Durante
sua primeira semana na Google, uma mulher foi convidada por um colega para
confraternizar em um bar com outros funcionários depois do trabalho. Ela estava
tão animada por se sentir incluída, mas, ao chegar ao local, descobriu que a
saída não era realmente em grupo, mas apenas com o homem que a convidou.
A
situação ficou ainda mais estranha quando ele lhe disse que ela "deveria
'ir para a cama com todo mundo', porque essa é a cultura na empresa".
Normalmente,
em uma empresa americana, alguém informaria o caso imediatamente ao
departamento de recursos humanos (RH), que estabeleceria uma estratégia e
lidaria com a situação. No entanto, muitos funcionários acham esse método
ineficaz e sentem que suas preocupações são ignoradas.
Com
rápido e amplo alcance, blogs e mídias sociais tornaram-se uma ferramenta para
obter uma resposta em situações do tipo. No caso da mulher mencionada acima,
ela enviou sua história para o "Yes, At Google" ("Sim, no
Google", em tradução livre), um informativo difundido em toda a empresa.
O
"Yes, At Google" começou em outubro de 2016 como uma campanha
independente de e-mails, com o objetivo de aumentar a transparência em torno de
assédios e preconceito.
Funcionários
enviavam mensagens sobre as situações pelas quais passaram, e as postagens eram
compiladas por um grupo de empregados anônimos num e-mail semanal. Atualmente,
mais de 15 mil funcionários da Google estão na lista, o que representa mais de
20% da força de trabalho da empresa.
Quanto
maior o número de funcionários, maior a probabilidade de haver choques
culturais e limites de gênero envolvidos – e é aí que o departamento de RH deve
entrar. Destinado a atuar como uma força neutra e incorruptível, o setor
contrata, demite, gerencia a folha de pagamento, faz a mediação dos conflitos e
aborda as leis estaduais e federais que a empresa deve cumprir.
No
entanto, manchetes recentes sobre escândalos refletem uma posição diferente do
departamento de RH, que muitas vezes fica do lado do infrator ou agressor.
O
setor de RH é, por natureza, contra os funcionários?
Analisemos
o caso de Susan J. Fowler, ex-funcionária da Uber. Enquanto estava na empresa,
ela teve problemas com o setor de RH ao tentar denunciar que havia sido
assediada sexualmente por seu gerente. O departamento ignorou suas reclamações
e até indicou que haveria repercussões negativas caso ela prosseguisse com suas
ações.
Fowler
logo percebeu que não estava sozinha e que havia outras colegas mulheres na
mesma situação. "Algumas até contaram que já haviam denunciado exatamente
o mesmo gerente muito antes de eu ter entrado na companhia", afirmou
Fowler. "Tornou-se óbvio que tanto o RH como a gerência estavam mentindo
sobre eu ter denunciado 'a primeira infração' do gerente, e certamente não foi
a última."
União
Europeia amplia acusações contra Google
Como
o departamento de RH da empresa não mostrou interesse nas denúncias, Fowler
documentou os assédios recebidos e postou num relato em primeira pessoa em seu
blog pessoal – e a publicação viralizou. Quando se escreve "Uber
scandal" (Escândalo na Uber) em um buscador, são mostradas mais de 1,4
milhão de páginas de resultados.
"O
impacto do artigo meticulosamente documentado de Fowler continua
crescendo", afirma George Anders, colaborador da revista Forbes. "As
inúmeras evidências de problemas levaram à demissão de 20 pessoas, a uma
investigação comandada pelo conselho e à mal explicada 'licença' do CEO da
empresa, Travis Kalanick." Até se sugeriu que Fowler recebesse um prêmio
Pulitzer por sua documentação completa sobre a situação.
A
Uber não respondeu imediatamente às alegações de Fowler. Foi somente após a
repercussão na imprensa que a empresa abordou publicamente a questão. Fowler
conhecia o risco envolvido de ir além do RH e esperou até que não estivesse
mais trabalhando na empresa para compartilhar as informações em seu blog.
Em
ambientes de trabalho agressivos como o da Uber, a ameaça de retaliação interna
é um desincentivo importante para aqueles que são alvo de abusos. O simples ato
de denunciar se torna uma grande vulnerabilidade, e os funcionários sentem que
devem escolher entre buscar justiça ou manter seu emprego.
Ruth
Cornish, membro da ONG inglesa Chartered Institute of Personnel and Development
(CIPD), entrevistou funcionários de empresas para saber se o RH era amigo ou
inimigo dos empregados. A maioria respondeu inimigo, e um deles chegou a dizer:
"Eles existem para proteger a empresa e são, por natureza, contra os
funcionários."
Empresa
com RH versus sem RH
Rotatividade
de funcionários significa altos custos, as ações judiciais são caras, e
notícias ruins na imprensa prejudicam a reputação da companhia, fazendo do
setor de RH uma forma de seguro contra desfechos desfavoráveis.
Enquanto
especialistas recomendam a criação de um departamento de recursos humanos para
qualquer empresa com mais de 15 funcionários, muitas firmas de tecnologia
esperam o maior tempo possível para evitar despesas de pessoal.
Danny
Crichton, do portal de notícias sobre tecnologia e empresas de internet
TechCrunch, diz que "os empreendedores não ganham pontos com fundadores ou
sócios ao contratarem alguém para gerenciar os recursos humanos dentro de uma
empresa". Geralmente, uma ação judicial e a discussão subsequente sobre os
riscos à reputação da empresa acaba forçando o estabelecimento do setor de RH,
aponta Crichton.
No
caso de "Yes, At Google", a empresa não tentou acabar com o
informativo. Na verdade, executivos e vice-presidentes assinaram o boletim, e o
departamento de RH foi atrás de uma série de incidentes que foram trazidos à
tona pelo informativo.
Para
a Google, aceitar o direito à liberdade de expressão de seus funcionários e
ouvir os problemas que surgem no ambiente de trabalho pode ser uma salvaguarda
efetiva contra um escândalo como o que sujou o nome da Uber.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário
A Administração do Blog de Altaneira recomenda:
Leia a postagem antes de comentar;
É livre a manifestação do pensamento desde que não abuse ou desvirtuem os objetivos do Blog.