Muitos
políticos e empresários saudaram, às escondidas, a aprovação da lei da
Terceirização como o fim da Consolidação das Leis do Trabalho promulgada por
Getúlio Vargas em 1º de maio de 1943 e que unificava as legislações que desde
1932 criaram o moderno direito do trabalho no Brasil.
“Pai
dos pobres”. É por causa do direito do trabalho que a mística popular em torno
de Vargas se construiu. Não foi pouca coisa: jornada de oito horas (1932),
previdência (1933), férias (1934), juntas de conciliação (1932) e justiça
trabalhista (1939), salário mínimo (1940).
Desde
então, a dinâmica de competição eleitoral no Brasil se equilibrou na capacidade
do governante de entregar mais empregos, maiores salários e melhores direitos.
Como no resto do mundo, isto não é mais deixado ao acaso do mercado. Políticos
que cortam empregos, salários e direitos são rechaçados nas eleições seguintes.
Por
este padrão, nenhum candidato vitorioso nas disputas eleitorais de 2014 teve
como plataforma central cortar salários diretos e indiretos, ou seja, direitos
sociais e trabalhistas, inclusive a aposentadoria. Isto vale até para Michel
Temer, vice-presidente da chapa vitoriosa à Presidência da República.
Curiosamente,
Temer hoje comemora sua impopularidade. Disse que ela permite tomar decisões e
fazer propostas legislativas que o deixam ainda menos popular. Ele não se
preocupa com a próxima eleição, pois, sabemos, não vai se candidatar à
reeleição. Atualmente, não seria fácil se eleger vereador.
É
difícil imaginar divórcio maior entre a voz das ruas, de um lado, o governo e o
parlamento, de outro. Temer e o Congresso Nacional disputam o campeonato
nacional da impopularidade e falta de credibilidade. Ainda assim, comandam a
maior transformação institucional e legal desde a Constituição de 1988, como se
não dessem a mínima para a população.
Ulysses
Guimarães, ao contrário, encerrou o discurso na entrega da “Constituição
Cidadã” afirmando que, nela, havia “representativo e oxigenado sopro de gente,
de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiros, de
menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de
aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e
autenticidade social do texto que ora passa a vigorar.”
A
não ser nos primeiros anos da ditadura civil-militar de 1964, governo algum foi
tão impopular quanto o de Temer e, ao mesmo tempo, teve tamanho apoio de parte
importante do empresariado. Muitos se queixam da contração do investimento
estatal e dos empréstimos dos bancos públicos, ou da taxa de juros absurda.
Poucos, porém, se colocam contra a agenda de cortes de direitos sociais e
trabalhistas.
É
para este eleitorado minoritário, mas bilionário, que Temer quer deixar seu
legado histórico. Em geral, a intromissão de direitos sociais no capitalismo
não resultou da convicção dos empresários, mas de pressões irresistíveis dos
trabalhadores. Os empresários preferem manter as interações sociais reguladas
sobretudo pelo mercado e suas assimetrias monetárias. Isso talvez seja mais
forte no Brasil, por causa das desigualdades profundas geradas pelo projeto
escravocrata que orientou nossa formação social.
A
propósito, em 1935, Vargas solicitou que Assis Chateaubriand organizasse um
almoço com a nata do empresariado brasileiro, de modo a promover uma frente
ampla contra a ameaça comunista. O jantar se realizou na casa de Guilherme
Guinle, diretor do Centro Industrial Brasileiro, embrião da Federação das
Indústrias do Estado do Rio de Janeiro.
Em
vez de obter a adesão para uma cruzada contra o comunismo que contasse com o
envolvimento dos trabalhadores graças aos direitos trabalhistas, que
considerava o antídoto contra o extremismo comunista, segundo o relato de
Alzira Vargas, Vargas passou o almoço a ouvir reclamações contra o despropósito
das leis trabalhistas e o rigor dos fiscais do Ministério do Trabalho.
No
carro, Vargas desabafou ao ajudante-de-ordens que o acompanhava, o
capitão-tenente Ernani do Amaral Peixoto: “Eu estou tentando salvar esses
burgueses burros e eles não entenderam”. Conseguiu que cedessem alguns anéis graças
às agitações populares no Brasil e no mundo. Deixou a vida e entrou para a
história como o pai dos pobres.
Não
se sabe se a reforma da Previdência proposta por Temer vai passar, mas se sabe
que os trabalhadores mais pobres não terão aposentadoria com ela. Entre os mais
precários, não estão aqueles capazes de contribuir por 25 anos para se
aposentar, nem os que chegam aos 65 anos de idade com saúde.
Até
lá, o número de trabalhadores precários certamente aumentará com a lei da
terceirização. Os terceirizados rodam mais de emprego em emprego, tem jornadas
mais longas e ganham salários 25% menores do que os trabalhadores “normais”. É
improvável que recebam escolas e hospitais melhores depois da lei do teto do
gasto, mas os ricos continuam a pagar proporcionalmente menos impostos que
eles.
Não
surpreenderá se, nos futuros livros de história, Temer ganhe um epíteto
apropriado a seu programa de reformas e ao legado histórico que quer construir.
Com o perdão da licença poética, seria exagero chamá-lo de algoz da Era Vargas,
verdugo do Tempo de Ulysses, ou apenas carrasco dos pobres?
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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