A
crise institucional está instalada, e o País à beira do caos. Crise alimentada
por um STF irresponsável, um Congresso sem representatividade e impopular, e a
presidência da República chefiada por um presidente ilegítimo, frágil e tíbio.
Todas as condições estão dadas para o impasse em que afinal nos metemos.
A
economia se deteriora a olhos vistos. A recessão transmuda-se em depressão e
não há perspectiva de restauração no curto prazo. A promessa de recuperação
econômica realizou-se como fraude: informa o IBGE que o PIB encolheu 2,9% no
terceiro trimestre, dando continuidade a uma sequência de dez meses de queda.
Pela
sétima vez são reduzidas as projeções do PIB. Devemos chegar ao final do ano
com uma retração de 3,43%. Nenhum setor da economia está respondendo aos
paliativos governamentais. Os investimentos privados, cuja atração era o
passaporte para todas as maldades, caíram 29%. O BNDES reduziu seu desembolso
em 35%.
Com
exceção do agronegócio, o quadro geral é de redução da atividade econômica em
todas as áreas e setores, com destaque para a o setor industrial, o que mais
sofre na depressão. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
do IBGE, o desemprego em dezembro é de 12% e tende a continuar em alta. A
burguesia industrial dá sinais de inquietação, pois já vê no final do túnel um
Brasil próximo da tragédia grega, afundado na depressão, a outra face de nossa
inépcia e da opção neoliberal pela inserção subordinada na globalização.
A
federação se esfacela com a falência generalizada de Estados e municípios.
Minas Gerais e Rio Grande do Sul já declararam ‘calamidade financeira’; no Rio
de Janeiro a crise, aguda, é financeira, administrativa e moral e caminha para
a convulsão social, fomentado pela falência da administração pública, mas
alimentada igualmente por uma repressão policial que lembra os piores momentos
da ditadura militar.
Para
2017, a indústria paulista prevê uma nova leva de 150 mil desempregados. O
desemprego cresce em nível assustador em todo o país e a resposta do governo é
aumentar o arrocho: reforma da Previdência, penalizando o trabalhador,
‘flexibilização’ da CLT, terceirização, redução dos investimentos por 20 anos.
É o fracasso rotundo do reajuste.
O
plano político, reflexo, é igualmente desolador: a crise dos Poderes e das
instituições se faz acompanhar pela crise dos partidos e da representação. Em
seis meses uma presidente da República, eleita, é substituída, pelo Congresso,
por um presidente sem voto, seis ministros de Estado são demitidos por
corrupção (e na raia mais dois esperam sua vez, um deles já com seus bens
bloqueados pela Justiça), o presidente da Câmara é afastado pelo STF que também
afastou de suas funções, em decisão pelo menos polêmica, o presidente do Senado
Federal, para logo restituí-lo de modo também pouco ortodoxo, separando o cargo
de presidente do Senado da pessoa do sr. Calheiros, para fim de avaliação dos
critérios de moralidade e probidade administrativa. Quando o círculo se
fechará?
A
preeminência do Judiciário, em sua fase de protagonismo populista, não encontra
freios na esfera da legalidade, pois não há mais poderes que lhe possam fazer
face. Corre solto como potro selvagem no campo limpo, sem rédeas, sem limites,
num trote de ziguezagues. O STF, outrora guardião da Constituição, é o primeiro
a ofendê-la.
Outrora
guardião da ordem, é o primeiro a instaurar a insegurança jurídica, com
seguidas decisões temerárias, de discutível fundamento constitucional, e seus
membros se dão ao luxo de, entre uma vilegiatura e outra, uma viagem e outra,
um passeio e outro, um convescote e outro, uma palestra aqui outra acolá, um
chopp no shopping da moda, palestras nas entidades patronais, tudo fora de
Brasília, se digladiarem, em plenário e na troca de farpas em entrevistas à
imprensa que os incensa e os inebria.
A
política, o espaço legítimo e próprio para a construção dos consensos, foi
judicializada, depois de desmoralizada como instrumento de realização do bem
comum. A direita grita morte à política, anatematizada como responsável pela
crise, estrutural, cevada por séculos de exploração de um capitalismo predador,
pelo reinado de uma classe dominante alheia aos interesses de seu país e de sua
gente.
Esse
quadro de acefalia, disfunção administrativa e conflito entre os poderes,
assentado sobre uma crise econômica das mais graves, é inédito em toda a
história recente e indica o esgotamento da República inaugurada pela
espezinhada (até pelo STF!) Constituição de 1988.
O
regime está de joelhos. Não se trata mais de intentar a salvação do doente
terminal, mas de estabelecer sua sucessão mediante uma repactuação, difícil,
dificílima mas ingente e urgente em país dividido politicamente, no qual as
forças em antagonismo são levadas ao paroxismo.
As
lideranças políticas nacionais sobreviventes, de todos os matizes, precisam
agir enquanto há o que fazer. São chamadas a negociar e construir, para além
das divergências de hoje – se pretendem salvar-se salvando a via política – um
programa de transição, desta para uma nova república, sem ruptura democrática.
É o que o país pede, a crise exige, porque os riscos institucionais são a
realidade cotidiana de nossos dias.
Toda
e qualquer alternativa, de curto a médio prazos, porém, passa pela eleição
direta antecipada do presidente da República. Só ela emprestará legitimidade, e
só um líder ungido pela vontade da soberania popular poderá reconciliar o país
e conduzi-lo na longa travessia que se avizinha, sem indicar ainda porto
seguro.
Se
a eleição direta é conditio sine qua non para a saída institucional, a questão
que a realidade põe de manifesto é como chegar a ela preservando a ordem
constitucional desafiada pelo Judiciário judicante, pelo Executivo inepto, pelo
Legislativo desapartado da sociedade. Como realizar eleições realmente livres e
limpas sem um reforma eleitoral profunda, sem a democratização dos meios de
comunicação de massas, e como realizar tudo isso com esse Congresso, esse que
temos?
Para
tanto é fundamental abrir o diálogo entre contrários, retirar da pauta
propostas econômicas e sociais não legitimadas pelo voto popular, para que
possa ser construído um ambiente próprio ao entendimento.
Uma
vez mais, para o nosso campo a alternativa está nas ruas. Na mobilização
popular. Foi a mobilização popular que impôs à ditadura a Anistia, foi a
mobilização popular que implodiu o Colégio Eleitoral que a ditadura criara para
eleger seu delfim em 1984. Foi o povo nas ruas que assegurou a convocação da
Constituinte. Mas, antes, é preciso ganhar as ruas, pois hoje a direita também
nelas se manifesta, clamando por retrocessos inimagináveis há pouco tempo.
A
tarefa fundamental que hoje se coloca para as forças progressistas é assegurar,
até como instrumento para solução da crise, a continuidade da ordem
democrática.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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