Teria
sido um dia atípico se não fosse mais um dia nesse filme de terror inacabável
que foi o Golpe Parlamentar à nossa Democracia.
Votaram
pela terceirização ampla, geral e irrestrita na Câmara dos Deputados, 231 votos
favoráveis, 188 contra e 8 abstenções e a matéria que já tinha passado no
Senado segue agora pra sanção do presidente não-eleito.
A
legislação brasileira permitia a terceirização daquele tipo de trabalho
conhecido como “trabalho meio” ou seja: as atividades de limpeza, copeiragem,
algumas atividades administrativas, secretariado, motoristas, entre tantas
outras categorias.
Todo
mundo já viu e sabe o que é ter pessoas terceirizadas ao seu redor. Você as vê
recorrentemente reclamando de atraso de pagamento de salário, de ausência de
pagamento de férias, de marcação de data de férias por escolha da empresa,
fazem uso de uniformes muitas vezes de baixa qualidade que não dão conforto
para que exerçam bem a atividade em questão e convive-se diuturnamente com a
alta rotatividade (é fácil perceber que as pessoas que fazem serviços
terceirizados recorrentemente são “trocadas”, como material de descarte).
Quem
já trabalhou com contratos de terceirizados sabe que não raro as empresas
terceirizadas atrasam salários, demitem ao bel prazer, não pagam VT e VR,
cobram 3x mais a hora do trabalhador em uma licitação do que pagam a ele, entre
tantas outras maldades.
Além
disso, por outras muitas vezes, sabemos que essas trabalhadoras e esses
trabalhadores sofrem com outros tipos de questões menos “práticas” e mais
subjetivas: o desprezo, a invisibilidade e a subalternidade. Talvez uma outra
breve reflexão e acesso às nossas memórias também nos lembre que a maioria das
terceirizadas com quem convivemos são mulheres.
Em
tempos de retração da economia (que, diga-se de passagem em nada foi melhorado
desde que Temer assumiu, ao contrário do que prometeu), para não ficar sem
emprego, as pessoas passam a aceitar trabalhos que remuneram menos, e que tem
menos benefícios e direitos, ou mesmo passam a ter que exercer funçōes que
nunca exerceram, porque preferem isso a ficar sem emprego. Os salários caem e a
qualidade do trabalho também diminui.
Segundo
o IBGE, em 2016, as mulheres foram as principais atingidas pelo desemprego por
serem as primeiras a serem demitidas. A OIT também já alardeou que, em contexto
global, as mulheres também sempre sofrem mais com crises econômicas do que
homens.
Em
um contexto no qual terceirizados(as) recebem em média 24,7% menos e trabalham
em média três horas a mais por semana: e no qual mulheres brancas recebem, em
média no Brasil, 30% a menos do que os homens; e as negras quase 50% a menos,
em média, fica fácil fazer a matemática e ver quem – em gênero e raça – vai
sofrer mais com isso.
Nós
sabemos ainda que as principais violações de direitos humanos no âmbito do
trabalho estão no meio rural: trabalho análogo a escravo, más condições,
mutilações pela ausência de proteção, baixíssimos salários com jornadas
exaustivas e sob condições muito ruins, violência no campo, entre tantas outras
práticas.
Vale
dizer que, para completar o ciclo de maldades, foi inserido nesse projeto de
lei aprovado hoje justamente a terceirização das atividades no campo, no âmbito
do rural. Isso significa que o(a) trabalhador(a) que fazia contratos diretos
com empregadores (ainda que temporários, já que a legislação permitia isso –
plantio é sazonal, colheita é sazonal), que se permita que existam
intermediários nessa relação.
Não
existe medida econômica supostamente necessária que possa passar por cima dos
direitos das pessoas, do seu bem-viver, da sua dignidade. Não tem nada que
justifique o que ocorreu ontem. Só o sadismo. O sadismo e a visão de um Brasil
medieval, sem contrato social que garanta o mínimo de cidadania para as
pessoas.
A
terceirização não significa apenas menores salários, nem significa mais
empregos (e se você acredita nisso, caiu no conto da carochinha do Temer, do
Rodrigo Maia e do mercado). Ela significa em sua essência menos direitos e
menos dignidade para as pessoas que mais precisam nesse país que avançou, mas
ainda é cheio de desigualdades.
E
você que ainda compra o discurso do governo dos não-eleitos de que só esse tipo
de medida “vai salvar o Brasil”, não se preocupe. Você literalmente vai pagar o
pato também.
Publicado
originalmente no portal Justificando
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