Escrevi
esse texto, depois de uma sequência de treinos que não segue os padrões das
literaturas. Deitado
na cama, comecei a pensar em como muitos atletas ainda invertem os valores do
esporte.
Como
alguns inconsequentes ainda mancham a credibilidade do caminho correto.
Apesar
de chegar a ser irritante ter de repetir tantas vezes meus conceitos sobre o
assunto, mais uma vez escrevo sobre doping na modalidade.
Eu
simplesmente amo subir numa bicicleta e competir. A essência e beleza por trás
do ato de subir numa máquina de propulsão humana e buscar o máximo do que o
corpo consegue gerar em sintonia com a mesma é tão bonito e complexo que chega
a ser romântico.
Quanto
mais rápido, mais profundo o ser humano vai e mais intensa fica essa beleza.
E
a beleza atinge o seu ápice apenas no alto-rendimento, quando tudo,
absolutamente tudo é experimentado numa intensidade que não é possível ser
sentida em outros níveis de rendimento, por diversos fatores.
A
busca por esse ápice requer, em síntese, trabalho a longo prazo.
Por
trás disso existe o que gosto de chamar de “etapas do processo evolutivo”. A
preparação é cada vez mais profunda quanto mais alto for o nível almejado.
Tornar-se
um atleta que consegue pedalar (estar) rápido não é muito difícil, mas se
tornar alguém que é (ser) rápido, demanda muito mais.
Qual
a diferença entre estar rápido e ser rápido?
Digamos
que “estar” rápido é um estado momentâneo, a performance puramente analisada em
números, a curto prazo.
Já
o “ser” rápido é uma consequência de uma série de atitudes que moldam, em
sincronia, o corpo juntamente com uma mente forte. O “ser rápido” depende de um
desenvolvimento sólido, que seja duradouro, mesmo que o nível de performance
eventualmente aumente e diminua.
Se
existe algo que considero cansativo ter que falar é sobre doping. Porém, mesmo
assim estou sempre citando o tema em entrevistas, debates, etc...
Aparentemente
o ciclismo brasileiro continua tendo aspecto profissional, mas com suas raízes
atrasadas, amadoras e de conceitos que corroem a possibilidade de evolução
real.
O
que eu quero dizer com “evolução real”?
Já
são bons anos competindo e vivenciando bastante coisa no MTB internacional e
posso garantir que um atleta só pode ser considerado bom, depois de passar por
um processo que consiste em várias etapas evolutivas.
O
esporte evoluiu a um nível de preparação absurda. São tantas técnicas de
treinamentos, análises, preparação complementar, técnicas de recuperação, de
nutrição...enfim, um universo de variações de onde o atleta pode buscar ganho
de performance.
São
tantas variáveis, tantos meios, que considero que o bom atleta de mountain bike
deve possuir um conhecimento básico de muita coisa e só assim conseguirá
desenvolver um bom trabalho com os profissionais especializados que o auxiliem.
Num esporte onde você treina isolado, é muito importante que o atleta seja
capaz de identificar, entender e gerenciar o que está acontecendo com si
próprio. Parece simples e óbvio, mas acredite isso não é algo que muito atletas
conseguem entender- e aqui me refiro já ao seleto grupo nomeado atletas de
elite.
No
passado tomei uma decisão pessoal em relação ao uso de doping. Eu determinei
que não importa onde eu chegaria como atleta profissional, eu alcançaria
puramente por trabalho duro e limpo (leia-se atleta limpo = não dopado).
Esse
princípio foi formado e estabelecido dentro de mim por uma série de fatores e
acontecimentos a minha volta. Um deles foi em 2009, quando fui contratado por
uma equipe na Europa e nessa época ainda existiam resquícios de doping no
pelotão internacional. Quando eu entrei no circuito o cenário era de
transformação. Algumas referências do passado andavam de cabeça baixa, tentando
algum lugar onde pudessem se encaixar, mas já não havia.
Foi
nesse período que eu aprendi a enxergar a diferença de mentalidade e postura
competitiva entre um atleta dopado e um atleta limpo.
Hoje,
eu realmente acredito que o doping é um verdadeiro limitador da real evolução.
Qual
a razão para eu crer nisso com tanta confiança?
Vou
tentar resumir analisando hipoteticamente dois atletas, um dopado e um não
dopado.
Só
ressaltando que aqui não exponho “achismos”, mas sim o que vi ao meu redor em
vários anos como profissional, dentro do Mountain Bike Olímpico, que é o
universo do qual faço parte e tenho propriedade para falar.
Primeiro,
vamos pensar num atleta não dopado que chegou num nível de performance de alto
rendimento.
O
desenvolvimento para um atleta assim, requer estudo, autoconhecimento, trabalho
a longo prazo, evolução através de erros e acertos e o principal, maturação esportiva.
O
processo forja um atleta mais estável, que consegue passar pelos altos e baixos
do esporte de alta performance, e sempre se redescobrir e ver espaço para
melhorias.
Assim
o atleta sempre se torna melhor. E melhor não quer dizer sempre mais rápido,
mas sim sempre o mais rápido que se pode ser no momento.
O
mérito é uma consequência da qualidade do trabalho que foi desenvolvido.
A
autoconfiança de um atleta que passou por esse processo, baseia-se no quanto
ele se entregou na preparação ao longo de anos e no que o trabalho dele pôde
gerar.
Geralmente
esse tipo de atleta se preocupa muito mais com o que ele está fazendo do que os
outros estão fazendo. Para esse tipo de atleta, é muito mais importante buscar
a evolução do que saber se tem alguém andando mais rápido do que ele.
O
objetivo primordial sempre é buscar a própria evolução.
Agora
vamos ao atleta dopado.
O
atleta dopado anda, eventualmente, rápido. Eventualmente, vence provas.
Porém
nunca – nunca mesmo -- evolui.
Afirmo
isso pois analisando os mesmos pontos:
O
desenvolvimento de um atleta dopado é veloz, não demanda tanto tempo. O atleta
não passa por um processo de preparação, ele passa por um tratamento.
Obviamente o atleta tem que subir na bicicleta, fazer força, se dedicar e tudo
mais...Porém, o fato das reações do corpo serem mascaradas, impossibilita o
atleta de entender e absorver o autoconhecimento que somente o processo de
treinamento pode gerar.
A
confiança desse atleta, está na substância administrada e a performance é
esperada dependendo se o “tratamento” funcionou ou não.
Ele
não confia no que ele fez, ele confia no que tomou.
Esse
tipo de atleta se preocupa muito mais com o que os outros estão fazendo, como
estão andando, o que eventualmente estão tomando, do que onde ele poderia
melhorar.
O
doping é um atalho, só que na viagem mais curta, você deixa de ver, aprender e
absorver muito.
Costumo
dizer que doping não ganha corrida. Eu sempre considero que não perco para um
atleta dopado.
Isso
mesmo, não me preocupo se o sujeito está com a carcaça cheia de porcaria.
No
MTB isso não basta para se tornar um vencedor, pois quando chega o momento
decisivo a cabeça do atleta que trabalhou para chegar ali, simplesmente esmaga
o cara que escolheu um caminho mais curto.
Quem
constrói uma capacidade de andar rápido, constrói através de um processo que
sempre o aproxima da dor, até ser algo natural e que o atleta consegue
administrar.
Quem
tenta “injetar” performance não passa por essa experiência que transforma, e é
por isso que as pernas podem até girar rápido, mas é fácil ver a diferença na
postura do atleta.
O
atleta dopado não cria raízes profundas e é por isso que quando ele se depara
com alguém que está pedalando na mesma velocidade e não se dopou(mesmo que ele
não saiba), ele não consegue confrontá-lo pois não têm outros artifícios, não
possui outros recursos para gerar performance.
Ele
simplesmente não aprendeu a tirar performance de algum lugar que não seja de
uma seringa.
Como
atleta de elite, eu me preocupo principalmente com as próximas gerações.
O
meu maior receio é ver jovens atletas, que ainda nem aprenderam o que é dor de
verdade, perderem a fé no trabalho duro. Começarem a abaixar muito a cabeça e
olharem só para o curto prazo.
Não
sigo a cartilha do bom atleta das redes sociais. Não pretendo agradar a todos
ao me expor e logicamente seria mais fácil e comercial ser político.
Me
ame ou me odeie, goste ou desgoste, quero sempre usar o esporte como ferramenta
para expor a verdade e moldar caráter, pois é esse o maior poder que temos
através do esporte.
Pedalem
forte e deixem a sujeira só para a parte de fora do corpo!
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