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27 de julho de 2017

"Blogs e redes sociais como arma contra abusos no trabalho" por Deustche Welle

Durante sua primeira semana na Google, uma mulher foi convidada por um colega para confraternizar em um bar com outros funcionários depois do trabalho. Ela estava tão animada por se sentir incluída, mas, ao chegar ao local, descobriu que a saída não era realmente em grupo, mas apenas com o homem que a convidou.

A situação ficou ainda mais estranha quando ele lhe disse que ela "deveria 'ir para a cama com todo mundo', porque essa é a cultura na empresa".


Normalmente, em uma empresa americana, alguém informaria o caso imediatamente ao departamento de recursos humanos (RH), que estabeleceria uma estratégia e lidaria com a situação. No entanto, muitos funcionários acham esse método ineficaz e sentem que suas preocupações são ignoradas.

Com rápido e amplo alcance, blogs e mídias sociais tornaram-se uma ferramenta para obter uma resposta em situações do tipo. No caso da mulher mencionada acima, ela enviou sua história para o "Yes, At Google" ("Sim, no Google", em tradução livre), um informativo difundido em toda a empresa.

O "Yes, At Google" começou em outubro de 2016 como uma campanha independente de e-mails, com o objetivo de aumentar a transparência em torno de assédios e preconceito.

Funcionários enviavam mensagens sobre as situações pelas quais passaram, e as postagens eram compiladas por um grupo de empregados anônimos num e-mail semanal. Atualmente, mais de 15 mil funcionários da Google estão na lista, o que representa mais de 20% da força de trabalho da empresa.

Quanto maior o número de funcionários, maior a probabilidade de haver choques culturais e limites de gênero envolvidos – e é aí que o departamento de RH deve entrar. Destinado a atuar como uma força neutra e incorruptível, o setor contrata, demite, gerencia a folha de pagamento, faz a mediação dos conflitos e aborda as leis estaduais e federais que a empresa deve cumprir.

No entanto, manchetes recentes sobre escândalos refletem uma posição diferente do departamento de RH, que muitas vezes fica do lado do infrator ou agressor.

O setor de RH é, por natureza, contra os funcionários?

Analisemos o caso de Susan J. Fowler, ex-funcionária da Uber. Enquanto estava na empresa, ela teve problemas com o setor de RH ao tentar denunciar que havia sido assediada sexualmente por seu gerente. O departamento ignorou suas reclamações e até indicou que haveria repercussões negativas caso ela prosseguisse com suas ações.

Fowler logo percebeu que não estava sozinha e que havia outras colegas mulheres na mesma situação. "Algumas até contaram que já haviam denunciado exatamente o mesmo gerente muito antes de eu ter entrado na companhia", afirmou Fowler. "Tornou-se óbvio que tanto o RH como a gerência estavam mentindo sobre eu ter denunciado 'a primeira infração' do gerente, e certamente não foi a última."

União Europeia amplia acusações contra Google

Como o departamento de RH da empresa não mostrou interesse nas denúncias, Fowler documentou os assédios recebidos e postou num relato em primeira pessoa em seu blog pessoal – e a publicação viralizou. Quando se escreve "Uber scandal" (Escândalo na Uber) em um buscador, são mostradas mais de 1,4 milhão de páginas de resultados.

"O impacto do artigo meticulosamente documentado de Fowler continua crescendo", afirma George Anders, colaborador da revista Forbes. "As inúmeras evidências de problemas levaram à demissão de 20 pessoas, a uma investigação comandada pelo conselho e à mal explicada 'licença' do CEO da empresa, Travis Kalanick." Até se sugeriu que Fowler recebesse um prêmio Pulitzer por sua documentação completa sobre a situação.

A Uber não respondeu imediatamente às alegações de Fowler. Foi somente após a repercussão na imprensa que a empresa abordou publicamente a questão. Fowler conhecia o risco envolvido de ir além do RH e esperou até que não estivesse mais trabalhando na empresa para compartilhar as informações em seu blog.
Em ambientes de trabalho agressivos como o da Uber, a ameaça de retaliação interna é um desincentivo importante para aqueles que são alvo de abusos. O simples ato de denunciar se torna uma grande vulnerabilidade, e os funcionários sentem que devem escolher entre buscar justiça ou manter seu emprego.

Ruth Cornish, membro da ONG inglesa Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD), entrevistou funcionários de empresas para saber se o RH era amigo ou inimigo dos empregados. A maioria respondeu inimigo, e um deles chegou a dizer: "Eles existem para proteger a empresa e são, por natureza, contra os funcionários."

Empresa com RH versus sem RH

Rotatividade de funcionários significa altos custos, as ações judiciais são caras, e notícias ruins na imprensa prejudicam a reputação da companhia, fazendo do setor de RH uma forma de seguro contra desfechos desfavoráveis.

Enquanto especialistas recomendam a criação de um departamento de recursos humanos para qualquer empresa com mais de 15 funcionários, muitas firmas de tecnologia esperam o maior tempo possível para evitar despesas de pessoal.

Danny Crichton, do portal de notícias sobre tecnologia e empresas de internet TechCrunch, diz que "os empreendedores não ganham pontos com fundadores ou sócios ao contratarem alguém para gerenciar os recursos humanos dentro de uma empresa". Geralmente, uma ação judicial e a discussão subsequente sobre os riscos à reputação da empresa acaba forçando o estabelecimento do setor de RH, aponta Crichton.

No caso de "Yes, At Google", a empresa não tentou acabar com o informativo. Na verdade, executivos e vice-presidentes assinaram o boletim, e o departamento de RH foi atrás de uma série de incidentes que foram trazidos à tona pelo informativo.

Para a Google, aceitar o direito à liberdade de expressão de seus funcionários e ouvir os problemas que surgem no ambiente de trabalho pode ser uma salvaguarda efetiva contra um escândalo como o que sujou o nome da Uber.


Publicado originalmente no portal Carta Capital

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