Muitos
se perguntam: por que, após tantas denúncias, ditadas e repetidas por fontes as
mais diversas, e insuspeitas, como a voz dos ex-sócios, Michel Temer ainda não
caiu, quando foi tão fácil depor a presidente Dilma Rousseff?
Como
se sustenta um presidente sem apoio no voto, ungido ao poder por um golpe de
Estado midiático-parlamentar (onde começa a desmilinguir-se seu mando), e
desfrutando do desapreço da população de seu país, de quem foge, acuado,
escondido no bunker em que foi transformado o Palácio do Jaburu?
Vários
fatores podem, no conjunto, constituir uma resposta mais ou menos satisfatória.
Mas, antes de mais nada, lembremos que, divergências secundárias à parte,
mantem-se de pé a coalizão econômico-política montada lá atrás para assegurar o
impeachment. O capital financeiro, o agronegócio, as igrejas pentecostais e
suas representações no Congresso e nos grandes meios de comunicação, permanecem
unificados em torno das ‘reformas’, eufemismo com o qual se designa o projeto,
em curso acelerado, de regressão política, social e econômica do País, cujo
alcance paga qualquer preço.
Para
esse efeito, Temer é peça secundária, instrumento descartável a qualquer
momento. E por que não é jogado ao mar como carga imprestável? Por que a troca
de guarda coloca, entre várias outras questões (como a relativa apatia das
ruas, o medo dos parlamentares em face dos seus ‘justiceiros’, e o ‘risco Lula’, etc.) dois problemas, para
o establishment: um, o modus faciendi do descarte, que precisa respeitar, pelo
menos nas aparências mais vistosas, as regras constitucionais, e, dois, a
necessidade de que a substituição se faça em segurança, para que no lugar de
Francisco se sente Chico, comprometido, como ele, com as ‘reformas’.
Por
tais razões, nenhuma porta pode ser aberta, mesmo pela direita, sem o concurso,
ora da Câmara dos Deputados (a quem cabe autorizar ou não o impeachment e a
abertura de processo contra o presidente), ora do Supremo Tribunal Federal,
que, para dizer o mínimo, deixa muito a desejar na sua letargia, no seu
partidarismo, sempre atendendo aos movimentos dos cordéis comandados pelo
poder.
Lamentavelmente,
após um lento processo de corrosão (derivado em elevada potência do desastre do
processo político-eleitoral em agonia), apresentam-se derruídas as bases morais
e constitucionais dos poderes projetados pela soberania popular (e sobre todos
reinam os poderes econômicos e mediáticos), pois estamos em face da falência de
representatividade (donde perda de legitimidade) tanto do Legislativo quanto do
Executivo – ambos, ademais, acusados de corrupção congênita.
Que
dizer de uma Câmara dos Deputados presidida, até ontem, pelo presidiário
Eduardo Cunha (hoje por Rodrigo Maia), ou de um Poder Executivo chefiado por
Michel Temer, aguardando, em doce vilegiatura pela Europa, a denúncia por crime
de corrupção com a qual lhe acenam a PGR e o STF?
Um
de seus comparsas, em crise com a chefia, como quase sempre ocorre nos momentos
de divisão do butim, resumiu bem, e com a autoridade que ninguém lhe nega, o
retrato da organização criminosa: "metade está na cadeia e metade está no
Palácio do Planalto", sua caverna, sua toca.
O
Judiciário, por seu turno, faz sua parte, seja como instituição, seja pelo
comportamento de alguns de seus membros. Lento e parcial, contraditório em suas
decisões (de que deriva a insegurança jurídica), desrespeita direitos amparados
pela Constituição e invade áreas do Legislativo e do Executivo. Partidarizado,
intervém no processo político, como ao não julgar a liminar sobre a proibição
de Lula assumir a chefia da Casa Civil de Dilma Rousseff. Omitindo-se,
ardilosamente, abriu, consciente e deliberadamente, o caminho de que as forças
golpistas careciam para abrir caminho ao impeachment, do qual se fez coator.
Quando
a todos nos parecia que o ridículo, o opróbrio, o inusual, o insuspeitável, o
escandaloso teria sido esgotado pelo espetáculo de chanchada chinfrim oferecido
pela Câmara dos Deputados na lamentável e cara (sabe-se agora, pelas delações
premiadas, quanto de propina custou aquela votação!) sessão de 17 de abril de
2016, quando aceitou a denúncia contra Dilma Rousseff, eis que o julgamento,
pelo TSE, do pedido tucano derrotado de desclassificação da chapa vitoriosa em
2014, se transforma em episódio lamentável.
Refiro-me
evidentemente, ao comportamento do presidente da sessão (debochado, insolente,
mal-educado, rompendo as raias do ridículo), o ainda ministro Gilmar Mendes,
ministro do STF e do TSE, advogado militante, empresário do ensino privado,
promotor de convescotes com homens de negócios e acadêmicos sem nomeada,
assessor de réus que ora julga no tribunal eleitoral, ora julga no Supremo, e,
finalmente, com sua família, fornecedor de bois para o complexo JBS.
Com
sua falta de educação e contínua deslealdade diante de seus colegas, assusta um
acomodado STF que, sem nervos e músculos para impor-se, recusa o dever de
chamá-lo à ordem.
Esquece-se
porém, o tribunal, que a História não julgará isoladamente este ou aquele
ministro, este ou aquele juiz, mas sim o Poder Judiciário, como instituição.
A
propósito, vários pedidos de impeachment de Gilmar Mendes foram apresentados ao
Senado Federal. De um deles tive a honra de ser signatário (ao lado de Fábio
Comparato, Sérgio Sérvulo, Álvaro Ribeiro da Costa e Celso Antônio Bandeira de Melo, entre
outros) e do qual foi nosso patrono Marcelo Lavenère, ex-presidente do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados. Nosso pedido foi convenientemente recusado pelo
então presidente da Casa, o inefável senador Renan Calheiros e contra essa
denegação os autores impetraram mandado de segurança junto ao STF. Caiu-lhe
como relator o ministro Edson Fachin, que, por sua vez, considerou
‘inadmissível’ a medida. Desta decisão foi impetrado agravo interno que espera
julgamento pelo plenário.
Diante
desse quadro de crise sistêmica, que nos resta como ‘saída’? A alternativa do
impeachment do presidente, que o genro de Moreira Franco não deixa andar (entre
outros dorme em suas gavetas o pedido formulado pelo Conselho Federal da OAB),
contém, tanto o defeito da morosidade, quanto
o de depender da atual Câmara dos Deputados e do atual Senado Federal,
dominados, majoritariamente, pela aliança da corrupção deslavada com o baixo
clero, e um "centrão" tomado por conservadorismo mais que
reacionário. O provável pedido do STF, de autorização para processar Temer,
padece da mesma dependência, no caso a prévia licença da Câmara.
O
atual Legislativo (confia-se que o STF, não obstante tudo, não lhe siga as
pegadas) é a guarda pretoriana do presidente, surdo à voz das ruas, já que os
interesses que defende e preserva não coincidem com os interesses de seus
supostos representados, pois, falam as pesquisas de opinião de todos os
institutos especializados, a quase unanimidade da população repudia o atual
governo e defende sua defenestração.
O
tucanato, agente decisivo no golpe e base fundamental da sustentação do
governo, mesmo agora, vem à luz do dia propor a renúncia de Temer seguida de
imediata convocação de eleições gerais, ou seja, a antecipação do pleito de
2018. Não se sabe se FHC já combinou o jogo com Temer, e muito menos com os
titulares de mandatos eletivos espalhados Brasil afora, do Senado às câmaras
municipais, pois, se é, na atual ordem constitucional, impossível reduzir esses
mandatos, a efetividade da proposta passa a depender de uma renúncia coletiva.
É preciso acreditar em duendes para apostar em tal evento. Em um ponto,
todavia, todos estamos de acordo: o Congresso, que não tem legitimidade para
promover reformas tão profundas como as exigidas pelos donos do dinheiro,
surrupiando do povo direitos conseguidos há décadas, também não tem
legitimidade para eleger o eventual substituto de Michel Temer.
De
uma forma ou de outra, há uma evidência: esse governo precisa ser removido e
substituído por outro, esse emanado do voto popular. A solução, pois o País não
pode permanecer imobilizado quando cresce e se aprofunda o projeto de sua
desconstrução, volta-se para a saída de Temer e a convocação, mediante emenda
constitucional, de eleições diretas para sua sucessão, de sorte que essa
sucessão, não sendo apenas uma troca de seis por meia dúzia, segundo o gosto
das classes dominantes, seja a segurança da retomada do desenvolvimento, da
defesa nacional, da recuperação dos direitos sociais e trabalhistas.
Eleições
diretas não são um fetiche, uma panaceia, mas, sim, a única oportunidade que
ainda temos de devolver legitimidade à Presidência da República, mormente
quando, sabidamente, só um dirigente legitimado pela soberania popular terá
condições morais e políticas de comandar, com o conjunto da sociedade, a árdua
tarefa de recuperação política e econômica do País. Qualquer outra tentativa de
saída simplesmente aprofundará a crise que continuará crescendo como um
insaciável Moloch, para um dia, sem controle, nos devorar.
O
povo novamente nas ruas, a rebeldia de nossa gente, a insatisfação transformada
em pressão popular, podem – e devem – construir as condições objetivas para a
saída do impasse. Daí a importância da unidade dos movimentos populares, a
começar pela unidade do movimento sindical, convergindo para uma grande e ampla
frente nacional pelas Diretas Já.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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