O
governo acaba de lançar uma campanha publicitária à sombra do lema “Vamos tirar o Brasil do vermelho”. Campanha maciça e longa, para a alegria da mídia nativa.
O slogan seria da lavra do secretário-executivo dos Programas de Parcerias de
Investimentos, Moreira Franco, e sutilmente teria duplo sentido: de um lado
indicaria a determinação de executar um plano de ajuste fiscal feroz, do outro
afirmaria o propósito de liquidar de vez a esquerda vermelha. Lembrei-me do
tempo em que se acreditava na presença, atrás de cada esquina, de devoradores
de criancinhas.
Neste
Brasil primário dos dias de hoje, pretensamente atuais e assim mesmo tão
vetustos, multiplicam-se os cidadãos altamente habilitados a acreditar em
lorotas, sobretudo entre os moradores dos chamados bairros nobres, que de nobre
nada têm.
O
resultado das eleições municipais prova, também e felizmente, a existência de
alguns, honrosos núcleos de resistência aos vencedores do golpe mais
reacionário da história do País. Salta aos olhos, porém, a impossibilidade de
maiores ameaças à tranquilidade da casa-grande, quando tantos, inúmeros,
relegados à senzala votam no senhor da chibata...
No
meu livro O Brasil, lançado em 2013, me ponho ousadamente a contar como o
primogênito do senhor da casa-grande se torna herdeiro do pai conforme as leis
medievais, enquanto o irmão rejeitado e revoltado, Caim da situação, passa a se
dizer de esquerda, para arrepiar a família, amigos e apaniguados.
Falta-lhe
a crença entre o fígado e a alma, falta-lhe, sobretudo, a convicção da urgência
de acabar com a senzala. No meu entendimento, é o que explica muito do fracasso
da esquerda brasileira, sem contar o comportamento de alguns, saídos da
senzala, e ainda assim dispostos a concessões e compromissos, quando não
candidatos e inquilinos da mansão nobiliar.
Há
figuras de excelente fé em certos redutos que o governo define como vermelhos, mas
são exceções, fenômenos escassos. De todo modo, resistentes e autênticos são
aqueles que não traíram as palavras de ordem iniciais, bem ao contrário de
inúmeros traidores. Aludo a resistentes como, por exemplo, os irmãos Gomes no
Ceará, ou Marcelo Freixo, no Rio. Exemplos, insisto, porque há outros, velhos
combatentes sempre alertas.
Sobra
a percepção inexorável: houvesse uma esquerda forte, vermelho-carmesim, os
cidadãos em boa saúde mental de um país infeliz, embora destinado à felicidade,
surgido para ser potência e agora de volta à condição de colônia, estariam a
celebrar outro desfecho de uma eleição que sela a vitória do golpe e garante a
continuidade do plano celerado que até hoje o guia.
O
big-bang está na eleição de Lula à Presidência, clangor tão ensurdecedor a
ponto de não ser ouvido, mas daí se difundiu para alcançar o diapasão mais
elevado a partir da segunda eleição de Dilma Rousseff. Agora vibra nos nossos
ouvidos, mas para o partido de Lula é tarde.
Se
sair do vermelho significa acabar de uma vez por todas com maiores riscos para
o sossego da casa-grande, suponho que o momento seja favorável ao atraso
ardorosamente buscado pela reação nativa, mesmo porque os ventos vindos do
norte neoliberal por ora sopram a favor.
Já
se significa sair da crise econômica, aqueles cidadãos acima citados fiquem
precavidos. Sair do vermelho, para o governo Temer e quantos o sustentam, é
simplesmente vender o Brasil. Como será provado. Confirma-se a normalidade da
demência.
E
eis que me cai nas mãos a gravura acima, obra de um retratista da casa-grande,
um certo Debret, realista e, portanto, impiedoso. E perfeito até hoje. À mesa,
toscos, vulgares donos da casa, caricaturas de uma aristocracia de fancaria.
Compostos, dignos, os escravos.
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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