O
cantor e compositor cearense Belchior em 2009 (Foto: Walter de Carvalho) |
A memória já claudica um pouco, mas, penso que era entre 1974 e 1976, quando eu tinha aí uns 14 a 16 anos. Havia um lugar que era meio magico pra mim: uma espécie de sótão na casa do meu tio materno Anajarino, na Dom Manuel. Lá meus primos mais velhos tinham livros, jornais e LPs (hoje chamados vinis) que me encantavam. Lá eu conheci o Pasquim, lá ouvi os primeiros discos do que já se chamava de Pessoal do Ceará, Ednardo, Tetti, Rodger, Fagner, Belchior. Ali, ouvi pela primeira vez "A Hora do Almoço", que desacomodava a família pequeno-burguesa, que "se desentendia na hora em que fala".
É
dessa época também (se não me trai a memória), o Festival de Música da Tabuba
(em um acampamento de praia ao lado do Icaraí), quando "Palo Seco"
("tenho 25 anos de sonho e de sangue...") me capturou definitivamente.
Ao longo desses mais de 40 anos, o "canto torto feito faca" de Belchior foi minha trilha sonora, de minha geração (de tantas gerações!), de nossos "bodes", de nossas lutas, esperanças e desesperanças.
Hoje, o Gabriel, filho de um amigo e companheiro de lutas socioambientais, me lembrava que eu citei "Não Leve Flores" para os que achavam que haviam nos derrotado quando expulsaram, à custa de violenta repressão, o acampamento do parque, o Ocupe o Cocó.
A geração do Gabriel é a de meu filho caçula Alex e de meus sobrinhos Zezinho e Iamê, que também fizeram, como minha filha primogênita Jana, belas e sensíveis homenagens ao grande poeta.
Hoje - disse ao Alex - todos morremos um pouco com ele, mas, não seus poemas musicados - cujos versos muitos de nós debulhamos em nossas postagens durante todo esse dia triste -, que seguem conosco, no cotidiano, nas lutas, na resistência desses tempos difíceis e estranhos.
O incrível da resistência (e resiliência) dos versos de Belchior é que eles se tornaram mais presentes ainda à medida que o poeta se recolhia cada vez mais. Belchior foi o ausente mais presente nesta última década para várias gerações de "corações selvagens".
Quantas vezes cantamos - e continuaremos a cantar - que "amar e mudar as coisas nos interessam mais"? Sempre! Porque "nossas lágrimas são fortes como um segredo" e "enquanto houver espaço, tempo e algum modo de dizer não", cantaremos!
Salve, Belchior!
Minha tristeza só não é maior que minha gratidão por esse acervo tão genial quanto atual que são suas canções.
"A voz resiste. A fala insiste: você me ouvirá. A voz resiste. A fala insiste: quem viver verá".
Resistiremos, Belchior!
Até sempre, poeta!
Publicado
originalmente no portal O Povo Online
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