Um
dia triste. Chame-se de golpe. Pode ser. Ainda que na história da América
Latina essa palavra tenha sido, até agora, vinculada a toda ofensiva feita
pelas oligarquias para travar, interromper ou impedir um projeto popular
efetivamente transformador das estruturas sociais e econômicas. Chame-se de golpe
– é um dia que não dá muita vontade de brigar por palavras, aquela briga vã de
que falava o Drummond -, mas não se queira com isso afirmar que os governos do
PT foram antioligárquicos. Não o foram em nenhum momento.
Uma
coisa é dizer que o processo contra Dilma foi espúrio; outra é querer que isso
apague da história o fato de que o PT cavou sua própria sepultura. A decisão
tomada lá atrás, de basear a governabilidade no âmbito parlamentar em
detrimento do popular, encontrou seu acabamento.
O rito de ajuste do poder – a mera substituição de atores na mesma peça de manutenção da velha ordem – é algo que nos acompanha desde Deodoro. Tudo depende, de modo preponderante, dos humores e interesses do Congresso, esta instituição cara ao Estado Moderno, mas que no Brasil se transformou em um clube de negociações de nossa velha aristocracia.
O rito de ajuste do poder – a mera substituição de atores na mesma peça de manutenção da velha ordem – é algo que nos acompanha desde Deodoro. Tudo depende, de modo preponderante, dos humores e interesses do Congresso, esta instituição cara ao Estado Moderno, mas que no Brasil se transformou em um clube de negociações de nossa velha aristocracia.
Chame-se
golpe, tudo bem. Embora haja a alternativa dada pelo jornal Le Monde: “ou é
golpe de Estado ou uma farsa”.
Há
de se respeitar a história de Dilma Roussef. Ainda mais sua coragem. Saltou aos
olhos o recrudescimento do patriarcalismo, do machismo e da misoginia, expresso
em todo esse processo. Neste particular ela é vitima. E perdemos todos junto
com ela, sobretudo a mulher brasileira. Mas Dilma paga também por suas escolhas
políticas e alianças.
Ainda
mais triste o fato de que nosso primeiro operário no poder tenha contribuído
para a desorganização dos trabalhadores. Deixamos um péssimo registro na luta
secular dos trabalhadores do mundo: é possível um partido que os tenha como
bandeira não só governar longe deles, mas também aliado aos seus opressores.
No
senado, Dilma foi devorada na cova dos leões. Cova que cavou. Leões que
alimentou. Injusto para Dilma. Perverso e cruel para o povo, a partir dos
resultados que o impeachment trará.
O
saldo é nefasto. Serão tempos difíceis.
Pelo
menos sabemos algo do que não fazer: não subestimar a força da direita; não
acreditar que é possível um pacto de classes no Brasil que favoreça aos
trabalhadores; não confiar nosso destino em um “messias”; não jogar nossas
fichas unicamente na esfera político-parlamentar; e, sobretudo, não ficar
presos ao ciclo vicioso das eleições como único momento da vida política de um
povo.
Mas
também há pistas do que fazer: formação política através de educação popular;
trabalho de base permanente e comunitário; fortalecimento das experiências de
coletivos de luta autônomos; aposta na juventude, nas mulheres, negros, Lgbt’s
e organizações periféricas como aqueles que hoje ocupam o centro da resistência
política. É importante também superar o mito do Lula. Ele não nos salvará. Ou
será execrado pela direita ou reciclado para trabalhar de novo para ela. Triste
assim. Mas a vida nem sempre é alegre.
Forjar e acreditar em novas lideranças que tenham de fato raízes na luta
popular é necessário e urgente.
Em
2018 não aparecerá um portal mágico que nos fará alcançar, num estalo, um outro
Brasil. Superemos esta ingenuidade. É o mínimo que uma análise crítica pode nos
oferecer neste momento.
Dois
anos serão pouco. Será necessário mais tempo. Trabalho de base, num contexto
adverso, difícil e certamente repressivo.
Há
um compromisso a ser reforçado por todos que descobriram, como Che, que não é
por acaso que o coração bate do lado esquerdo do peito: o compromisso com os
“condenados da terra”, como nos ensinou Fanon. É esta a bússola: que erremos,
mas o façamos em nome de um projeto efetivamente popular. Melhor isso que
conquistar o poder e governar para quem faz do Brasil o que ele é há mais de
500 anos.
Reafirme-se:
não há de se lamentar a queda do PT. Lamenta-se que tenhamos acreditado por
tanto tempo que é possível almoçar com o povo e jantar com quem o oprime.
Que
possamos aprender com os erros. E que tenhamos força para ir à luta!
*José
Carlos Freire é professor universitário, mestre em filosofia
Publicado
originalmente no portal Carta Capital
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