As
greves e os protestos contra as reformas radicais do governo e contra Michel
Temer na sexta-feira 30 foram mais uma vez localizados, engrossados
majoritariamente por grupos e movimentos sociais ligados à esquerda.
De
novo a chamada “classe média”, que lotou as ruas pela queda de Dilma Rousseff,
foi indiferente. Tem sido assim desde o início do escândalo Friboi. Por quê?
“Isso
está de acordo com o caráter golpista do processo político visto desde o
impeachment”, diz o cientista político Renato Perissinotto, da Universidade
Federal do Paraná.
“O
presidente já devia ter sido tirado, contra ele há muito mais do que havia um
ano atrás. Mas agora o tratamento dado a ele é suave, quase de normalidade,
ninguém radicaliza pela saída dele”, completa o professor, presidente da
Associação Brasileira de Ciência Política.
Dilma
foi deposta pelo Congresso por “pedalada fiscal”, um conceito contábil difícil
de explicar para a população. Mas o que fez milhões protestarem nas ruas foram
os escândalos de corrupção do PT.
No
caso de Temer, a situação é mais didática: um subordinado de sua confiança foi
filmado correndo com uma mala contendo meio milhão de reais em propina para ser
repartida com o chefe.
“Se
não houve mobilização contra o Temer até agora, depois de tudo o que já se
sabe, não sei o que seria capaz de provocá-la. E olha que corrupção é um tema
tradicional para a classe média”, afirma Perissinotto.
“A
única conclusão possível”, comenta, é que “setores da classe média, como o MBL,
radicalizaram contra um tipo de política social e econômica”, não contra a
corrupção.
Em
outras palavras: aquelas pessoas apoiadoras do impeachment que diziam não ter
“bandido de estimação”, uma referência aos partidários do ex-presidente Lula,
têm bichinhos de pelúcia sim. Os que governam a seu gosto. “O Temer é
investigado por um fato muito mais grave do que pedalada, mas com efeitos menos
contundentes. É trágico”, diz Perissinotto.
O
cinismo não está apenas nas ruas - ou melhor, em casa.
Às
vésperas da votação do impeachment de Dilma na Câmara, a Confederação Nacional
da Indústria (CNI) mandou uma carta aos deputados fazendo lobby pela cassação.
Após o escândalo JBS-Friboi, pagou propaganda em jornal e distribuiu uma
“comunicado à nação” em defesa das reformas radicais (trabalhista e da
Previdência) e da estabilidade política, ou seja, de Temer.
Na
Folha de S. Paulo da segunda-feira 26, o presidente da entidade, Robson Braga,
foi direto. “Todo o empresariado prefere continuar com o presidente Michel
Temer. Hoje a posição é essa: é melhor seguir e fazer a transição no país.
Chega de turbulência.”
A
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) age igual. Sua sede na
Avenida Paulista foi uma espécie de QG anti-Dilma. Seu presidente, Paulo Skaf,
liderou marchas de patos amarelos pelo impeachment e contra aumento de
impostos. Agora na crise de Temer, ele diz não caber à entidade opinar sobre a
saída do presidente.
Há
compreensíveis razões particulares por trás da postura de Skaf. Criminosos
delatores da Odebrecht dizem que naquele famoso jantar com Temer no Palácio do
Jaburu em maio de 2014, os 10 milhões de reais em grana suja solicitados pelo
anfitrião seriam repartidos com Skaf, candidato ao governo paulista pelo PMDB
naquele ano.
O
líder da Fiesp também está na bombástica delação da JBS. Contam os criminosos
delatores Joesley Batista e Ricardo Saud que na eleição de 2014 Temer pediu à
empresa 15 milhões de reais em caixa 2. Era para ele distribuir entre aliados.
Skaf ficaria com um naco 2 milhões da bufunfa.
Razões
pessoais à parte, o empresariado em geral apoia Temer por desejar as reformas
radicais patrocinadas pelo governo. Em especial, a trabalhista, prestes a ser
aprovada em definitivo para matar a CLT. “Para o mercado, a preocupação nunca é
a democracia, é a estabilidade econômica, o ganho direto”, diz Perissinotto.
“Haverá boa vontade com Temer enquanto ele for útil às reformas.”
O
sonho de conseguir reformas radicais esteve na raiz do apoio engravatado ao
impeachment. O serviço que a turma do PIB encomendou a Temer tem chances
remotíssimas de aprovação em uma eleição. O peemedebista nem faz segredo disso,
vide um discurso seu na segunda-feira 26. “Nós chegamos aqui para fazer aquilo
que muitas e muitas vezes as questões eleitorais impedem.”
Ele
já tinha sido explícito, mas só com endinheirados, em um almoço a portas
fechadas em Nova York em setembro de 2016.
Ali,
afirmou que Dilma caiu por não aceitar as reformas radicais de propostas pelo
PMDB no documento “Ponte para o Futuro”, plano levado a ferro e fogo pelo atual
governo. “Como isso não deu certo, não houve adoção [da Ponte], instaurou-se um
processo que culminou agora com a minha efetivação na Presidência.”
Para
a sobrevivência de Temer até aqui em meio a um escândalo, não se pode esquecer
o papel do sistema político, em especial dos grandes partidos governistas, PMDB
e PSDB. Temer, lembra Perissinotto, tinha outra missão além de levar adiante
uma agenda feita na medida para empresário: enterrar a Operação Lava Jato.
A
missão foi celebremente descrita pelo atual presidente interino do PMDB e líder
de Temer no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), em uma conversa com um criminoso
delator, Sergio Machado, sem saber que era gravado. Dizia Jucá, ali por
fevereiro, março de 2016, que por trás do impeachment havia uma “solução
Michel” para “estancar” a Lava Jato, “com o Supremo, com tudo”.
A
soltura do “homem da mala”, Rodrigo Rocha Loures, nesta sexta-feira 30 por
ordem do Supremo Tribunal Federal e a autorização do mesmo STF para o tucano
mineiro Aécio Neves reassumir o mandato de senador mostram que a “solução
Michel” está a todo vapor. Temer continuará no cargo para ver sua obra pronta e
acabada?
“O
presidente parece ter número para barrar a denúncia [de corrupção, apresentada
ao STF] na Câmara dos Deputados. São números instáveis, há investigações por
todo o lado”, diz Perissinoto. “Se ele conseguir aprovar as reformas [a
trabalhista está por um fio], acredito que terminará o mandato em 2018.”
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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