", e trouxe duas páginas centrais sob o título "Placar da
Denúncia", com fotos, nomes e partidos dos deputados e como cada um votou.
Na
coluna de opinião, soltou o artigo de Bernardo Mello Franco com o título "Vitória da mala". “Ao blindá-lo,
os deputados deixaram claro que provas não importam. O que mantém um presidente
na cadeira é a sua capacidade de manter o Congresso no cabresto”, afirmou o
colunista.
Em
mais de uma reportagem, o jornal destacou o papel do ministro Antonio
Imbassahy, flagrado negociando emendas no plenário da Câmara.
Na
versão online, a Folha abriu espaço para o trabalho da Agência Lupa, que apurou
quanto cada deputado recebeu de emendas nas duas últimas semanas. O Uol, do
mesmo grupo, destacou: “Temer sobrevive” e “Em dia de votação de denúncia Governo
libera R$ 658 mi para sete ministérios”.
Os
aliados
Se
saísse da Globo e mudasse de canal na TV, o telespectador teria encontrado uma
cobertura bem mais favorável a Temer nas emissoras do Grupo Bandeirantes.
Uma
das maiores beneficiadas pelo aumento de verbas publicitárias distribuídas pelo
Planalto no último ano, a TV Bandeirantes tem dado pouco destaque à crise
política em seu noticiário, e feito longas matérias em defesa da agenda das
reformas.
Na
noite desta quarta 2, não foi diferente. Encerrada a sessão na Câmara, a
emissora logo mostrou a continuidade no alinhamento com presidente e a bancada
governista. Colocações comedidas e até sorridentes deram o tom.
Ao
vivo de Brasília, repórteres ressaltaram que a vitória de Temer foi muito
comemorada nos bastidores. “Aqui no Planalto, o clima é de vida que segue,
página virada”, dizia um dos repórteres, complementando que o pronunciamento do
Presidente destacou a construção mais ampla da base aliada para a aprovação das
reformas.
O
Jornal da Noite, da Bandnews, destacou: “Mercado financeiro e empresários
defendem continuidade de Michel Temer na Presidência”. Em seguida, uma longa
reportagem ouviu empresários de diversos setores, especialmente da indústria
(produção de aço, extração de petróleo, plástico, etc), dizendo o quão a
permanência do Temer é bem vista porque as reformas vão continuar.
Em
total alinhamento com as justificativas de voto dadas pouco tempo antes no
plenário da Câmara, os entrevistados da Band declararam: “Essa instabilidade
política atrapalha muito a economia”, a despeito da grave acusação ao
Presidente.
Em
toda a cobertura, quase nada se falou sobre a situação do país e o baixíssimo
índice de aprovação do governo. Pós-discurso de Temer, a chamada foi: “Vitória
é conquista do Estado Democrático de Direito”.
Aliado
histórico da indústria paulista e do mercado financeiro, o jornal O Estado de
S. Paulo também contribuiu para dar um ar de normalidade ao que se passou no
Congresso.
Ao
contrário da Globo – para quem “foi uma sessão inédita e histórica” –, o
Estadão não deu qualquer destaque à denúncia em si da PGR.
Aliás,
um leitor pouco informado teria dificuldades para entender as razões da consulta
feita à Câmara.
Nenhuma
menção direta ao fato de que Temer é acusado de destinatário de propina
negociada entre o dono da JBS e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures.
Também
não fizeram parte dos destaques matérias sobre as negociações e ofertas de
recursos aos parlamentares para proteção do Presidente.
Quando
o mínimo de votos necessários para barrar a denúncia foi atingido na Câmara, a
chamada no site do Estadão era: “Temer já tem votos suficientes para barrar
denúncia, acompanhe ao vivo”. Encerrada a votação, o destaque também foi o
pronunciamento do Presidente: “Após barrar denúncia, Temer diz que é urgente
pôr o país nos trilhos”.
Outras
chamadas na capa compunham um cenário de apoio ao governo: “Em nome da
economia, aliados votam para arquivar denúncia” e “Bolsa sobe 1% e volta ao
nível de pré-crise política”.
O
tom alinhado com o Planalto seguiu na versão online do jornal desta quinta 3:
“Após vitória na Câmara, próxima batalha é a Previdência, diz Padilha”, em
referência à reforma também apoiada pelo jornal. Já sumiu da página principal a
matéria publicada na véspera, que dizia “Janot pede Temer, Padilha e Moreira
Franco no quadrilhão do PMDB”. O texto principal de Opinião do site é “A
política radical de Lula”.
Entender
o jogo que a grande mídia tem feito não é tarefa, portanto, para principiantes.
O
que importa todo leitor e telespectador considerar é que, nem de longe – assim
como ocorreu com a cobertura do impeachment de Dilma Rousseff –, o que conduz a
linha editorial dos veículos em relação a Temer se resume ao mero exercício do
jornalismo.
Há
muito mais por trás das câmeras, telas e páginas de jornal do que se pode
imaginar.
Sigamos
de olhos abertos.
Texto
das jornalistas Bia Barbosa e Camila Nóbrega, com a colaboração da advogada Cinthya
Paiva. Todas integram o Intervozes.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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