Nos
três últimos meses da campanha eleitoral norte-americana, foram registradas no
Facebook 960 mil reações - entre curtidas, comentários e compartilhamentos - à
notícia de que o papa teria declarado apoio a Donald Trump. Outras 789 mil
interações deram conta do vazamento do WikiLeaks, segundo o qual Hillary
Clinton teria vendido armas ao Estado Islâmico. Ambas as informações são falsas
até a última letra.
As
20 histórias falsas mais populares da rede renderam um total de 8,711 milhões
de interações nesse período. Enquanto isso, os 20 principais fatos reais
publicadas pelos mais importantes sites de notícias do Estados Unidos
registraram 7,367 milhões de reações. 2016 foi um ano de “pós-verdades”, de crenças
pessoais usurpando o lugar antes ocupado por fatos objetivos e fontes
confiáveis.
E
“pós-verdade” (“post-truth”) foi a palavra escolhida pela Oxford Dictionaries
para representar o ano que se encerra. Depois de eleger um emoji para 2015 ( X
), o departamento da Universidade de Oxford destacou um termo que se refere às
circunstâncias nas quais “fatos objetivos têm menos influência em moldar a
opinião púbica do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. Em outras
palavras, fomos deliberadamente mais cegos em 2016.
Para
os próximos anos, o cenário não parece ser de informações legitimadas. É no que
acredita o jornalista Pedro Burgos, editor do site The Marshall Project, de
Nova York, e mestre em jornalismo social pela City University of New York
ouvido pelo O POVO. “Os boatos e teorias da conspiração não irão embora tão
cedo, porque eles satisfazem o nosso desejo de afirmar o que já acreditamos,
além de serem baratos de serem produzidos”, comenta.
Das
20 notícias falsas que mais geraram interações nos meses que antecederam as
eleições nos Estados Unidos, 17 são ou favoráveis ao candidato eleito Donald
Trump ou críticas à campanha de Hillary Clinton. Muitas delas são variações de
supostas denúncias que relacionariam a candidata democrata ao Estado Islâmico e
de acusações envolvendo a Fundação Clinton.
Das
falsas notícias que depõem contra o candidato republicano, chama atenção a que
dá conta de que a drag queen Rupaul acusou Trump de tocá-la inapropriadamente
em uma festa em 1995. “Eu tinha acabado de sair do banheiro quando Trump pulou
em mim e me beijou. Ele começou a tocar minha bunda e puxou meu vestido para
tocar meus genitais. Ele apenas queria me usar como um objeto”, teria
declarado. A notícia gerou 285 mil interações entre agosto e outubro.
Analisando
a surpreendente eleição de Trump para a presidência, o que contrariou as
expectativas gerais da imprensa, Burgos cita falhas dos grandes veículos de
comunicação na cobertura da campanha eleitoral. “A imprensa não ouviu os
eleitores de Trump. Vários jornalistas nunca viram ao vivo um eleitor seu”,
comenta ele, destacando que a parte mais importante da mídia americana vive na
bolha geográfica de Manhattan, onde o candidato teve apenas 11% dos votos. Além
disso, os repórteres teriam demonstrado um “excesso de confiança” nas pesquisas
que previam de maneira unânime a vitória da democrata.
No
Brasil, as notícias falsas disputaram protagonismo em pelo menos dois momentos
de nossa turbulenta marcha política. Na semana que antecedeu o domingo de
votação do impeachment na Câmara dos Deputados, três das cinco notícias mais
compartilhadas no Facebook eram falsas. Veiculada pelo site Pensa Brasil, a
notícia “Polícia Federal que saber os motivos para Dilma doar R$30 bilhões a
Friboi” teve 90.150 compartilhamentos. Outra matéria, dando conta de que o
presidente do PDT teria ordenado que a militância pró-Dilma “atirasse para
matar”, foi compartilhada 65.737 vezes.
O
ano também foi da Operação Lava Jato, e as dez notícias mais compartilhadas em
2016 sobre o assunto são falsas. “Bolsonaro é citado na Lava Jato” registrou
596 mil interações, e “Médico do PT diz que Lula está com amnésia e não vai
poder depor nunca mais” marcou outras 549 mil. As principais notícias
inverídicas somaram quase 4 milhões de interações, enquanto as dez verdadeiras
mais populares não chegaram aos 3 milhões.
A
proliferação de notícias falsas no campo livre das redes sociais lança luz
sobre o papel do Facebook e do Twitter em uma sociedade hiper informada. Para o
professor de jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e
coordenador do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS) Rogério
Christofoletti, o problema aparece quando as redes sociais assumem o
protagonismo que não lhes pertence. “Elas não estão cumprindo o papel de
oferecer informação de qualidade. As redes sociais podem auxiliar no
jornalismo, mas não fazem jornalismo”, defende
Outro
reflexo do uso cada vez mais difundido desses sites é o estabelecimento de
bolhas sociais particulares, ambientes artificialmente controlados onde o
dissenso não existe, onde todos concordam com todos. Nesses espaços, notícias
falsas que atestem suas crenças proliferam com facilidade. “Sabemos que o mundo
real não é assim, e que a discordância é essencial para termos acessos a visões
plurais que podem nos mostrar aspectos que ignorávamos em um fato”, avalia
Christofoletti.
Publicado
originalmente no portal O
Povo Online
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