Os presidentes da República, do Senado e do TSE, respectivamente. A crise é profunda (Foto: Beto Barata) |
A
questão crucial da crise brasileira não encontrará saída no remendo eleitoral
que a imprensa chama de "reforma política", na verdade um
conjunto de casuísmos cujo objetivo é
assegurar que nada mude, ou seja, que os de cima permaneçam mandando contra os
interesses dos de baixo.
Antes
de sugerir alternativa ao caos de hoje, a falsa "reforma" aprofundará
a crise de representatividade, cavando ainda mais fundo o desalento nacional, refletido
em pesquisa do instituto Ipsos,
recentemente divulgada, indicadora de que 95% da população brasileira não se
identificam com seus governantes. Enquanto os músicos tocam e os casais dançam,
o Titanic caminha na direção de seu naufrágio.
O
que se assiste em Brasília, com o inefável protagonismo de um Congresso
ilegítimo em movimento de autodefesa, isto é, em defesa, proteção e renovação
dos mandatos, em sua maioria esmagadora mal adquiridos e mal exercidos, é uma
trampa, uma farsa, uma comédia de mau gosto, diríamos, não fossem trágicos e
ameaçadores os seus efeitos. E o mais
deletério de todos os males é a degradação dos Poderes, todos os três
partícipes ativos da obra coletiva de
destruição do projeto Brasil, a construção de um país desenvolvido,
democrático, livre da miséria e promotor da igualdade social.
A crise de nossos dias, passados quase 13 anos de afirmação nacional, renova em nosso povo o velho temor: será que o Brasil está mesmo condenado a jamais dar certo? Esta crise é a mais ampla e a mais profunda e perdurante e peçonhenta de toda a história republicana, que conheceu duas ditaduras e vários governos autoritários, pois pervade todos os espaços da vida nacional, a começar pelos escaninhos da economia e da política até alcançar, e eis o indicador de sua maior malignidade, o plano ideológico com o assassinato da esperança.
A crise de nossos dias, passados quase 13 anos de afirmação nacional, renova em nosso povo o velho temor: será que o Brasil está mesmo condenado a jamais dar certo? Esta crise é a mais ampla e a mais profunda e perdurante e peçonhenta de toda a história republicana, que conheceu duas ditaduras e vários governos autoritários, pois pervade todos os espaços da vida nacional, a começar pelos escaninhos da economia e da política até alcançar, e eis o indicador de sua maior malignidade, o plano ideológico com o assassinato da esperança.
Aprofunda-se,
assim, o "complexo de vira-lata".
O
coletivo que ora nos governa -- a coalizão formada pelo Executivo, pelo
Judiciário, pelo Legislativo, pela mídia hegemônica, pelas Fiespes da vida e
pelo sistema financeiro — aposta no desalento das grandes massas que fomenta
para manter-se com as mãos livres no
processo bem pensado, bem planejado e bem aplicado de destruição nacional,
desmontando as bases de nosso desenvolvimento, o que implica renúncia ao
futuro.
Executivo,
Legislativo e Judiciário, cada no seu mister (não há inocentes nessa miséria),
vão contribuindo para o aprofundamento da crise política que transborda para o
impasse institucional.
A
Petrobras está sendo desconstituída peça por peça, seus ativos estão sendo
vendidos na bacia das almas para as concorrentes multinacionais, e brevemente
voltaremos à condição de grandes importadores de derivados de petróleo e de
petroquímicos; o BNDES não será privatizado, mas já está sendo minado seu papel
como indutor de desenvolvimento, sua
razão de ser, e só isso explica o empenho em igualar a taxa de juros dos seus
empréstimos à dos bancos privados. A pesquisa científica e os investimentos em
inovação (em que estamos tão atrasados!) foram reduzidos a zero, as bolsas de
estudos concedidas pelo CNPq e pela Capes
estão ameaçadas de findar já no mês de setembro, e as universidades
públicas sofrem sob um regime de penúria,
que já atinge instituições fundamentais como a Finep e a Fiocruz.
A toque de caixa, porque "o governo tem pressa" serão vendidas a lotérica da Caixa Econômica, a Casa da Moeda e o aeroporto de Congonhas, o mais rentável entre todos. São, no conjunto, 57 projetos de privatização. E, para a alegria justificada de O Globo e do Estadão já é anunciada a privatização da Eletrobrás, com seus reservatórios, depois de iniciada a da Chesf e a da Cemig, que levará consigo a Light. O tal do "mercado", diz o Estadão do dia 23, prevê uma alta de 178% no preço da conta de luz.
A toque de caixa, porque "o governo tem pressa" serão vendidas a lotérica da Caixa Econômica, a Casa da Moeda e o aeroporto de Congonhas, o mais rentável entre todos. São, no conjunto, 57 projetos de privatização. E, para a alegria justificada de O Globo e do Estadão já é anunciada a privatização da Eletrobrás, com seus reservatórios, depois de iniciada a da Chesf e a da Cemig, que levará consigo a Light. O tal do "mercado", diz o Estadão do dia 23, prevê uma alta de 178% no preço da conta de luz.
Essa
desmontagem do sistema elétrico brasileiro, ao lado da paralisação das obras de
Angra-3, dificultará, ainda mais, a recuperação
industrial e pode constituir-se em ameaça à segurança nacional tão grave quanto
a paralisação do projeto de construção de nossos submarinos, sem os quais nossa
costa (7.491 km) permanecerá desguarnecida, atiçando aventureiros. As terras
indígenas, objeto de grilagem, estão sendo abertas à mineração e as áreas de
fronteira entregues à especulação internacional. E tudo isso constitui, apenas,
a ponta de um profundo iceberg.
O
que mais podemos esperar de trágico se esse governo, corrupto e lesa pátria,
não for detido?
Perigosamente
para a democracia, a desmoralização dos poderes da República tem continuidade
com um Congresso que legisla de costas para a população e à sua frente só mira
interesses pessoais e negociatas, e um Judiciário que, lerdo nos julgamentos,
interfere no andamento da política, avança sobre a competência do Legislativo
(por exemplo, ‘legislando’ em matéria eleitoral) e é acusado de parcialidade política e
desvios éticos, como o usufruto de privilégios antirrepublicanos. Pode haver
miséria maior do que o povo não poder confiar na sua Justiça? Mas que dizer de
um STF cujo mais significativo símbolo diante da opinião pública é o ainda
ministro Gilmar Mendes, desenvolto empresário, conferencista, viajante,
organizador de simpósios e colóquios,
advogado de defesa e assessor legislativo de Michel Temer, o presidente
denunciado e julgado no TSE pelo seu advogado?
Entre
uma viagem e outra, entre uma palestra e outra para empresários e redações dos
grandes jornais, o ministro deu uma parada em Brasília e em 24 horas concedeu
dois habeas corpus aos dirigentes da máfia que controla, mediante corrupção
ostensiva, o sistema de ônibus do Rio de Janeiro. Nada a registrar se o
ministro não fosse padrinho de casamento de Beatriz Barata (filha de um dos
peraltas presos) com Francisco Feitosa Filho, sobrinho de Guiomar Feitosa
Mendes, esposa do ministro (Estado de S. Paulo, 19.8.17). Fato inédito: a
Procuradoria Geral da República arguiu a suspeição do ministro.
Gilmar
Mendes, que lá atrás ditou, em apenas 48 horas, dois habeas corpus em favor de
Daniel Dantas, também concedeu o benefício ao presidiário Eike Batista. De
novo, nada a registrar, não estivesse o ex-bilionário, agora réu, sendo defendido pelo escritório de Sérgio
Bermudes, onde atua a dra. Guiomar,
esposa do ministro.
O
ministro, que parece guiar o STF (a julgar pelo tornitruante silêncio de seus
colegas), é useiro e vezeiro em prejulgamentos, na antecipação de votos e
decisões – no que, aliás, não é o único, lamentavelmente — reveladoras de
sua parcialidade. Recentemente, em
entrevista ao Estadão repercutida com entusiasmo por toda a imprensa, o
desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, a instância que julgará os recursos de Lula,
considerou ‘irrepreensível’ a sentença do juiz Moro.
Embora
sua arrogância quase sempre transborde para a agressão verbal, pela qual vários
colegas já foram atingidos, o ministro, todo dia nas folhas como incensado
pop-star, tem muito prestígio na Casa.
Acaba de indicar, e ter suas indicações aceitas pela presidente do STF,
os nomes de três advogados para integrarem o TSE. Nada a registrar, apenas o
fato de os eventuais novos ministros serem professores da empresa de ensino privado da qual o
ministro é sócio. Dir-se-ia que o comportamento pouco ortodoxo e nada republicano
do atual presidente do TSE é um caso isolado. Ocorre, porém, que, com seu
silêncio, o STF está se solidarizando com o seu ministro, seus atos e suas
falas. A Corte, que se deixa degradar ainda não entendeu, infelizmente, que
será julgada pela História.
O
mesmo STF que faz vista grossa a tanta infração às leis e ao Código de Ética da
Magistratura, professa um ativismo processual-político sem amparo
constitucional. O STF faz política
mediante a administração de pedidos de
vista que se eternizam (como o de Gilmar Mendes, sempre ele, no julgamento da
Ação de Inconstitucionalidade interposta pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil contra o financiamento das eleições por empresas).
O plenário do STF faz vista grossa à indústria de concessão de liminares e outras decisões monocráticas de que decorre o conflito de acórdãos, a revisão da jurisprudência a cada julgado, agravando a insegura jurídica. O STF faz política na organização da pauta dos julgamentos. Enquanto correm celeremente e celeremente são concedidos os pedidos de habeas corpus dos amigos da Casa, adormece nas gavetas o pedido de liberdade interposto pelo almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, um dos mais importantes cientistas nucleares deste país, que, acometido de um melanoma, apodrece na prisão, sem condições de tratamento. O STF, assim, cria e aplica a pena de morte. Da forma a mais impiedosa possível.
O plenário do STF faz vista grossa à indústria de concessão de liminares e outras decisões monocráticas de que decorre o conflito de acórdãos, a revisão da jurisprudência a cada julgado, agravando a insegura jurídica. O STF faz política na organização da pauta dos julgamentos. Enquanto correm celeremente e celeremente são concedidos os pedidos de habeas corpus dos amigos da Casa, adormece nas gavetas o pedido de liberdade interposto pelo almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, um dos mais importantes cientistas nucleares deste país, que, acometido de um melanoma, apodrece na prisão, sem condições de tratamento. O STF, assim, cria e aplica a pena de morte. Da forma a mais impiedosa possível.
A
questão grave é a sensação de desamparo que se apossa da cidadania, diante de um Poder que se jacta de sua
postura olímpica, mas é acusado de desvios éticos e privilégios descabidos
numa República (salários acima do teto constitucional, comissões por isso e por
aquilo e gratificações por ‘excesso de trabalho’). O Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) determinou que os tribunais regionais do Trabalho paguem aos seus
desembargadores uma gratificação por “sobrecarga de processos”, que pode elevar
os salários de cada um em até 9.141 reais.
O
Ministério Público Federal segue-lhe os passos: em 2015 foram gastos 2,2
milhões de reais com diárias concedidas aos procuradores que atuam na Lava Jato
em Curitiba. Liminares do ministro Luiz Fux autorizaram o pagamento de
auxílio-moradia a juízes e procuradores, benefício que já custou 4,5 bilhões de
reais. Essas liminares estão, há três anos, esperando que a presidência as
paute para julgamento. Não julgar, porém, é uma das maneiras de o STF intervir
no pleito. Assim, o STF respaldou o impeachment da presidente Dilma Rousseff,
ao não julgar a liminar concedida por Gilmar Mendes (sempre ele, por quê?)
proibindo, sem base constitucional, a nomeação do ex-presidente Lula para a
chefia da Casa Civil.
Este
é o jogo da casa grande, senhora de baraço e cutelo desde a colonização,
exercendo seu império sobre o País e sua gente. Esta é sua história e seu
protagonismo. A vontade dos de cima só cessará quando os de baixo tomarem
consciência dessa dominação e, organizados, reverterem o processo.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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