Temer parece disposto a contrariar a vontade popular. E o Congresso, demonstrará lealdade a quem? (Foto: |
As
principais capitais do Brasil amanheceram na sexta-feira 28 com as ruas
esvaziadas, o comércio às moscas, boa parte dos ônibus nas garagens, diversas
estações de trem e metrô a portas fechadas. Os pontos de congestionamento se
concentraram em torno dos bloqueios de grandes avenidas e rodovias. Parcela
significativa da população optou por permanecer em casa após a convocação das
centrais sindicais para greve geral. O movimento nas vias públicas só aumentou
à tarde, quando começaram os atos contra as reformas trabalhista e da
Previdência, também convocados pelos movimentos sociais que integram as frentes
Brasil Popular e Povo Sem Medo.
As
pesquisas de opinião já captavam uma forte rejeição popular às reformas
propostas pelo governo de Michel Temer. Agora, a insatisfação refluiu para as
ruas. De acordo com estimativas das centrais sindicais, cerca de 40 milhões de
brasileiros cruzaram os braços e não saíram de casa pela manhã, o que explica o
clima de feriado que contagiou diversas capitais. Além dos trabalhadores do
transporte e da educação, ausência mais sentida pela população na sexta 28,
houve forte adesão de bancários, petroleiros e metalúrgicos. No período da
tarde, dezenas de milhares participaram dos protestos realizados em mais de uma
centena de municípios, sobretudo nos maiores centros urbanos.
Em
Belo Horizonte, uma passeata reuniu 50 mil manifestantes, segundo os
organizadores. Na capital gaúcha, o dia começou com bloqueios em garagens de
ônibus e terminou com volumosas marchas pelo centro. Em Curitiba, uma multidão
se dirigiu à porta de Federação das Indústrias do Paraná para fazer a devolução
simbólica de patos de borracha, símbolo do apoio dos empresários ao impeachment
de Dilma Rousseff.
Em
São Paulo, 70 mil manifestantes marcharam do Largo da Batata, na zona oeste da
cidade, até a residência do presidente da República, localizada em Alto de
Pinheiros. Ao avançar sobre o bloqueio montado pela Polícia Militar, os
participantes foram repelidos com bombas de efeito moral e balas de borracha.
No Rio de Janeiro, os 40 mil cidadãos reunidos na Cinelândia viveram momentos
de terror, após policiais iniciarem uma violenta dispersão do ato, que até
então transcorria de forma pacífica, com incidentes isolados. Também houve
confrontos em frente à Assembleia Legislativa. Nas imediações do Passeio
Público, adeptos da tática Black Bloc atearam fogo em ao menos nove ônibus.
A
despeito do alcance da mobilização, o governo Temer fez o que pôde para
minimizar o próprio desgaste. Primeiro, escalou o ministro da Justiça, Osmar
Serraglio, para vender a ideia de um “fracasso” da greve geral, antes de
começarem os grandes atos, programados para o período vespertino. “Estamos iniciando
o dia, mas aparentemente é uma greve que inexiste, uma greve dos sindicatos e
centrais sindicais perturbados com a decisão do Congresso”, afirmou à Rádio
CBN. A avaliação apressada foi reproduzida acriticamente pelos principais
veículos de mídia, mas não resistiu ao desenrolar dos acontecimentos.
Temer lamenta o vandalismo, mas silencia sobre a violenta repressão policial (Yasuyoshi Chiba) |
No
fim da tarde, o presidente enfim se pronunciou por meio de nota. Alçado ao
poder com a destituição de Dilma, Temer fez questão de enfatizar que as
manifestações “ocorreram livremente em todo País”, não sem criticar os grupos
que bloquearam avenidas e rodovias "para impedir o direito de ir e vir do
cidadão" e destacar os “fatos isolados de violência”, sem uma única e
escassa linha sobre a violenta e desproporcional repressão policial vista no
Rio de Janeiro (os confrontos em São Paulo ocorreram após a divulgação da
nota).
Por
fim, ignorou solenemente os apelos das ruas. “O trabalho em prol da modernização
da legislação nacional continuará, com debate amplo e franco, realizado na
arena adequada para essa discussão, que é o Congresso Nacional”. A despeito dos fartos recursos destinados às
campanhas publicitárias em prol das reformas, o peemedebista sabe que o seu
projeto político jamais passaria pelo crivo popular.
Uma
pesquisa do instituto Vox Populi, encomendada pela Central Única dos
Trabalhadores e divulgada há duas semanas, mostra que a rejeição às propostas
do governo beira a unanimidade. O aumento da idade mínima da aposentadoria e do
tempo de contribuição (mínimo de 25 anos), base da reforma da Previdência, é
rejeitado por 93% da população. Oito em cada dez brasileiros também se
manifestaram contra lei que autoriza a terceirização da mão-de-obra para toda e
qualquer atividade de uma empresa, proposta já aprovada pela Câmara e
sancionada por Temer.
Os
pesquisadores consultaram, entre 6 e 10 de abril, 2 mil brasileiros com mais de
16 anos, de todos os estados e do Distrito Federal, residentes em 118
municípios. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, para mais ou para
menos.
Não
por acaso, o presidente da CUT, Vagner Freitas, tem repetido que é o próprio
presidente que mobiliza as greves. “Cada vez que ele se manifesta pelas
reformas que retiram direitos dos trabalhadores, mais pessoas saem às ruas”,
afirmou, em recente entrevista a CartaCapital. “Essa é uma pauta que mobiliza
toda a sociedade civil, e temos fortes manifestações de oposição da CNBB, da
OAB”, enumera.
Por
conveniência, o peemedebista faz pouco caso da greve. A prudência recomenda
outra atitude. O mesmo levantamento citado anteriormente revela que apenas 5%
da população considera o desempenho de Temer bom ou ótimo. Segundo a pesquisa Barômetro
Político, realizada pela consultoria Ipsos, a avaliação positiva é ainda menor,
de 4%, e 92% dos brasileiros acreditam que o País está no rumo errado.
Não
é tudo. A sondagem do Vox Populi também revela que 78% da população deseja a
cassação de Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral, no processo que investiga
ilegalidades nas contas da chapa Dilma-Temer. E 90% gostaria de poder
substituí-lo em eleições diretas, e não pelo Parlamento, como prevê a norma
constitucional. Essa é a razão da proliferação de faixas por “Diretas Já” vista
nos atos contra as reformas.
Entre 4% e 5% da população aprovam Temer, segundo diferentes institutos (Nelson Almeida) |
O
cenário é especialmente delicado porque não há sinais claros de retomada da
atividade econômica, a despeito dos malabarismos retóricos da equipe de Temer.
O desemprego não para de crescer, e fechou o primeiro trimestre de 2017 em
13,7%, o maior da série histórica iniciada em 2012 pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística.
Na
prática, esse dado do IBGE, divulgado no mesmo dia da greve geral, representa
um contingente de 14,2 milhões de desocupados no Brasil. É o caso do hoje
ambulante André Santana, de 37 anos, que abriu espaço em meio a rodas de
capoeira e intervenções artísticas do protesto no Largo da Batata, em São
Paulo, para apoiar seu isopor e vender salgadinhos aos manifestantes. “Vim dar
apoio ao pessoal e aproveitar para ganhar um dinheirinho, porque estou
desempregado. Se antes já estava ruim, agora está muito pior”, diz Santana, que
até pouco tempo era garçom.
Nem
a garoa paulistana nem a baixa temperatura, que chegou a 14ºC, desanimou os
manifestantes, entre eles crianças e idosos. A farmacêutica Luciane Kopittke,
de 48 anos, compareceu ao ato com a família. “Estou aqui por eles”, diz, ao
apontar o indicador para seus filhos, de 11 e 18 anos. “Todo mundo perde com
essas reformas, mas eles são o futuro. É por eles que temos que lutar para
preservar direitos”.
A
professora Renata Mendes, de 39 anos, acredita que a greve é única forma de
pressionar o governo e demonstrar a indignação da sociedade às reformas de
Temer. “É a voz do povo vindo para a rua mostrar que somos maioria e que a
nossa vontade importa”. O publicitário Chico Malfitani, de 66 anos, faz
avaliação semelhante. “Mais do que o combate à corrupção, o que a gente quer é
decidir sobre o nosso próprio destino”.
Até quando o Congresso vai ignorar a voz rouca das ruas? (Wilson Dias)
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Ao
desmerecer a greve, Temer buscava sinalizar para o Congresso que não há motivo
para preocupar-se com a pressão popular. Resta saber se o discurso vai colar.
“Se insistir nessa agenda, Temer só aumentará a sua impopularidade. Os
deputados e senadores que quiserem morrer abraçados com ele vão votar com o
governo”, diz Freitas, da CUT.
Para
o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini, a grande adesão da greve geral dará
segurança para os deputados dissidentes da base aliada se posicionarem contra a
reforma da Previdência nas próximas semanas.
“Nós
temos conseguido reunir até 180 votos: 100 da oposição e o restante dos
dissidentes do governo, nem sempre os mesmos. Estamos com nível de traições
bastante elevado. E vamos fazer ele crescer mais”, aposta Zarattini.
“Acreditamos que uns 30 ou 40 deputados se juntem a nós contra a reforma da
Previdência. E essa manifestação dá segurança aos deputados dissidentes para se
opor a essas mentiras do governo”.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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