Usufruíamos
daquelas frondosas árvores durante muito tempo, nossa infância e juventude. Só
na minha casa, havia uma parreira carregada de uvas Niágara todo fim de ano,
uma ameixeira e duas laranjeiras. Na casa do vizinho, muitas bananeiras, um pé
de jambo amarelo e uma goiabeira.
Na
chácara de Dona Catarina, em Cataguases, muitos pés de carambolas, de jambo
vermelho, de abil, muitos pés de pitanga, jabuticaba, caju, abacate e fruta do
conde.
Fomos
acostumados a comer frutas no pé, sem agrotóxico, sem veneno algum. Sequer
lavávamos antes de colocar na boca. A goiaba vinha cheia de bichinhos brancos
que espantávamos com um peteleco e quando iam parar na nossa boca, cuspíamos.
Subíamos
nas árvores como se fôssemos macacos, pulando de galho em galho até o topo,
onde estavam as jabuticabas maiores, sempre.
Os
meus pais acostumaram os filhos a comer muita fruta. De manhã, não faltava na
mesa o mamão com açúcar, a laranjada, e meu pai, metido que era, às vezes
comprava melão espanhol nas Estâncias Califórnia, num tempo em que melão era só
importado.
A
maçã e a pera também eram importadas. Vinham da Argentina, embrulhadas em um
papel de seda azul com um perfume que ainda sinto até hoje.
Nossa
infância foi coroada de frutas e mais frutas que, segundo a minha mãe, chegavam
à mesa, graças a Deus. Mas havia um fantasma no ar, o da nódoa.
Dona
Lali lavava nossas roupas com Rinso, uma novidade na época, um sabão em pó que,
segundo a propaganda, deixava a roupa mais branca. A única recomendação que ela
nos passava era essa: "Cuidado com a nódoa!"
Minha
mãe repetia uma ladainha todos os dias: Caju dá nódoa, manga dá nódoa,
jabuticaba dá nódoa. Ela tinha um verdadeiro pavor de roupa com nódoa que, para
quem não sabe, é uma mancha que fica na roupa pra sempre.
Ainda
não havia Google pra ela e por isso não sabíamos porque algumas frutas deixavam
aquelas manchas horrendas nas nossas camisas brancas.
As
antocianinas presentes nas frutas tendem a fixar-se nas fibras dos tecidos.
Quando lhes é aplicado calor a nódoa torna-se mais profunda pois dá-se uma
mudança química na sua composição que dificulta grandemente a remoção da nódoa.
Lembro-me
bem da minha mãe no tanque tentando retirar nódoa das roupas. Ela colocava um
copo de água sanitária Globo, misturada com água e sabão português.
Chacoalhava, deixava de molho e depois colocava no sol pra quarar. Mas a nódoa
não saia por nada.
Publicada originalmente no portal Carta Capital
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