A Globo quer descartar o arauto de sua agenda política (Foto: Reprodução) |
Não
sei o que é mais ridículo nessa crise turbinada na qual o País embarcou com as
delações da JBS, o tom de indignação dos âncoras e comentaristas da grande
mídia perante o deslindamento dos esquemas de corrupção envolvendo Michel
Temer, Aécio Neves et caterva (nunca essa expressão latina foi tão bem
empregada), ou a reação de incredulidade e desilusão de boa parte da classe
média perante o noticiário. No caso dos lacaios da grande mídia, o ridículo
reside na farsa descarada de seu comportamento. Já a classe média passa pelo
ridículo daqueles que dão sinais da estupidez em público sem se darem conta
disso.
Ora,
quem não sabia que Temer, Aécio e seus aliados estavam envolvidos em todo tipo
de maracutaia? Resposta: somente os pobres de espírito, entendendo esta palavra
no seu sentido filosófico de desenvolvimento da mente. Corta para o detalhe
cômico de o delator Saud dizer que Temer e Kassab se distinguiam por
abertamente reservarem propina para gastos pessoais, enquanto todos os outros
recipientes pelo menos tinham o pudor de tomar o dinheiro para fins de
campanha, prima facie, é claro.
Não
há nada de muito novo nessas delações além da verdade escancarada dos fatos, no
atacado, e de provas materiais contra alguns delatados. Apesar de isso não ser
pouca coisa, os fatos em si não deveriam surpreender a ninguém. O que é na
verdade surpreendente, ou seja, a grande questão que se coloca para a análise
política nesse momento é o racha que começa a se desenhar entre os órgãos da
grande imprensa.
Enquanto
a Folha de S. Paulo e o Estadão adotam posição de bombeiro da crise, lançando
em suas capas e editoriais dúvidas sobre as acusações contra Temer, a rede
Globo, por meio de todos os seus meios, move campanha ferrenha contra Temer e
de lambuja contra Aécio, até há pouco um verdadeiro darling das empresas dos
Marinho, com direito a amizade sincera e pública com figuras como Luciano Huck
e Ronaldo Fenômeno.
Os
jornalões paulistas fazem o que era esperado deles, apoiaram Temer desde o
início, a Folha de modo bem mais recalcitrante, isso é verdade, e agora se
aferram a sua opção política original, cerrando fileira com a defesa do
presidente, ainda que já permitam colunistas bem mais críticos pedindo a cabeça
de Temer em suas edições.
Quem
se comporta de maneira muito atípica é o Grupo Globo. Temer é massacrado pela
cobertura do jornal, da rede aberta e do canal noticioso de cabo. Dedicam a ela
uma cobertura somente comparável àquela recebido por Lula, personagem ao qual o
grupo dedica publicamente ódio mortal, descartando todos os rituais de pretensa
neutralidade e equilíbrio jornalístico em favor de um tratamento abertamente
persecutório.
O
editorial do jornal O Globo do dia 20, publicado antecipadamente no site na
tarde de hoje (19 de maio), pede a renúncia de Temer, ainda que reafirme o
apoio a sua agenda reformista neoliberal. Está aí mais um elemento de surpresa.
A
grande empresa de mídia quer descartar o arauto de sua agenda política. O que
leva a Globo a agir dessa forma? Quais seriam os planos por trás desse
comportamento que a distancia dos demais membros da grande imprensa, até há
pouco muito alinhados em suas posturas e ações políticas?
É
muito difícil responder essa pergunta. Podemos, porém, tentar encaixar algumas peças
do quebra-cabeça com a esperança de adivinhar os contornos da figura. O
primeiro argumento a descartar é aquele contido no editorial, de que estariam
fazendo isso porque o presidente não pode cometer atos eticamente tão
reprováveis. O cinismo aqui é evidente e nem vale a pena perder linhas de texto
em provar que tal argumento é pura balela.
Outro
argumento improvável, que anda circulando pelas redes, é que a Globo (e uso
essa expressão para me referir ao Grupo Globo) já tem sucessor para Temer e por
isso não vê a hora de se livrar do presidente apodrecido. Ora, qualquer
operação de substituição do presidente nesse clima de instabilidade é altamente
arriscada e mesmo uma empresa do porte da Globo não tem como controlar todos os
resultados.
A
versão mais crível desse argumento fala de uma reunião entre a presidente do
Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, e empresários, incluindo Carlos
Schroeder, diretor geral da TV Globo, no último dia 8 para tratar de um
desenlace para a crise que fosse operado por via judicial. Mesmo que os
participantes tivessem informações privilegiadas sobre as delações dos irmãos
da JBS, nada garante que a ministra tenha poder para controlar o processo de
substituição de Temer.
Só
sobra a informação, não confirmada, de que o Grupo Globo depende muito das
verbas publicitárias da JBS, particularmente por passar atualmente por aperto
financeiro, e isso estaria por trás de sua posição anti-Temer. Não é que a
Globo seja contra Temer. Pelo contrário, já declarou inúmeras vezes em editoriais
sua simpatia pela agenda tucana do pemedebista, assim como a cobertura de seus
jornais lhe tem mostrado imenso favor, como podemos confirmar nas análises do
Manchetômetro.
Agora,
os destinos de Joesley Batista e de seu irmão Wesley se chocaram, porém, com o
do presidente ilegítimo. Se a delação combinada com eles se mostrar inócua,
provavelmente não escaparão da cadeia. Então, agora é Joesley e Wesley ou
Temer. A empresa da família Marinho parece ter feito sua escolha.
Ah,
já ia me esquecendo de Aécio. Esse parece ter ficado pelo caminho. Com a prisão
da irmã, perdeu sua capacidade de operação. Só a ele esperar que Luciano Huck e
Ronaldão venham lhe prestar solidariedade nessa hora difícil. Afinal de contas,
amigos são para essas coisas.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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