Eduardo Cunha e demais membros da Mesa na Sessão do Impedimento (Foto: Antonio Augusto) |
Em
17 de abril será comemorado o primeiro aniversário do impeachment de Dilma
Rousseff. É verdade que, formalmente, o processo só se concluiu em 31 de
agosto. Depois da votação na Câmara dos Deputados, contudo, poucos tinham
dúvidas que o processo não seria aceito pelo Senado até o fim.
Comemorar
significa “lembrar juntos”, o que não pode ser confundido com celebrar. O país
não recebeu aquilo que foi prometido por quem apoiou o impeachment:
estabilidade política, pacificação social ou retomada da confiança e do
crescimento. Os fins não justificaram os meios.
Que
os meios foram ilegítimos, não há dúvida. Como é notório, a acusação focou em
pseudo-crimes do segundo governo de Dilma em 2015: 1) a mera transferência de
recursos entre diferentes rubricas de gasto (“crédito suplementar”) dentro do
limite vigente (“contingenciamento”) do orçamento público; 2) uma “demora” no
repasse de recursos federais para cobrir o subsídio implícito nos empréstimos
do Banco do Brasil para os agricultores, cujo prazo não era sequer regulado por
lei.
O
entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) de que os itens da acusação
eram irregularidades foi uma novidade posterior aos atos criminalizados. O
entendimento foi retroativo, ou seja, os atos tinham sido avaliados como
perfeitos pelo Congresso e pelo TCU anteriormente. Um esclarecimento: o TCU é
um mero órgão de assessoramento parlamentar, preenchido com indicações
políticas e ocupado por políticos que se cansaram de disputar e perder
eleições.
Um
órgão mais importante e independente, o Ministério Público Federal, alegou que
não havia crime por parte da presidenta. O ministro do TCU Augusto Nardes, que
acusou Dilma, é citado em processo no STF sob acusação de receber dinheiro para
vender decisões para reduzir impostos de empresas.
Na
Lava-Jato, Nardes foi citado como um dos deputados do PP que recebiam recursos
desviados da Petrobrás até ser nomeado ministro do TCU, em 2005. Aliás, em seu
relatório, o TCU admitiu que já tinha julgado os atos de 2015 de modo diferente
antes, mas que mudava sua interpretação!
Qualquer
calouro em direito sabe que a mudança só poderia valer para atos futuros, não
podendo julgar atos ocorridos na vigência de outro entendimento. Diante da
flagrante ilegalidade, vários juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) deram
declarações públicas lavando as mãos, afirmando algo na linha de que o processo
era “político”. Na prática, autorizaram a política do “vale tudo”. Não
surpreende que depois assistissem Renan Calheiros recusar a atender uma ordem
judicial do próprio STF.
O
impeachment não “moralizou” a gestão fiscal: em 2016, o BNDES antecipou o
pagamento de R$ 100 bilhões ao governo Temer, algo vedado explicitamente pelo
artigo 37 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Depois do “vale tudo”, ninguém o
incomodou. O mesmo já acontecera com a maior de todas as “pedaladas”: a
transferência de ativos podres dos bancos federais para a União em troca de
títulos públicos no governo Fernando Henrique Cardoso, sem registrar a operação
no resultado primário anual.
No
último 11 de abril, a autorização do STF para investigar 108 políticos e
autoridades parece confirmar que, para seus algozes, o maior “crime” de Dilma
foi ter conferido autonomia à operação Lava Jato. Eduardo Cunha rompeu com o governo
Dilma em 17 de julho de 2015, quando o Procurador Geral da República, Rodrigo
Janot, ofereceu denúncia contra ele.
Cunha
acolheu o pedido de impeachment no dia 02 de dezembro de 2015, depois que os
deputados do PT resolveram votar pela abertura de processo contra ele no
Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Para Cunha, o único pecado de Dilma,
no fundo, era não abafar as investigações como fazia o engavetador-geral
indicado por Fernando Henrique Cardoso, o Procurador Geraldo Brindeiro.
O
atual líder do governo Temer no Senado, Romero Jucá, foi “licenciado” do cargo
de Ministro do Planejamento na segunda semana do governo Temer depois da
gravação reveladora do “acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional...
com o Supremo, com tudo”. Como o acordão não vingou a despeito dos ataques de
Gilmar Mendes à Lava-Jato e da posse de Alexandre Moraes no STF, e da tentativa
do Congresso Nacional de confundir propina com “Caixa 2” e perdoá-lo, o tipo de
estabilidade política prometida pelo impeachment, profundamente
antidemocrática, não veio.
A
propalada recuperação da economia tampouco vingou: a recessão voltou a se
agravar nos dois últimos trimestres de 2016 e ainda não deu sinais de ter
acabado. A rota da recuperação prometida por Temer era retomar a confiança dos
investidores, como deixou claro na mensagem à Nação que deixou vazar para a
imprensa em 11 de abril de 2016: “a mudança pode gerar esperança e que, gerando
esperança, isso pode gerar investimentos, não só investimentos nacionais, mas
investimentos estrangeiros... eu fiz muitas viagens internacionais no primeiro
mandato e verifiquei o quanto os outros países, que têm muito dinheiro em suas
mãos, querem fazer aplicando no Brasil.”
Neste
dicionário, “retomada da confiança” é sinônimo de vender barato o país e seu
povo. O programa econômico do impeachment não poderia ter passado por uma
eleição: para atrair investidores, sua oferta é rebaixar os salários diretos e
indiretos dos trabalhadores, reduzir o custo de contratação e demissão,
terceirizar sem limites, propor a muitos trabalhar até morrer, entregar barato
o Pré-Sal, empresas públicas, as terras, e agora o ouro da Amazônia.
É
por isso que o impeachment também não trouxe “pacificação social”. Para pagar o
pato do ajuste fiscal, pune os brasileiros que dependem de serviços públicos
congelados por 20 anos, mas que recolhem proporcionalmente mais impostos do que
os grandes empresários que avalizaram o impeachment e financiaram os
economistas e políticos que escreveram seu programa, seus fins e seus meios.
É
por tudo isso – seus fins e seus meios - que é legítimo chamar o impeachment
pelo nome: um golpe, pautado na legalização do ilegítimo por parte de um corpo
de jurados cujos líderes estão presos ou no banco dos réus.
A
cada dia, fica mais claro que é como um golpe que o impeachment ficará para a
história. Se o STF não considerasse o impeachment um evento “político”, as
novas revelações deveriam levar a sua anulação. Isto não deve acontecer, de
modo que resta a esperança de que o povo brasileiro, se não for novamente
tolhido em suas escolhas, revogue em eleição as personagens e os atos do golpe
de 2016.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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