O
substitutivo da reforma trabalhista foi apresentado pelo deputado Rogério
Marinho, do PSDB. O que era ruim, na versão inicial, ficou ainda pior. O
projeto executa o desmonte de direitos conquistados ao longo de quase cem anos
pelos trabalhadores brasileiros.
Tamanha
é a desfaçatez, que o deputado tucano apresentou seu relatório no dia seguinte
à divulgação das delações da Odebrecht, onde aparece como beneficiário de
repasses ilegais. Isso revela a arriscada estratégia de “fuga para a frente”
adotada pela Câmara, declarada sem pudores pelo próprio Rodrigo Maia. A ordem é
apressar as pautas antipopulares para mostrar à elite econômica que, mesmo
desmoralizado, o Congresso lhes é funcional e, portanto, deve ser preservado.
Assim,
pretendem aprovar o projeto da mesma forma sorrateira como fizeram com a
terceirização. E não se trata de “mais um ataque”, num momento em que os
retrocessos se tornaram quase cotidianos. A reforma trabalhista é muito pior do
que você imagina. Ela mexe em mais de cem pontos da CLT. Vejamos dez deles,
especialmente graves.
1.
Negociado sobre o legislado. Por trás desse nome técnico está a criação de um
balcão de negócios dos direitos trabalhistas. A ideia é permitir que os acordos
entre patrões e empregados fiquem acima da lei. Entre os temas passíveis de
negociação estão o parcelamento das férias, a redução salarial e o aumento da
jornada acima do limite legal. Mas isso depende do acordo com os trabalhadores,
diriam de modo hipócrita os liberais. Sim, o chamado acordo com a faca no
pescoço: ou os trabalhadores concordam ou há uma fila de milhões de
desempregados dispostos a aceitar.
2.
Individualização da negociação trabalhista. No mesmo sentido, o projeto cria
mecanismos para individualizar cada vez mais a relação de trabalho, reduzindo
assim a força de pressão dos trabalhadores. Prevê a sobreposição dos acordos
coletivos em relação às convenções. No tête-à-tête com o patrão, o trabalhador
sempre é mais vulnerável.
3.
Regulamentação do trabalho intermitente. É a liberação do contrato por horas de
trabalho, sem garantias. No período de inatividade, o trabalhador não será
remunerado, ficando à mercê do chamado do patrão. Vai precarizar a contratação
para eventos, bares e outros espaços sem funcionamento contínuo.
4.
Dificuldade de acesso à Justiça do Trabalho. A proposta é liquidar com a
Justiça do Trabalho, chamada recentemente por Gilmar Mendes de “laboratório do
PT”. O projeto atua em duas frentes. Primeiro, dificultar os ritos processuais.
Depois, limita os poderes do juiz do Trabalho em arbitrar, por exemplo,
indenizações por danos morais.
5.
Padrão de vestimenta. O projeto autoriza a empresa a definir o padrão de
vestimenta dos trabalhadores. Sim, exatamente. Não é preciso muito para
visualizar como essa regra será utilizada como assédio moral, de forma
machista, contra as mulheres.
6.
Fim da ultratividade do acordo ou convenção coletiva. Atualmente, quando se
encerra o prazo de um acordo coletivo, ele permanece válido até a assinatura de
um novo. É o princípio da ultratividade. A proposta é encerrar os efeitos ao
fim do prazo, independentemente da assinatura do novo. O vácuo entre os acordos
poderá significar perdas para os trabalhadores e um instrumento de pressão dos
patrões para a assinatura de acordos piores.
7.
Enfraquecimento da organização sindical. O projeto enfraquece os sindicatos de
várias maneiras. Ataca a representação sindical nos locais de trabalho, retira
a obrigatoriedade de homologação sindical das rescisões e, mais grave, autoriza
demissões em massa sem a necessidade de negociação coletiva.
8.
Fim da responsabilidade dos tomadores de serviços. A empresa que contratar a
prestação de serviço de outra não terá qualquer responsabilidade em relação à
garantia de direitos trabalhistas da contratada. É “lavar as mãos”.
9.
Explicitação da terceirização, com salvaguardas irrisórias. A reforma legitima
a desastrosa Lei da Terceirização aprovada no mês passado e sancionada por
Temer, trazendo uma redação ainda mais inequívoca quanto à liberação para todas
as atividades.
10.
Liberação de trabalho de grávidas em ambientes insalubres. A que ponto o
espírito da casa-grande contamina a mentalidade da elite. A proposta é liberar
gestantes e lactantes a trabalhar em ambientes insalubres, hoje expressamente
proibido. A única condição é um atestado médico, que pode ser dado pelo próprio
médico da empresa.
E
tudo isso levado a cabo pelo Congresso mais desmoralizado da história nacional,
a pedido de um governo sem legitimidade, aprovado por menos de 10% da
população. E ainda em meio a um escândalo de corrupção generalizada, que
colocou sob suspeita o presidente, oito ministros, os chefes do Legislativo e
ainda o relator do projeto da reforma.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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